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A preocupação em combater o “inimigo interno” surgiu ainda na Era Vargas, mas somente durante a ditadura civil-militar foi colocada como prioridade para ser enfrentada pelo Estado brasileiro (naquele momento dirigido pelos golpistas).

Dentro dessa lógica, seria natural que todos os que porventura simpatizassem com as ideologias de esquerda fossem considerados inimigos. Com base nisso, os estrategistas militares que criaram a Doutrina de Segurança Nacional procuraram aperfeiçoar as técnicas adotadas em guerras anteriores e o exemplo mais marcante é a da guerra de libertação da Argélia. Buscaram as mesmas táticas, como estratégia para uma “contrarrevolução”, como o que aconteceu no caso brasileiro e mais tarde nos outros países do Cone Sul.

Para Padrós (2012, p. 504):

Uma vez identificado o inimigo, este devia ser confrontado em todos os terrenos. O espírito cruzadista reforçou essa ação que, além de ser constante, profunda e abrangente, tinha que desempenhar uma dupla

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Cabe lembrar que no momento da deposição, João Goulart gozava de mais de setenta por cento de aprovação de seu governo pela sociedade brasileira. (BANDEIRA, 1983).

função: alinhar o país junto ao esforço mundial do Ocidente na luta universal contra o comunismo e destruir a subversão interna, para restaurar “a paz, a ordem e a tranquilidade”. Assim, a lógica da bipolaridade e da Guerra Fria emoldurou toda interpretação feita pelos arautos da DSN30.

Por conta disso, as Leis de Segurança Nacional31 já tratavam de definir as condutas típicas como crimes contra a segurança do Estado. Considerando a conjuntura em nível mundial nos anos 1950, quando havia a polarização entre as duas grandes potencias no contexto da Guerra Fria (EUA x URSS), a ideia defendida pelos norte-americanos de que havia um perigo constante de comunização dos países periféricos, possivelmente colaborou para que, no caso brasileiro, a LSN de 1953 tenha vigorado até o ano de 1967.

De acordo com Padrós (2007, p. 46):

A DSN foi encampada como fundamento teórico e justificador da proteção da sociedade nacional por meio do aperfeiçoamento de um Estado que precisava esconder suas características e essência ditatoriais. Para sua legitimação, a DSN destacou a existência de um “estado de guerra permanente” contra um hipotético “inimigo interno”, que compreenderia todo sujeito ou organização política ou social de oposição aos interesses da ordem vigente.

Nesse viés, é bastante significativa a mudança no conceito Segurança Nacional na Constituição de 1967, já que pela Constituição de 1946, a Segurança Nacional dizia respeito à defesa contra as agressões externas e a preservação das fronteiras territoriais. O texto constitucional de 1967 revisa esse conceito, passando a considerar como inimigo do regime: o “inimigo interno” (KANTORSKI, 2011, p. 31). Dessa forma, dentro da lógica da DSN, qualquer ato que viesse de encontro aos interesses do governo ditatorial era encarado como uma forma atentatória ao governo, portanto os agitadores mereciam ser tratados como “subversivos32”.

Muito embora a preocupação com as posições incômodas que defendiam os simpatizantes do comunismo fosse anterior ao golpe de 1964, com a entrada dos golpistas no poder a tese do “inimigo interno” foi readequada dentro dos moldes da

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PADRÓS, Henrique Serra. A ditadura civil-militar uruguaia doutrina e segurança nacional. Varia História, Belo Horizonte, vol. 28, n. 48, p. 495-517: jul/dez. 2012. Disponível em: <http://www. corteidh.or.cr/tablas/r30658.pdf.> Acesso em: 10 Jul. 2014.

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A Lei nº 38, de 04 de abril de 1935, denominada Lei de Segurança Nacional e a Lei no 1.802, de 05 de janeiro de 1953.

