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O SURGIMENTO DE NOVOS VALORES E O PROFESSOR NA CONTEMPORANEIDADE

3 AS UNIVERSIDADES NO CONTEXTO DE TRANSFORMAÇÕES ESTRUTURAIS

4. PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO – A CONDIÇÃO DOCENTE

4.5 O SURGIMENTO DE NOVOS VALORES E O PROFESSOR NA CONTEMPORANEIDADE

Nessa dimensão, vamos abordar a força que a lógica do empreendedorismo assume na linguagem na linguagem e na prática cotidiana do professor e do espaço universitário.

Giovanni Alves (2013), ao abordar essa questão propõe usar o termo de “teologia”, no tocante a substituir Deus pelo ideal de sucesso. Para o autor, a ideologia do empreendedorismo, origina na ideologia do sucesso oriunda nos Estados Unidos, rememorando a clássica divisão ideológica entre winners e losers.

Dardot e Laval (2016), por seu turno denominam de “a empresa de si mesmo” como termo que representa a racionalização do desejo, cuja ideia é a de que cada indivíduo deve ter o domínio sobre a sua vida, no que se refere a sua condução, “gestão” e “controle”, em função de seus desejos e necessidades, a fim de elaborar “estratégias adequadas” para tanto.

Tal indivíduo, tem como características principais, ser competente e competitivo, e procura maximizar seu capital humano em todos os sentidos, trabalhando a “si mesmo”, continuamente, a fim de tronar-se cada vez mais eficaz e produtivo.

Notadamente, tal “teologia”, opera com o mecanismo ideológico da auto-

culpabilização, da vítima, com a máxima: “Se eu falhei, a culpa é minha” e a internalização

completa e absoluta dessa censura. Assim, “o sucesso é minha responsabilidade e o fracasso a minha culpa”. Palavras como: autoestima, coragem, ousadia e iniciativa, surgem como o mantra do sujeito “bem sucedido”.

Novos paradigmas surgem tanto para o mercado como para a vida pessoal, assim como para a formação e para a educação: “formação para toda a vida” e “empregabilidade”, são termos que representam significativamente tal estratégia.

Ricardo Antunes (ano) e a Professora Graça Druck (ano) quando debatem sobre o aumento da terceirização no mundo todo, apontam como essa é camuflada de diversas formas, como cooperativas, ONG´s e a pejotização ou empreendedorismo, que se resume ao trabalhador com CNPJ.

A professora Graça Druck (2013) afirma que a terceirização não se trata de um fenômeno novo, porém assume novas características, pela amplitude, pela natureza e pela centralidade que assume no contexto de flexibilização e da precarização do trabalho.

Sendo assim, a amplitude é constatada pela disseminação da terceirização a todos os tipos de atividades e setores. No setor público, ocupa lugar estratégico desde a reforma do Estado de 1990, sob a égide “gerencialista” da administração pública.

No ensino superior, a prática da terceirização e da subcontratação já está instalada. Em cursos de Pós-Graduação trata-se de prática comum e nos cursos de graduação já se torna bastante aparente.

Assumem, muitas vezes, o formato de cooperativas, conforme os estudos da Professora Graça Druck (ano), operam nas instalações das empresas, reúnem trabalhadores na condição de associados que prestam serviços a essas empresas e possuem legislação especifica, que estabelece: “qualquer que seja o tipo de cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e os associados”

A prática mais comum no ensino, por sua vez, deriva da modalidade das cooperativas e possui o mesmo intento, já que a relação empregatícia é abolida. Trata-se das empresas do “eu sozinho” ou “pj” e se refere a um processo de contratação onde os trabalhadores são pressionados a redefinir sua personalidade jurídica, ou seja, registrar uma empresa no seu nome, assumindo todos os encargos e transformando-se numa empresa individual terceirizada. Trata-se efetivamente, do empreendedorismo no ensino, de forma literal (DRUCK, 2013).

Vejamos o que os professores percebem com relação ao tema, onde a seção buscará ser construída com base no discurso deles. Nesse tocante, reiteramos que optou-se por construir um discurso único, para o professor público e privado, por acreditar-se que tal questão é tão entranhada na sociedade, que para parafrasear os franceses Pierre Dardot e Christian Laval (ano), trata-se da “Nova Razão do Mundo”, onde a própria sociedade passa a ser “neoliberal”.

Quando questionados sobre: “Como você avalia o surgimento, no contexto de

trabalho, da valorização de: "autoestima", "comportamento empreendedor", "prosperidade", "apego à marca", "idealização de sucesso"?

