• Nenhum resultado encontrado

7. Alguns aspectos do modo de vida do operário metalúrgico em Pirapora

7.1 O tempo de trabalho e a produção dos metalúrgicos

Os trabalhadores metalúrgicos de Pirapora produzem principalmente ligas de ferro e silício metálico, matéria prima utilizada em mais de 3000 produtos, de pasta de dente a naves espaciais e até nos sofisticados “micro chips” de computadores de última geração. De modo semelhante, as três empresas produzem variedades de ferro silício, silício metálico e inoculantes e, nesse sentido, a organização da produção e seu funcionamento ocorrem de modo semelhante também39.

Nenhum dos entrevistados afirmou taxativamente que não gostava do trabalho que fazia. Nem por isso, no entanto, os descontentamentos com o trabalho foram menores. A contradição existente entre o gostar do trabalho que faz e a insatisfação com a forma como

39“O Silício Metálico é empregado basicamente na fabricação de ligas de alumínio para fundição, utilizadas nas indústrias automobilísticas, aeronáuticas, etc. Na indústria química o Silício Metálico é utilizado na fabricação de inúmeras resinas, silicones e lubrificantes. É ainda utilizado na produção de silício de altíssima pureza para componentes eletrônicos usados em campos de tecnologia avançada como a computação, a comunicação espacial, os sistemas de defesa, geradores foto-voltáicos,etc.” Disponível em <www.minasligas.com.br> Acessado em 23/03/2009.

Ilustração 12. Fábrica metalúrgica Ligas de Alumínio S/A – LIASA, Pirapora/MG. Foto: José Andrade

Ilustração 13. Fábrica metalúrgica Cia. Ferro Ligas de Minas Gerais – MINASLIGAS, Pirapora/MG. Foto: José Andrade

exerce o trabalho esteve presente nos relatos de todos os entrevistados, sem exceção.

As críticas ao trabalho surgiram sempre em contextos específicos, como: “não quero mais trabalhar em metalúrgica porque não posso mais fazer o que eu fazia por causa da perda de uma falange do dedo num acidente de trabalho”; “me desenvolvi bem com as máquinas, mas depois que me transferiram de setor, pra empurrar carrinho, não gostei mais não” e “o futuro de quem trabalha a vida toda com a marreta na britagem é uma hérnia de disco e ganhar pouco”. Outro modo de manifestar essa indignação foi também em não desejar que seus(uas) filhos(as) trabalhassem em empresas metalúrgicas, opinião de três entrevistados, sendo que dois deles afirmaram não ter problemas com essa escolha e o outro relutou, mas respondeu evasivamente, deixando a escolha para a decisão futura dos próprios filhos.

A produção descrita pelos trabalhadores entrevistados nos permite dizer que o processo produtivo é organizado, esquematicamente, inicialmente pelo setor de matéria prima, que recebe e fragmenta o quartzo, material advindo de jazida natural, seleciona com base na análise do controle de qualidade estipulado pela direção da empresa e armazena nos silos. De acordo com a demanda dos clientes, esse material é levado aos fornos elétricos pela pá carregadeira para ser fundido e “vira larva de vulcão”, como relatou um dos entrevistados. Descreveu ainda que a fusão do quartzo com outros materiais, como amatita, carvão vegetal e kaleba é despejado nas ligoteiras, “formas” com capacidade para armazenar 20.000 mil litros de metal fundido, solidificando-se para depois ser quebrado novamente, de acordo com as medidas especificadas pelos clientes, transportados e vendidos em “bags”, malas contendo 1000 quilos do material solicitado.

Segundo informações dos entrevistados, a produção diária aproximada da LIASA girava em torno de 190 toneladas em aproximadamente 24 rodadas por dia, ininterruptamente. Na INONIBRÁS são nove corridas diárias (três corridas por turno), com uma produção diária de 14 a 15 toneladas por dia de semana e 18 a 19 toneladas dia por fim de semana. No caso da MINASLIGAS, a produção é de aproximadamente 70 toneladas por dia.