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RESENDE, Maria Efigênia Lage de NEVES, Lucilia de Almeida (Org.). Universidade Federal de

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DSN. Tal readequação serviu como base para que outros regimes ditatoriais impostos na América Latina aproveitassem a experiência do governo brasileiro no combate aos inimigos do “regime” (KANTORSKI, 2011, p. 26).

Para o Estado brasileiro, a DSN serviu de base teórica para que fosse desenvolvida uma série de medidas visando à manutenção dos interesses dos grupos de poder que apoiavam, foram protagonistas ou tiveram benefícios com o golpe civil-militar. A DSN continha as diretrizes para os órgãos de repressão que serviram de modelo para o caráter repressivo imposto pelos agentes de Estado contra aqueles que resistiam desde os primeiros momentos do golpe, assim como durante a manutenção do período de exceção. Nesse sentido, seriam reprimidos todos aqueles que fossem considerados suspeitos de atos contrários à repressão, e até mesmo aqueles cuja contrariedade ficava apenas no plano das ideias (CUNHA; GOES, 1985, p. 36).

Dentro das medidas aperfeiçoadas pela repressão, estava o trabalho de inteligência capaz de identificar e localizar o “inimigo”, e isso deveria ser feito anterior ou paralelamente ao combate que se travava, de forma a transformar em alvo todos os simpatizantes e grupos favoráveis à causa revolucionária. De fato, isso ocorreu durante praticamente todo período ditatorial, de forma mais contundente a partir do AI-5 e do Dec. 477, o primeiro impondo a toda população uma maior vigilância e o segundo, colocando a comunidade acadêmica sob a monitoramento dos órgãos de informações (MOTTA, 2014, p. 25).

As formas de esse controle acontecer eram as mais variadas possíveis e passavam pela presença permanente (de militares, espiões, policiais a paisana, simpatizantes) em toda parte33; nos locais de trabalho, nos meios de transporte, nos estabelecimentos de ensino (particularmente as universidades) até nas relações cotidianas. Nessa “guerra”, a arma decisiva era a informação sobre o “inimigo interno”. E não importavam por quais meios essa informação era obtida, o que implicava em certo sentido, uma espécie de aval para que fossem cometidas atrocidades, tudo em nome do objetivo maior: proteger os preceitos da “revolução”.

Segundo Rômulo Pessoa (2014):

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PESSOA, Romualdo. Os militares, a ideologia de segurança nacional e a ação guerrilheira no

Araguaia. Disponível em: <http://grabois.org.br/portal/revista.int.php?id_sessao=9&id_publicacao

Tratava-se, ainda, de identificar como “inimigo interno” aqueles que se opunham ao regime vigente e procuravam “subverter” a ordem estabelecida, fundada nos valores “cristão-ocidentais”. Seguindo-se esses preceitos, tornava-se essencial separar os “subversivos” do meio do povo, e combatê-los implacavelmente, como representantes do “comunismo internacional”. Incluíam-se dentre esses, padres e missionários, que seguiam a linha da Teologia da Libertação e buscavam orientar-se, segundo essa doutrina, por uma “opção preferencial pelos pobres”, lema que eles adotavam, dando apoio aos camponeses e posseiros na luta pela terra.

Sobre todos eles os rótulos de subversivos e terroristas eram usados com frequência, essa era a estratégia utilizada para afastá-los do povo ou para que estes perdessem a credibilidade perante a população. Dessa maneira, tanto nas ações específicas que visavam a combater as iniciativas consideradas subversivas, bem como nas ações mais amplas de combate aqueles que exerciam o direito de resistência, seja com manifestações e tentativas de combate ao governo golpista, seja pelas armas, toda a estratégia utilizada pelos governos militares obedeceu à Ideologia de Segurança Nacional34 (PESSOA, 2014). Em boa parte dos casos, as ações dos agentes da repressão transformaram-se em perseguições, prisões, torturas35 e assassinatos de lideranças camponesas, religiosos partidários da teologia da libertação e comunistas, perseguição de estudantes e professores universitários e de todos os que se colocavam contra (ou que os agentes assim imaginavam) a “revolução democrática”.