Discurso do Sujeito Coletivo

Esses valores têm crescido muito e que são extremamente negativos, pois neurotiza as pessoas, gera conflitos porque as pessoas estão ganhando cada vez menos e se sentindo obrigadas, entre aspas, a consumir cada vez mais e melhor o que cria um nível de insatisfação muito alto, preocupante, pois cria uma ilusão de que a marca é a identidade do indivíduo, ou a ideia de que ser

empreendedor é ter sucesso [...] constante busca por mais, sem dar valor ao que se tem no momento, que é o que motiva pessoas que tem recursos financeiros suficientes e, mesmo assim, não são felizes, pois, não é elevação autoestima e sim elevação do narcisismo. Hoje para as pessoas, cada momento é uma foto, elas parecem que querem vender que estão permanentemente alegres e aquilo ali pode estar escondendo um processo depressivo ou até um processo de baixa autoestima. Construção social que o sistema se articula para dá conta de embutir na cabeça dos sujeitos a questão de que o consumo é uma possibilidade, a partir daquilo que é fruto do trabalho feito, de amenizar o sofrimento encontrado no próprio trabalho e também estimulado pelas indústrias e varejos que precisam da compulsão de uma sociedade de consumo para se manter no processo de acumulação de capital, são mais modismos do que outra coisa que tomam conta do ambiente do trabalho. Ferramenta de pressão psicológica. Na universidade particular e pública, empreendedorismo tem até disciplinas que estão trabalhando essa questão em relação ao aluno, onde o empreendedorismo e valores é muito mais no sentido que está previsto nos projetos institucionais e pedagógicos, feitas para cumprir os instrumentos de avaliação do MEC. A questão de valorização a marca no caso da instituição particular mesmo o que se vende lá é muito mais marca, é contemporânea, se dá muito valor ao status, marca, “qual celular que você usa? a marca traz também para o indivíduo talvez de marketing pessoal.

Verifica-se através do discurso, que os professores percebem a invasão desses novos valores dentro da sala, que em verdade, reflete a sociedade. Em verdade, o novo homem do capital do século XXI é o empreendedor, parafraseando Giovanni Alves. Desse modo, todos os aspectos da vida desse indivíduo, inclusive a sua salvação espiritual, dependem da sua iniciativa pessoal. Onde, notadamente, de acordo com essa teologia, o seu fracasso financeiro, é o inferno pessoal.

O empreendedorismo, faz parte do currículo das Universidades e surge como uma doutrinação efetivamente. Assim, nessa sociedade o indivíduo não deve mais se ver como um trabalhador e sim como uma “empresa de si mesmo”, que vende um serviço ao mercado. Para tanto, “todo trabalhador deve procurar um cliente, posicionar-se no mercado, fixar um preço, gerir seus custos fazer pesquisa-desenvolvimento e formar-se” (ALVES, 2013; DARDOT; LAVAL, 2016).

Nesse tocante, o contrato de trabalho é modificado radicalmente e de uma forma perversa: de dentro para fora. Ou seja, cumpre-se o entoado por Margaret Thacther, no sentido de que a “economia é o método, o objetivo é mudar a alma”. Essa relação de cada um com o valor de seu trabalho é “objeto de gestão”, ou seja, o trabalho virou um produto cujo valor mercantil pode ser medido de forma cada vez mais precisa, onde o contrato de trabalho, será substituído por relações contratuais de “empresas de si mesmos”.

Os autores franceses Pierre Dardot e Christian Laval (2016), esclarecem que cada indivíduo deve aprender a ser um sujeito “ativo” e “autônomo”, aprendendo a por si mesmo a desenvolver “estratégias de vida” para aumentar o seu capital humano e valoriza-lo da melhor maneira, sendo, portanto, uma atitude social que deve ser adquirida, um modo de agir que deve ser desenvolvido, com o intuito de “enfrentar” a tripla necessidade que são: posicionamento da identidade, do desenvolvimento do seu próprio capital humano e da gestão de um portfólio de atividades.

Assim, essa “atitude empresarial” deve valer para todos não só para empresários e autônomos. Sua meta pessoal, deve ser sempre: Melhorar o seu desempenho. Bom, quais estratégias serão usadas para isso? Essa resposta é a sua “vantagem competitiva” frente aos demais, ou, seus “concorrentes”.

No que se refere aos novos valores ligados ao consumo de marca, temos o seu surgimento, ou em verdade, a sua expansão a ponto de se transformar em padrão de comportamento, a década do neodesenvolvimento brasileiro, ou seja, os anos 2000. Com efeito, tratou-se da ideia de inclusão social pelo consumo como meio de afirmação da identidade social. Notadamente, a oferta de crédito no país, cresceu de 2003 a 2013, em torno de 140% (ALVES, 2013).

Ademais, nas condições de precarização de trabalho, crise da vida pessoal, crise de sociabilidade e crise de auto-referência pessoal, o consumismo, assim como outros vícios já tratados neste trabalho, surge como um escape para o “vazio” da vida. Com efeito, o “público alvo” das estratégias de Marketing e propaganda das grandes empresas, são os jovens das camadas médias ou camadas populares do proletariado. Assim, o consumo se tornou um “ídolo sagrado” e frases como “fazer compras em Miami”, tornaram-se fáceis de serem ouvidas na classe média, utilizando-se de vários “argumentos” de convencimento (ALVES, 2013).

