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O TEMPO NO DOUTORAMENTO E A PRODUÇÃO CIENTÍFICA

Este estudo insere-se no centro das discussões que identi- ficam as transformações efetivadas na educação superior, influen- ciadas pelo Processo de Bolonha, no contexto das universidades europeias, que têm exercido impactos na organização acadêmica de diversos países.

A partir disto, observa-se uma série de tendências di- recionadas às mudanças quanto a natureza da pós-graduação, verificadas na diversidade de interesses pelo ingresso no douto- ramento, bem como à sua manutenção, que passa a contar com outros interessados nas produções, além da universidade e dos estudantes, conferindo sentido ao slogan da “economia do co- nhecimento”, que torna a produção do conhecimento objeto de interesse de diversos organismos públicos e privados (Aversa & Bianchetti, 2014).

Em uma dimensão ampliada, observam-se esforços glo- bais empreendidos na disponibilização de modelos que empresa- riam a educação universitária, difundindo a implantação de dou- torados profissionalizantes, que atraem estudantes para formações de curto período e que visam obter melhores resultados negociáveis no mercado de trabalho.

Essa perspectiva é apresentada sob a lógica da educação commodity, que tem testemunhado a redução dos estudantes full- -time, que se dedicam exclusivamente ao seu doutoramento, para atrair progressivamente aos programas de pós-graduação os estu- dantes part-time, que, além de cursarem o doutoramento, dedi- cam-se a outras atividades ou produções, geralmente estando inte- grados ao mercado de trabalho (Aversa & Bianchetti, 2014).

Nesse sentido, constata-se que o Processo de Bolonha de- sencadeou uma série de transformações na estruturação do tempo no ensino superior, ilustradas pelas mudanças nas práticas dos aca- dêmicos, que possuem necessidade de cumprir seus objetivos com a redução do tempo de duração nos cursos de mestrado e doutorado.

Essa realidade, que alia-se às transformações ocorridas na Europa, influenciou, no Brasil, no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, por meio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a sedimentação da avaliação e o financiamento de diversos Programas de Pós-Graduação (PG), reduzindo, assim, a duração dos cursos de mestrado e doutorado para dois e quatro anos, respectivamente.

Bianchetti e Turnes (2016) discutem o chamado “choque de temporalidades”, inspirado na percepção do tempo e nas divin- dades observadas na mitologia grega, no qual relacionam o tem- po do doutoramento às implicações observadas pelas exigências da CAPES. Dessa forma, apontam a passagem do tempo e a sua intensidade sob uma construção mítica para explicar a realidade.

Afirmam, portanto, que a necessidade de conciliar as di- versas exigências relacionadas à vida pessoal e profissional, per- cebidas na rotina dos estudantes part-time, trazem prejuízos ao âmbito acadêmico, observadas na “conciliação entre temporali- dades”, que podem implicar diretamente nas condições de saúde (física e/ou emocional) dos estudantes, pela condição do cumpri- mento às exigências de seus programas de pós-graduação, aliados também ao padrão CAPES de produtividade.

No contexto das transformações observadas nas institui- ções, os modos de trabalho dos orientadores também sofreram modificações (Oliveira & Araújo, 2014). A intensificação causada pela modificação no tempo de formação dos orientandos oca- sionou rotinas que exigem estratégias de melhor uso do tempo e maiores esforços quanto ao gerenciamento do trabalho em tem- pos menores e mais intensos, considerando as exigências de pro- dução e cumprimento dos prazos estipulados pelas instituições.

Turnes e Bianchetti (2016) apontam que a redução do tempo em razão da produtividade considera, prioritariamente, os aspectos de ordem econômica em detrimento dos processos formativos, o que, por sua vez, prejudica a formação dos indiví- duos no que diz respeito à qualidade da escrita, capacidade de publicação e autonomia dos processos.

Essa conjuntura traz ao âmbito acadêmico uma série de desafios a serem enfrentados a nível de orientação. Reconhe- cendo que o crescimento dos doutoramentos profissionais e dos estudantes estrangeiros induzem à predominância de estudantes part-time, os orientadores passam a possuir atribuições para além da condição técnica de mediação do conhecimento e tornam-se elo fundamental na adaptação e estruturação do estudante no processo de doutoramento.

