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O toyotismo e as novas formas de acumulação do capital

2 O PROCESSO PRODUTIVO E AS NECESSIDADES DA SOCIEDADE

2.3 Métodos de organização da produção

2.3.3 O toyotismo e as novas formas de acumulação do capital

A alarmante contradição entre autonomia e heteronomia inerente à sistemática implementada por Henry Ford, somada à exploração da força de trabalho resultante da imposição de técnicas de disciplinamento anunciavam a iminente saturação do modelo fordista de produção. De maneira sintética, Harvey atribui as dificuldades do fordismo à rigidez impressa ao sistema, in verbis:

Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital fixo de larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa que impediam muita flexibilidade de planejamento e presumiam crescimento estável em mercados de consumo invariantes. Havia problemas de rigidez nos mercados, na alocação e nos contratos de trabalho (especialmente no chamado setor “monopolista”).69

A produção taylorista-fordista foi terminantemente suplantada pelos meios de produção rápidos e originais que não conhecem limites, porque, quando estes existem, são rapidamente superados por técnicas novas e sistemas originais que

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ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2009, p. 43.

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HARVEY, David. Condição pós-moderna. Tradução de Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Loyola, 2001, p. 140.

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HARVEY, David. Condição pós-moderna. Tradução de Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Loyola, 2001, p. 135.

tanto podem concentrar-se como dividir-se entre cidades e países, segundo as

necessidades do mercado.70

Aproveitando-se desse contexto de transição, certa empresa automobilística japonesa experimentou uma nova abordagem da produção, cujas práticas operacionais eram tão diferentes daquelas empreendidas na produção em massa quanto esta se distinguia dos primeiros métodos artesanais de produção. A empresa era a Toyota, e seu novo processo gerencial atendia pelo nome de produção enxuta, cujo princípio básico centrava-se na combinação de novas técnicas gerenciais com máquinas cada vez mais sofisticadas para produzir mais com menos recursos e

menos mão de obra.71

Enquanto a produção artesanal era movida por trabalhadores qualificados que utilizavam instrumentos manuais para fabricar, um por um, produtos de acordo com as especificações do comprador, a produção em massa, predominante no fordismo, aceitava profissionais não qualificados ou semiqualificados para fabricar produtos padronizados em grandes quantidades, mediante equipamentos caros e de finalidades específicas.

Em contraponto à dicotomia dos dois modelos, a produção enxuta característica do toyotismo, “além de combinar a vantagem da produção artesanal e de massa, evita o alto custo da primeira e a inflexibilidade da última”.72 O termo “enxuta” representa o pouco que se usa de tudo no processo produtivo – menos esforço humano, espaço físico reduzido, pouco investimento em ferramentas, metade do tempo de engenharia para desenvolver um novo produto – quando

comparado ao modelo de produção em massa taylorista/fordista.73 O tipo clássico da

administração científica consubstanciado na separação entre trabalho mental e físico e na concentração de todo o poder de decisão nas mãos da gerência foi substituído

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ÁLVARES DA SILVA, Antônio. Globalização, terceirização e a nova visão do tema pelo Supremo

Tribunal Federal. São Paulo: LTr, 2011, p. 18. 71

RIFKIN, Jeremy. Fim dos empregos: declínio inevitável dos níveis dos empregos e a redução da força global de trabalho. Tradução de Ruth Gabriela Bahr. São Paulo: Makron Books do Brasil, 1995, p. 102.

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WOMACK, James; JONES, Daniel; ROOS, Daniel. The machine that changed the world. Nova Iorque: Macmillian Publishing, 1990, p. 21-22 apud RIFKIN, Jeremy. Fim dos empregos: declínio inevitável dos níveis dos empregos e a redução da força global de trabalho. Tradução de Ruth Gabriela Bahr. São Paulo: Makron Books do Brasil, 1995, p. 103.

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RIFKIN, Jeremy. Fim dos empregos: declínio inevitável dos níveis dos empregos e a redução da força global de trabalho. Tradução de Ruth Gabriela Bahr. São Paulo: Makron Books do Brasil, 1995, p. 103.

pela sistemática de equipe, projetada para aproveitar a capacidade intelectual de todos os envolvidos no processo de fabricação do produto.

O trabalho em equipe propiciou maior efetividade ao processo de fabricação dos produtos, porque quanto mais estímulo conferia-se ao desenvolvimento dos profissionais envolvidos e ao acesso e compartilhamento das informações geradas nas empresas, maior a compreensão dos funcionários acerca da representatividade do seu trabalho no processo produtivo global.

Ao tempo fechado, linearizado e funcionalizado da disciplina dos métodos opunha-se o tempo múltiplo, aberto e livre da organização operária e de sua própria

atividade produtiva.74 De um lado, o tempo monótono da aceleração programada,

que destrói a subjetividade e integra um fazer alienado, um trabalho cada vez mais abstrato; de outro, o tempo acelerado da diversidade da cooperação social, que produz a subjetividade e um trabalho abstrato cada vez mais recomposto no concreto da ação.

Instaurou-se, portanto, uma nova forma de organização industrial e de relacionamento entre capital e trabalho, mais evoluído quando comparado ao taylorismo/fordismo, haja vista ter possibilitado o advento de um trabalhador mais qualificado, participativo, multifuncional, polivalente, passível de maior realização no espaço do trabalho.75

O advento das novas tecnologias informáticas permitiu que as pequenas unidades produtivas pudessem associar certo nível de especialização à capacidade de se adaptar às evoluções qualitativas e quantitativas de uma demanda cada vez mais imprevisível.76 A fábrica tradicional, típica, resultado das primeiras revoluções industriais e que alcançou seu mais alto grau de organização baseada nas concepções taylorista e fordista cede espaço às organizações flexíveis, baseadas em noções toyotistas, sem rigidez, à base de relações contratuais flexibilizadas entre capitalistas e trabalhadores.77 Por fim, o toyotismo caracteriza-se como um regime

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THOMPSON, Edward Palmer. Witness against the beast. Cambridge, 1994 apud COCCO, Giuseppe. Trabalho e cidadania: produção e direitos na era da globalização. São Paulo: Cortez, 2000, p. 97.

75

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2009, p. 50.

76

COCCO, Giuseppe. Trabalho e cidadania: produção e direitos na era da globalização. São Paulo: Cortez, 2000, p. 98.

77

ROMITA, Arion Sayão. Globalização da economia e Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 29.

de acumulação flexível porque é tradicionalmente marcado por um confronto direto com a rigidez do fordismo.