Desse modo, quando questionados sobre o impacto desses “valores” na relação professor-aluno, através da pergunta

:

“De acordo os "novos valores", como você sente a

relação "professor-aluno"?

Discurso do Sujeito Coletivo

Complicada, difícil! Como a maioria das pessoas tem essas coisas como valores, mas, não conseguem praticar, consumir o que deseja, ter o carro que deseja, vestir ou morar onde deseja e isso está gerando

uma sociedade doente, insatisfeita, neurótica e isso reflete na relação aluno professor pois se tem nas salas alunos cada vez mais agressivo, mais infelizes, insatisfeitos e acabam traduzindo isso numa relação muito hostil com o professor e com os colegas também o que é muito ruim. Já sonham em fazer alguma startup, algum empreendimento, eles pensam no TCC fazer um software para androide ou alguma coisa que vai dá o salto qualitativo da vida dele. Por exemplo, a sabedoria do mestre foi desvalorizada ao longo do tempo, está ocorrendo a formação de pessoas superficiais, não importando a essência e sim o que outras estejam vendo. A autoestima é vista como algo que só vem se a pessoa estiver dentro de padrões estabelecidos fomentando que se seja superficial. Existência de todo um contexto histórico, social que descontrói o papel do professor e define como uma luta manter-se em tal condição é uma luta, uma construção diária no fazer e refazer-se professor o que é muito difícil, mas prazeroso quando a conciliação entre professor-aluno. Exponho a minha opinião, seja em relação à algum tipo de preconceito, seja em relação a desigualdades sociais e raciais, mas, talvez alguns entendam o meu ponto de vista, outros podem até se sentirem agredidos

É significativo como a força desses novos valores impactam na relação sala de aula, notadamente, impactam nas relações sociais com um todo. A falta de maturidade para lidar com as frustrações transforma-se em dispositivos de agressão e fuga.

Giovanni Alves (2013), compara o que ele denomina como “vias grotescas de

escape”, nessa teologia do neodesenvolvimento, com a auto ajuda e filosofias da Nova Era,

ou seja, como resposta às angustias e crises existências, além das necessidades radicais das pessoas que trabalham. Em verdade um escape para a aflição da miséria humana, provocada pela impossibilidade de uma vida plena de sentido dada as condições históricas do sociometabolismo. Tratam-se de expressões do fenômeno social da crise do trabalho vivo e da vida reduzida, resultantes da crise estrutural do capitalismo, que impedem as pessoas ensimesmadas de encontrarem um sentido pleno para a vida.

Nesse tocante, ao se tratar de vida reduzida, temos a destruição da coletividade, por sujeitos imersos em comportamentos individualistas e particulares, incentivados ou construídos por valores neoliberais, num culto narcísico do eu, que só contribuem para o estranhamento da própria sociedade.

Com efeito, no momento em que o sujeito assume o discurso “gerencial”, assume também múltiplas técnicas do eu para facilitar a eclosão do “homem ator na sua vida”. Considera-se a vida na empresa, como uma chance de adquirir certa sabedoria prática, ou seja, a possibilidade do sujeito se “formar” efetivamente. Onde a mesma adquire o papel de

“legitimar” esse sujeitos “bem-sucedidos”. Em verdade, são formados seres acríticos e reprodutores do sistema, doentes, vazios sem consciência da realidade, que buscam escapes de forma inconsciente para camuflar a miséria humana (DARDOT;LAVAL, 2016).

Notadamente, que o objetivo é produzir sujeitos de “envolvimento total”, que dão sempre “o máximo de si”, que se superem dia após dia, que se identifiquem com a empresa, estabelecendo uma distância ética em relação a si mesmo e consequentemente em relação a todo papel social.

Ademais, técnicas como coaching, programação neurolinguistica (PNL), análise transacional, entre vários procedimentos ligados a “escola” ou a “gurus”, tem como objetivo auxiliar no cada vez melhor “domínio de si mesmo”, fortalecendo esse sujeito a adaptar-se cada vez mais à realidade, contumaz, adaptar-se cada vez mais às mudanças estabelecidas pelo sistema. Cada método citado, possui técnicas especificas que se unem num objetivo único, o aspecto que os une é o de transformação dos indivíduos dentro e fora da empresa, aumentando a eficácia na relação do indivíduo com o outro. Desse modo, todo o peso da complexidade e da competição estão exclusivamente sobre o indivíduo. A Universidade, o espaço onde se poderia discutir esses processos, se adapta e contribui para reproduzir esses sujeitos que vacilam entre o sentimento de arrogância e desvalor.

Sonhar o sonho impossível, Sofrer a angústia implacável, Pisar onde os bravos não ousam, Reparar o mal irreparável, Amar um amor casto à distância, Enfrentar o inimigo invencível, Tentar quando as forças se esvaem, Alcançar a estrela inatingível: Essa é a minha busca Dom Quixote