Na perspectiva de resolução dos problemas desencadea- dos nos processos de orientação, este estudo pretende colaborar com o desenvolvimento de estratégias que articulem o desenvolvi- mento do doutoramento a partir de uma abordagem que considere

a realidade das suas trajetórias de orientação com base nos aspectos do tempo vivido, das experiências de orientação e dos sentidos e sig- nificados do doutoramento.

Para tanto, compreender as relações de orientação é tarefa essencial desta investigação, uma vez que as tendências que envolvem a formação dos doutorandos promovem distintas exigências a esse processo, o que respalda diretamente os fatores que envolvem essas deficiências, e que considera aspectos de ordem profissional e pessoal, tendo em vista que orientandos e orientadores estão sujeitos à diversi- dade das áreas do conhecimento, estilos variados, entendimento polí- tico-cultural próprios e questões pedagógicas já estabelecidas (Aversa & Bianchetti, 2014).

USO DO TEMPO NO DOUTORAMENTO

As exigências que norteiam o doutoramento, na maioria das vezes, acabam se tornando uma fonte estressora para os acadê- micos, como a possibilidade de não atingir o desempenho esperado pela banca avaliadora no momento da defesa. O tempo do curso de doutoramento apresenta-se cercado de exigências, o que faz com que o doutorando se sinta pressionado a cumprir as exigências no tempo determinado e que pode ocasionar consequências negativas na vida pessoal, profissional e acadêmica do indivíduo, como o não cumpri- mento ou o cumprimento inadequado de uma tarefa.

Nessa percepção, mesmo tentando conciliar trabalho e es- tudo, enfrentando o cansaço do dia a dia e a falta de tempo, pode- mos perceber que os estudantes de doutoramento que necessitam de trabalhar para aumentar sua renda não conseguem manter-se dedi- cados à sua tese e acabam não rendendo quanto o esperado nesse percurso acadêmico. No qual a vida acadêmica é sobreposta à vida

a procrastinação é o adiamento sucessivo das tarefas e está relacionada com um padrão de baixo controle associado a uma má gestão do tempo, incompetência volitiva e irres- ponsabilidade; mas também a um padrão de evitamento associado ao medo de falhar e a ansiedade (Gonzáles-Pienda & Rosário, 2016, p. 143).

Assim, é oportuno compreender que o processo de dou- toramento necessita de mecanismos para sua realização. Dessa maneira, torna-se relevante compreender como se desenvolvem os processos seletivos de doutoramento, quais as principais ques- tões a serem consideradas e, especificamente, verificar como a maturidade acadêmica é solicitada pelos programas de pós-gra- duação e quais são as principais expectativas sobre os candidatos, a nível curricular e de desempenho.

Severino (2009, p. 18-19) faz apontamentos sobre a na- tureza da produção do conhecimento no âmbito da pós-gradua- ção, mencionando aspectos que demandam uma condição de maturidade por parte dos estudantes:

Há todo um conjunto de posturas e de pro- cedimentos que são inerentes à atividade científica e que são solicitadas aos alunos. Tais tarefas exigem do aprendiz atitudes e procedimentos marcados pelo rigor, pela seriedade, pela metodicidade e pela siste- maticidade. Inclusive pressupõem da parte do pós-graduando maturidade intelectual e maior autonomia em relação às interferên- cias dos processos tradicionais de ensino.

A partir dessas reflexões, observa-se que, para o êxito no processo de doutoramento, faz-se necessário compreender e perceber a utilização do tempo e criar estratégias de desenvolvi- mento para produção científica, atreladas às exigências de uma

nova realidade inserida na sociedade global do conhecimento, além da criação de grupos de apoio no doutorado, constituindo, assim, um suporte para os estudantes em vários níveis, uma vez que sua atuação se daria de forma colaborativa nas etapas específicas de suas debilidades.

PERCURSOS METODOLÓGICOS: