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2 EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, INDUSTRIALIZAÇÃO E AMERICANISMO

3.1 Taylorismo, fordismo e o símbolo do automóvel no imaginário popular

3.1.1 O taylorismo enquanto paradigma nas indústrias

Sobre o taylorismo, optou-se por discutir um pouco mais a fundo sobre as bases que fundamentavam o capitalismo nos EUA assim como sua disseminação e aplicação no contexto internacional. Os métodos tayloristas e fordistas já eram o mote que guiava não apenas a produção na linha de montagem, mas um estilo de vida no qual a racionalidade que emana da fábrica deveria ser aplicada também à sociedade. A fim de introduzir conceitos centrais desta pesquisa que se ligam a aspectos do Americanismo e fordismo, optou-se por abordar brevemente o conjunto de princípios e métodos que constituíram o taylorismo e o contexto em que surgia, visto que muitos dos elementos que Gramsci aponta como fenômenos do Americanismo e fordismo se utilizam do método taylorista de organização da produção e do trabalho, ocultando em si o caráter histórico da técnica, produzida em um contexto de luta de classes, de onde a divisão cada vez maior do trabalho gerou resistências e conflitos entre quem executava a produção e quem pensava como ela deveria ser feita e planejada de modo a obter maiores taxas de lucro. Tal processo acontece, porém, sem proporcionar mudanças qualitativas no que diz respeito a condições de vida, trabalho e saúde dos trabalhadores. Essa análise entende as transformações colocadas como revolucionárias neste período como mecanismos ideológicos de uma Revolução Passiva, ou revolução-restauração.

Do termo taylorismo pode-se dizer do “conjunto de estudos desenvolvidos por Frederick Winslow Taylor (1856 - 1915) e aplicados nas indústrias de todo o mundo, determinando a organização do processo de trabalho contemporâneo” (MOREIRA; RAGO, 2003, p. 14). O taylorismo é até hoje estudado e para esta pesquisa representa uma categoria central na análise dos Boletins em um de seus principais aspectos da indústria moderna, o gerenciamento científico, cabendo situar alguns recortes do momento histórico em que esta ideia surge e as condições que permitiram sua ampla divulgação.

Taylor foi um engenheiro estadunidense que ficou conhecido como o “Pai da Organização Científica do Trabalho” e seus estudos mais conhecidos foram desenvolvidos no início do século XX, inclusive aquela que viria a ser sua obra mais conhecida, os Princípios da

Administração Científica. Ainda que existam controvérsias28 sobre a posição social que Taylor ocupava antes de ser notadamente reconhecido no meio industrial, o fato é que:

O objetivo que o leva a trabalhar diretamente com os operários não é certamente de ordem financeira, ao contrário, Taylor deseja descobrir um método “científico” de direção das indústrias: como dirigir com o máximo rendimento sua eficácia, obtendo o melhor rendimento. Seu objetivo portanto é o aumento da produtividade do trabalho evitando qualquer perda de tempo na produção (MOREIRA; RAGO, 2003, p. 15).

28 Ver em Rago, 2003, p. 15.

No período em que Taylor desenvolve seus estudos, a esfera produtiva caracteriza-se pela intensificação da concentração e centralização dos capitais, em que crescem as fábricas e aumenta a quantidade de funcionários em um mesmo espaço de trabalho (MOREIRA; RAGO, 2003, p. 16). Assim esse modelo se relacionava diretamente com o cenário anteriormente descrito, em que os centros urbanos começavam a receber grande contingente de pessoas e se intensificava a industrialização.

Dentre os princípios da Administração Científica, respectivamente, o primeiro era “[...] reduzir o saber operário complexo a seus elementos simples, estudar os tempos de cada trabalho, decomposto para se chegar ao tempo de necessário para as operações variadas” (MOREIRA; RAGO, 2003, p 20). Tal objetivo se tornava possível com a introdução de cronômetros nas oficinas. O saber que antes pertencia ao trabalhador, suas especialidades são dele separadas no processo de trabalho, pois este “[...] deve ser independente do ofício, da tradição e do conhecimento do trabalhador, dependendo apenas das políticas gerenciais” (MOREIRA; RAGO, 2003, p. 21). O segundo princípio se liga a seleção científica do trabalhador, que separa também o trabalho intelectual da fábrica e concentra-o no setor de planejamento.