O “bag” com 1000 quilos custa em torno de R$ 3.500,00 e a lucratividade das empresas nunca foi divulgada aos trabalhadores. No entanto, segundo o Instituto de Desenvolvimento Integrado de Minas Gerais (INDI, 2008), a LIASA S/A faturou R$ 191,2 milhões de reais em 2005. Segundo relatos, os operários conhecem os consumidores dos produtos dos quais se encarregam de produzir. Toda a produção da INONIBRÁS é voltada para a exportação, principalmente ao Japão, para uma empresa de propriedade do mesmo grupo dirigente da INONIBRÁS no Brasil, que compra toda a sua produção para abastecer a própria matriz japonesa. No caso da MINASLIGAS fornece principalmente para a ACESITA e a LIASA

(maior produtora de silício metálico da América Latina) tem também a sua produção voltada para o mercado externo, principalmente Japão e União Européia.

Todos os entrevistados, mesmo os mais resistentes a idéia, afirmaram a capacidade dos trabalhadores em controlarem a produção sem os patrões. Obviamente que, com diferenças profundas entre as compreensões a respeito dessa hipótese abstrata que levantamos nos roteiros das questões, os entrevistados afirmaram que esse controle já acontece na prática, ou seja, os operários entrevistados afirmaram acreditar que o conhecimento empírico sobre seu trabalho é capaz de controlar a produção sem a direção imediata do corpo técnico e, inclusive, do proprietário da fábrica, reconhecendo que haveriam dificuldades somente no processo de comercialização aos clientes e consumidores do produto produzido.

A jornada de trabalho do operário metalúrgico de Pirapora durante muito tempo foi de 6 horas em turnos variáveis, sistema de rodízios de horários que funcionava alternando uma semana no período diurno e a outra no período noturno. A partir de 1998 a jornada passou a ser de oito horas e o turno foi fixado, obrigando o trabalhador metalúrgico desde então a cumprir a sua jornada em um período único. Um dos operários entrevistados afirmou que trabalhou durante dois anos no mesmo turno que iniciava às 24 horas e finalizava às 08 horas da manhã.

O turno dos operários da produção é diferente dos que trabalham no setor administrativo. O primeiro trabalha seis dias diretos e folga dois, sem serem necessariamente fins de semana e o segundo é de segunda a sexta feira, das 08 às 18 horas, com folgas regulares sempre aos sábados e domingos. O aumento do turno veio acompanhado de outras

Ilustração 15. Entrada dos trabalhadores do setor de produção de uma das fábricas metalúrgicas de Pirapora/MG. Foto: José

modificações na organização do trabalho na fábrica que impactaram profundamente o tempo de folga e consequentemente também o de lazer dos metalúrgicos. O fim da folga de 80 horas que permitia ao trabalhador planejar uma possível viagem curta, a implementação das horas extras não mais como um mecanismo extraordinário, mas ordinariamente utilizado e o banco de horas opcional, esse último existente na LIASA S/A e MINASLIGAS por enquanto, foram modificações destacadas e muito sentidas pelos metalúrgicos entrevistados.

O banco de horas para um dos entrevistados foi bom por permitir tempo disponível em dias da semana para que o mesmo resolva pendências particulares, como afazeres bancários, por exemplo, apesar de reconhecer que não acha certo que essas horas pagas com folgas não incidam na contagem de tempo para a aposentadoria e nem sejam remuneradas, como nas horas extras.

Importante ressaltar como se expressa as relações entre capital e trabalho na concretude da realidade dos operários metalúrgicos no interior das empresas de Pirapora. Há um grande número de relatos de operários que sofrem com assédio moral e a direção da empresa mantém um verdadeiro estado de sítio dentro das suas dependências. É permanente a perseguição aos trabalhadores filiados ao sindicato e as ameaças de demissões àqueles que se interessam em aproximar-se da sua entidade sindical. Muitas vezes a direção das empresas não permite que os trabalhadores parem nas portarias para ouvirem os dirigentes sindicais, outras vezes os ônibus não abrem as portas impedindo a descida dos operários para pegar o boletim e outras ainda chamam a polícia para intimidar a ação sindical. Dentro e fora da empresa, a perseguição, o desemprego e o assédio moral desmobilizam a classe permanentemente e revoluciona constantemente a forma de organizar a produção em função de extrair a máxima mais valia, para obter sempre a maior lucratividade.