2. HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA DO TEATRO
2.2. O TEATRO PARANAENSE: HISTORIOGRAFIA
A historiografia do teatro paranaense produzida nos anos de 1980, em certa medida,
sofreu os impactos dos acontecimentos e dos fatos dos anos anteriores, e as angustias e os
questionamentos advindos daquele processo. As perspectivas de um teatro de caráter
nacional-popular, a ascensão do regime militar e suas conseqüências na sociedade brasileira;
bem como a profissionalização da cena teatral, simultaneamente à expansão da indústria
cultural e do crescimento urbano figura os elementos que compuseram o modo de interpretar
o teatro no Paraná.
Os produtores dessa memória não se distanciaram das percepções do seu momento
histórico, e nem dos conceitos e concepções construídas pelo discurso de pesquisadores,
teatrólogos e críticos teatrais. Suas narrativas compõem o quadro das experiências e dos
empreendimentos políticos e culturais em que estiveram inscritos. Dentro dessa visão, no que
tange à história do teatro paranaense, nota-se uma predominante participação de atores sociais
ligados às áreas do conhecimento das letras e jornalismo. Inclusa nessa interação,
encontram-se as abordagens sobre o tema, por eles construídas, condizentes com a aproximação e a
estreita relação que os mesmos estabeleceram com a linguagem teatral. Deve-se considerar no
processo investigativo envolvendo os diversos campos da Arte e História, que o historiador,
não é o único investigador, e nem mesmo tem predomínio. Outros olhares focaram-se nessas
referências construindo uma hierarquia de valores com relação a obras e autores.
As imagens constituídas sobre o teatro paranaense integraram-se às opções estéticas
e políticas, bem como à vida criativa dos atores sociais e, do mesmo modo, à maneira como
apresentaram suas concepções de mundo e à forma como narraram suas experiências.
Para Michel de Certeau (1976, p. 17-35), quando se trata de pesquisa histórica, os
objetos estudados não podem ser deslocados dos seus contextos, do seu ambiente cultural,
econômico e social, pois, toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar de produção
sócio-econômico, político e cultural. Ela está, pois, submetida a imposições, ligada a
privilégios, enraizada em uma particularidade. A ênfase nesse procedimento permite analisar
as condições e possibilidades que validam um determinado discurso histórico.
Na análise e interpretação da memória histórica do teatro no Paraná, priorizou-se
aqui o conjunto de textos produzidos por pesquisadores e estudiosos da área de Letras, do
Jornalismo e críticos de teatro e cinema. A produção, sistematizada nos anos de 1980,
refere-se, particularmente, ao teatro entre as décadas de 1950 e 1970, em Curitiba.
Na construção e sistematização dessa memória, encontra-se o texto de Francisco
Alves dos Santos, publicado, em 1981, na revista Panorama, sob o título Teatro: três
momentos distintos. Nele o crítico de cinema e teatro divide a história do teatro no Paraná em
três fases distintas: o amadorismo, a profissionalização e vanguarda.
O período que compreende os anos de 1950 é analisado pelo autor de acordo com a
constituição do amadorismo. É destacado o fato dos atores não viverem exclusivamente da
prática teatral e por não haver, por parte do Estado, incentivos no que tange à criação de
instituições devidamente qualificada na área cênica. Vigorava o apreço de um grupo de
pessoas ao teatro que o executavam com dedicação sem tirar da atividade algum tipo de
proveito econômico. Embora existissem, no período, entidades preocupadas com formação de
atores, o crítico considera que a confirmação da profissionalização da cena teatral dá-se
somente na década de 1960.
O “divisor de águas” do teatro paranaense coincide com o aparecimento, em 1963,
do Teatro de Comédia do Paraná (TPC). Nascido sob a égide da política cultural e econômica
do governo estadual, o TCP introduziu na cena curitibana noções de cenografia, coreografia,
direção e iluminação. As caracterizações foram importantes para o autor porque alinharam o
teatro do Paraná com a produção cênica nacional. Esta postura desconsidera as iniciativas,
anteriores e até mesmo simultâneas, que não estiveram amparadas pelo Estado.