Segundo Taylor, a ‘ciência do trabalho’ deve ser desenvolvida sempre pela gerência e nunca estar em posse do trabalhador. Ele compreende muito bem como a organização do trabalho pelo próprio operário é uma arma contra o capital, concluindo então que toda atividade de concepção, planejamento e decisão deve realizar-se fora da fábrica pela gerência científica e ser executada passivamente pelos trabalhadores- bovinos (MOREIRA; RAGO, 2003, p. 22).

Diante disso, concebe como parte da fórmula o operário enquanto um “boi”, ou como “gorila amestrado”29. O terceiro princípio consiste na colaboração mútua entre trabalhadores e gerentes na articulação da ciência que se desenvolveu em torno de determinado trabalho. Neste, uma questão é fundamental para elucidar as formas das relações sociais que se estabelecem no âmbito da produção fabril: “[...] objetiva-se estabelecer uma relação “íntima e cordial” entre o operário e a hierarquia na fábrica, anulando a existência da luta de classes no interior do processo de trabalho” (MOREIRA, RAGO, 2003, p. 22). Por fim, o quarto princípio está ligado à necessidade de manter uma “divisão equitativa do trabalho e das responsabilidades entre a direção e o operário” (MOREIRA, RAGO, 2003, p. 23). Se antes, grande parte do trabalho e das responsabilidades eram dos trabalhadores, há neste formato taylorista uma redistribuição

29 Em nota, o redator do livro de Gramsci “Americanismo e Fordismo” explica que a expressão “gorila amestrado”

é usada por Frederik Taylor e é citada a partir do livro de André Philip. “Segundo Philip, Taylor considerava que um gorila amestrado poderia fazer o trabalho atualmente efetuado por um operário” (GRAMSCI, 2008, p.66 apud MEDEIROS, 2013, p. 91).

de tarefas e de funções, que do mesmo modo que o princípio anterior, viria a enfraquecer /suprimir as lutas operárias, em especial a greve, “[...] na medida em que possibilita uma colaboração íntima e pessoal entre as duas partes, em que se divide o trabalho” (MOREIRA; RAGO, 2003, p. 23). Ainda que tal colaboração tida como ideal não necessariamente acontecesse na prática, conforme as diversas resistências a esse processo quando de sua instalação nas indústrias30, era um mecanismo sutil de dominação uma vez que permitia a “participação”, ainda que reduzida, do trabalhador a fim de melhor configurar os processos produtivos no interior das fábricas.

Aqui pareceu essencial mencionar esses princípios porque deles derivam fórmulas, métodos e processos que seriam utilizados no processo de produção, de trabalho e, principalmente de um estilo de vida que fosse capaz de manter o formato da produção em massa. Inclusive com o próprio fordismo, o quadro da divisão social do trabalho, da centralização do poder/decisões nas mãos dos diretores, da mecanização do trabalho do operário, tende a se aprofundar conforme avança o desenvolvimento tecnológico nas indústrias.

Todavia, assim como o americanismo, conforme será indicado na próxima seção, a ampla disseminação do taylorismo e sua utilização no meio fabril também geraram oposição e resistência por parte dos trabalhadores na época nos próprios EUA. Moreira e Rago destacam dois principais motivos: o aparecimento do “analista de tempos e movimentos” e a padronização das formas de produzir acompanhadas pela avaliação da produtividade, cabendo aos gerentes científicos inspecionarem cronometricamente o rendimento de cada operário, com a finalidade de averiguar a duração ideal da produção, premiando os mais produtivos e punindo os considerados “preguiçosos”. Eis a cronometragem um ponto de conflito constante entre funcionários e direção nas organizações (MOREIRA; RAGO, 2003, p. 24). Importante aqui também é dar destaque a questão dos salários, ponto analisado por Gramsci no Caderno sobre o fordismo. Neste sistema de produção, os salários pagos eram individualizados conforme o rendimento na produção ou mesmo premiações àqueles que superassem o padrão estabelecido, como uma forma de introduzir a competição entre os trabalhadores. Assim, além do analista que calculava o tempo ideal de executar determinada tarefa, estava também o encarregado de medir a produção individual de cada funcionário (MOREIRA; RAGO, 2003, p. 24).

Conforme as características, já apresentadas, se percebe que aquilo que seria tido como um método de organizar cientificamente o trabalho nas indústrias estaria muito mais ligado a uma técnica de controle e dominação:

Ao organizar o processo de trabalho, dividir o trabalho de concepção e o de execução, estruturar as relações de trabalho, distribuir individualizadamente a força de trabalho no interior do espaço fabril, a classe dominante faz valer seu controle e poder sobre os trabalhadores para sujeitá-los de maneira mais eficaz e menos custosa à sua exploração econômica. O sistema Taylor apresenta-se neste contexto como estratégia adequada a dominação burguesa que visa constituir o trabalhador dócil politicamente e rentável economicamente (MOREIRA; RAGO, 2003, p. 25).

Ao identificar esse caráter político do discurso em torno dos métodos e princípios racionais da organização científica, sistematizados e introduzidos por Taylor, o que não se deve perder de vista é como o discurso, dotado de ideologia, opera de modo amenizar os conflitos de classe, de concentração de poder de determinados grupos, de exploração da força de trabalho dos operários sob a égide da ciência. A ciência, enquanto mecanismo capaz de aumentar as taxas de mais valia da burguesia que detinha os meios e os novos métodos de produção, ganhava nos discursos acerca da industrialização um valor quase que místico, era algo que não poderia ser feito por “qualquer pessoa”, que demandava um conhecimento e um trabalho meticuloso de “administração cientifica”. Assim, tal discurso tirava a ciência do âmbito político e o transferia para a esfera meramente econômica, ganhando nela inclusive, um tom de neutralidade, como se ela fosse autônoma.

A ideia de ciência passa a legitimar o método Taylor, já que [...] ele se fundamenta num saber objetivo, competente e acima de tudo neutro, apolítico, desinteressado, isto é, da ordem da “verdade”, opondo-se à “anarquia” dos métodos empíricos tradicionais. A imagem de oposição entre um método e outro dispensa comentários (MOREIRA, RAGO, 2003, p. 27).

Delegando esse caráter de uma ciência que é empiricamente comprovada, nega-se a ela qualquer tipo de oposição ou resistência, pois é como se ela própria agisse conforme leis naturais e objetivas, as quais seriam inevitáveis e tampouco dependeriam da intervenção humana. “Esconde-se nesta operação conceitual um significado essencial da técnica como exteriorização de um saber histórico, como produto da cultura burguesa, como materialização de uma ideia produzida no contexto da luta de classes” (MOREIRA; RAGO, 2003, p. 27). É preciso reconhecer o êxito deste discurso em separar a questão da política com a questão da técnica como se fossem elementos independentes.

Este discurso da racionalização, que oculta a luta de classes, tende a ganhar força com o que Gramsci chamou de fordismo, ou simplesmente, com as ideias de Henry Ford que, conforme será demonstrado na próxima seção, se utilizava de princípios da administração científica e da organização racional do trabalho não mais apenas para o espaço fabril, como para a sociedade de modo geral. Todavia, aqui cabe destacar um aspecto importante: o fato de que os métodos tayloristas guardem semelhanças com os fordistas, como a divisão social do

trabalho ou o parcelamento de tarefas, isso não significa que um derive do outro, pelo menos não na visão do próprio Ford (HOUNSHELL, 1989, p. 249). Essa confusão pode acontecer porque a ampla divulgação das obras de Taylor acontecia apenas um ano antes das inovações da Highland Park (fábrica da Ford como será mencionada na Seção 3.1.2), e é natural assumir que existisse uma conexão (HOUNSHELL, 1989, p. 249), todavia Hounshell não acredita que existam fontes adequadas que permitam identificar com clareza essa questão. Mas existem sim alguns fatos que possibilitam tal interpretação a respeito desses métodos.