O modelo de teatro orientado pela crença no progresso e modernização embasou o
interesse do governo, entre outros aspectos, em mostrar-se como patrono das artes. As
“encenações faraônicas”, montadas pelo grupo, além de mobilizarem o emprego de altas
verbas e de um corpo técnico e artístico qualificado, denotava o caráter de um Estado
interventor, considerado pela grandiosidade de suas obras, e o desejo de transpor os valores
presentes no ideal de progresso e modernização para a sociedade.
A referência a vanguarda tem, no artigo de Francisco Alves dos Santos, um recorte
que prioriza a produção teatral ancorada na renovação da linguagem cênica da cidade. Para
ele, houve uma multiplicidade de formas, grupos de teatro, montagens de espetáculo e
produção textual de autores paranaenses.
Em Curitiba, na década de 1970, o uso do termo teatro de vanguarda estava
associado à produção cênica criada no segundo pós-guerra. Retoma-se algumas perspectivas
cênicas e interpretativas da primeira metade do século XX iniciadas por Eugène Ionesco,
Samuel Beckett, Jean Genet, Antonin Artaud, entre outros. Definia-se, pois, em termos de
oposição e ruptura com os paradigmas clássicos e também de renovação e de crítica da
própria linguagem teatral. Os artistas adeptos dessa perspectiva internalizavam um
comportamento de resistência a determinados valores da sociedade. Mostravam oposição à
institucionalização da arte pela crítica ao papel do artista e pela criação e provocação artística.
Para os artistas curitibanos, importava destacar a denúncia das formas de violência e
a crítica à realidade, particularmente no momento em que o país vivia um regime ditatorial
autoritário responsável pela supressão da liberdade de expressão. Os questionamentos
faziam-se pela relação com outras linguagens artísticas, pela experimentação de diferentes
representações estéticas e pela crítica comportamental. O uso da estética do “mau gosto”,
como forma de provocação do espectador, era um recurso usado no teatro do período e fez
parte do conjunto de elementos que dialogava com as concepções teatrais articuladas a partir
do Tropicalismo.
8A mesma procura de significados para o teatro no Paraná aparece nos textos de
Marta Moraes da Costa, Celine Alvetti e Eddy Franciosi publicados na coletânea, em 1986,
sob o título “Teatro no Paraná”, pelo Instituto Nacional de Arte Cênica (INACEN), vinculado
ao Ministério da Cultura.
O primeiro, Breve itinerário da dramaturgia paranaense, da professora Marta Morais
da Costa. Circunscrevendo o campo de análise sobre a formação da dramaturgia e teatro
paranaense, a autora propõe uma viagem pela história, com análises de locais, grupos, autores
e peças. Em razão disso, organizou o trabalho em três momentos que remetem ao sentido de
trajetória, a saber: Coordenadas do percurso, A viagem e o Ponto de chegada. No item
primeiro, o foco é a questão do texto dramático. Para ela é o acesso aos textos dramáticos que
permite o estabelecimento de autores, assuntos, técnicas e a relação com o momento histórico
da peça, e os valores que ela comporta. A dificuldade de acesso aos textos contribuiu para
ausência de estudos sobre a dramaturgia paranaense.
Essa perspectiva acentuou o interesse dos pesquisadores pela imprensa. Somada à
necessidade de se constituir uma memória comum ao teatro, ou aquilo que estaria na base de
uma idéia de “identidade paranaense”, conduziu os pesquisadores às páginas dos periódicos
com intuito de constituir algo capaz de sustentar uma concepção de teatro. A respeito do fato,
não se pode perder de vista que parte destes veículos de comunicação, no caso do Paraná,
pertencia a uma elite, muito do que se pesquisou sobre as práticas teatrais, particularmente no
início do século XX, ficaram circunscritas e um determinado grupo social.
Em sua retrospectiva sobre a memória do teatro no Paraná de 1808 até a década de
1980, a autora identificou temáticas voltadas às virtudes cristãs e a gêneros como as operetas,
mas imbuídos do universo do romantismo. Porém, um dos marcos da produção teatral ficou
circunscrito à década de 1930 onde se destacaram os autores Alcides Munhoz, José Buzeti,
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