Inquestionavelmente, os engenheiros da Ford padronizaram as rotinas de trabalho na Highland Park depois de analisar os padrões e o fluxo do trabalho. Com o muito difundido uso de maquinas operatrizes de propósito-especial na Ford, os engenheiros contrataram trabalhadores semi-qualificados e desqualificados para operar estas máquinas (seleção cientifica de trabalhadores, como Taylor a chamava). Tão cedo quanto em 1912 ou 1913, a fábrica da Ford tinha um departamento de estudo do tempo [...]. A própria ideia de estabelecer padronização de trabalhos – o quanto de rendimento que um manufatureiro poderia esperar de determinada máquina operatriz, processo de trabalho, ou series de processos se a força de trabalho fizesse um dia justo de trabalho – é o próprio coração do Taylorismo em uma gerência particular e sistemática no geral. Além do mais, na fábrica de Ford, havia uma clara divisão de trabalho entre a direção e os trabalhadores ao longo das linhas, defendida por Taylor em seus Princípios da Administração Cientifica (por exemplo, os operadores das máquinas não realizavam nenhuma manutenção em suas máquinas, mas a deixavam para os especialistas) (HOUNSHELL, 1984, p. 251).

As controvérsias em torno dessa questão também se ligam ao fato que várias outras indústrias em Detroit também já haviam antecipado algumas das ideias/noções do taylorismo (HOUNSHELL, 1984, p. 251). Mas para este estudo o que de fato interessa é como o discurso da ciência se configura quando aplicado à realidade do mundo produtivo, no qual o seu caráter “neutro” divide o trabalho entre aqueles que planejam, criam métodos e organizam o trabalho e entre aqueles que o executam. Ainda aqui, parece ser a grande questão o como tal discurso opera de modo a tentar naturalizar através do uso abundante de palavras como a ciência e racionalidade técnica, as desigualdades sociais e a condição distinta de cada agente necessário à cadeia de consolidação do capitalismo de massas.

O mesmo processo ideológico que induz o pensamento imperialista ao singular e exacerbado esvaziamento dos fatos, de seus conteúdos reais, o leva a reificar a eficácia, o modo impessoal de conduzir as coisas, a racionalidade propiciada pela técnica (IANNI, 1976, p. 69).

Essa observação conduz a outra questão importante acerca do imperialismo no pensamento burguês, que ele está implicitamente ligado “[...] à dinâmica da modernização (principalmente político-econômica) preconizada pelos programas, acordos, tratados, agências e empresas norte-americanos nos países dependentes” (IANNI, 1976, p. 70). Essa ligação é de

fundamental interesse para a presente análise porque ela condiz com a tendência modernizadora proferida pelos discursos oficiais presentes nos Boletins da CBAI. Ademais, também é questão de notável relevância para o americanismo, em que o sentido de modernidade e progresso está atrelado ao desenvolvimento de formas mais eficientes para extração de lucros no modo de produção capitalista.

Tais relações estão traduzidas em uma herança histórica profunda entre classes dirigidas e dirigentes. Ou grosso modo, entre as classes feitas miseráveis no cenário da exploração capitalista e aquelas cujo legado histórico é seu porto seguro para continuar a receber os privilégios que se assemelhavam aos de outrora (ainda que mudados drasticamente os modos de produção e trabalho). Ao passo que tais classes elitistas configuravam também o exercício e a forma como o poder é exercido, farão o possível para manter a hegemonia, inclusive com disputas internas entre as próprias classes dirigentes.

Desse modo, estariam no controle e no domínio do tipo de trabalho e dos trabalhadores que lá trabalhavam aqueles que fossem “capacitados”, que significava: dotados de uma mentalidade racional. Assim, ainda que respeitando os questionamentos acerca da influência de um método sobre o outro, o taylorismo nos fornece uma categoria chave do próprio fordismo, visto que esta divisão social do trabalho permanece a despeito de controvérsia e em especial o controle e o domínio sob o processo de produção reduzido a um grupo ínfimo de pessoas sobre as maiorias que desenvolvem o trabalho mais árduo na teia produtiva. Tal categoria é demonstrada na análise a partir da figura do gerente científico ou, como será abordado diversas vezes nos documentos da CBAI, o técnico especializado.

3.1.2 Fordismo no imaginário popular: o automóvel enquanto símbolo da