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5 PARASSUBORDINAÇÃO

5.3 O relatório Supiot

Por solicitação da Comissão de Bruxelas, em cooperação com a Universidade Carlos III, de Madri, diversos temas relacionados com o trabalho e o emprego no âmbito da União Europeia foram detidamente pesquisados por um grupo de

estudiosos coordenado pelo jurista francês Alain Supiot301, responsável pela

conclusão de um relatório final em junho de 1998, contendo a análise das transformações ocorridas no trabalho e seus impactos em relação ao Direito do Trabalho. A referida iniciativa veio à tona com a assinatura do Tratado de Amsterdã em 02 de outubro de 1997, tendo entrado em vigor em 1º de maio de 1999, com a

finalidade precípua de instituir uma política social comunitária.302

O primeiro ponto abordado pelos experts foi a queda do modelo fordista de produção, já explicitado no presente estudo como aquele correspondente à grande empresa industrial, que realizou produção em massa, baseada em uma especialização estreita das tarefas e das competências em uma organização piramidal do trabalho. Concluiu-se que a aceleração do progresso técnico na área da comunicação e a elevação do nível de competência e de qualificação influenciaram o surgimento de numerosos modelos de organização do trabalho e “contribuíram para a erosão das aquisições padronizadas baseadas na troca entre subordinação e segurança”. Ponderou-se que não houve a abolição completa das formas suscitadas pelo modelo fordista, porquanto inexiste um padrão único de relações de trabalho

nos variados mundos de produção existentes: “A situação econômica e social atual

não pode, pois, ser reduzida ao aparecimento de um modelo único de relação de

trabalho, mas é caracterizada por uma pluralidade de mundos de produção”.303

301

A comissão era formada pelos seguintes membros: Anders Johansson, Enzo Mingione, Jean de Munck, Maria Emilia Casas, Pamela Meadows, Paul van der Heijden, Peter Hanau, Robert Salais, além de Alain Supiot, coordenador. In: SUPIOT, Alain (Org.). Trabajo y empleo: transformaciones del trabajo y futuro del Derecho del Trabajo. Informe para la Comisión Europea. Valencia: Tirant Lo Blanch, 1999, p. 2.

302

BELTRAN, Ari Possidonio. Dilemas do trabalho e do emprego na atualidade. São Paulo: LTr, 2001, p. 221.

303

SUPIOT, Alain (Org.). Trabajo y empleo: transformaciones del trabajo y futuro del Derecho del Trabajo. Informe para la Comisión Europea. Valencia: Tirant Lo Blanch, 1999, p. 37, tradução nossa.

Do ponto de vista legal, o sobredito relatório apontou transformações identificadas nos três níveis seguintes: o desenvolvimento do trabalho autônomo em face do trabalho subordinado; a evolução do critério da subordinação que caracteriza o contrato de trabalho; a terceirização ou subcontratação do trabalho

para empresas economicamente dependentes de um contratante.304

No que se refere ao trabalho subordinado, o relatório aponta duas tendências contrárias predominantes na União Europeia: enquanto a primeira busca reduzir o campo de aplicação do Direito do Trabalho, adotando exclusivamente o critério clássico da subordinação jurídica, a segunda, por outro lado, visa ampliar o campo de aplicação dessa disciplina, valendo-se de outros critérios que não a subordinação jurídica. A comissão de especialistas também constatou a coexistência de vários contratos, qualificados em assalariados tradicionais, autônomos e de livre

colaboração305, sendo este último grupo o que mais interessa ao presente estudo,

por se tratar do contrato que contempla os trabalhadores parassubordinados.

Pelos critérios caracterizadores da parassubordinação mencionados alhures, a doutrina italiana indubitavelmente se enquadra na primeira tendência, uma vez que está consubstanciada na adoção exclusiva do critério restrito de subordinação jurídica para a identificação da fattispecie, limitando o campo de aplicação do Direito do Trabalho consequentemente.

Segundo o relatório, o surgimento de novas formas precárias de emprego, a exemplo dos contratos temporários e de empregos oferecidos para jovens, aumentaram diretamente o peso da subordinação.

O relatório Supiot propõe a inovação de um Direito Comum do Trabalho capaz de reger todos os tipos de atividade profissional, partindo da premissa de que a vocação futura do Direito do Trabalho é a de se tornar o Direito Comum de todas

as relações de trabalho, subordinadas ou não306, assim como ocorreu com o direito

à organização sindical e à negociação coletiva, além da Seguridade Social, inicialmente vinculados ao Direito do Trabalho e posteriormente estendidos aos

304

SUPIOT, Alain (Org.). Trabajo y empleo: transformaciones del trabajo y futuro del Derecho del Trabajo. Informe para la Comisión Europea. Valencia: Tirant Lo Blanch, 1999, p. 37.

305

SILVA, Otávio Pinto e. Subordinação, autonomia e parassubordinação nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 29.

306

PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009, p. 214.

trabalhadores autônomos.307 Os eixos de reestruturações seriam: os direitos sociais assegurados a todos, independentemente do exercício de uma atividade profissional; o desempenho de uma atividade não remunerada, socialmente útil, a exemplo do trabalho voluntário, protegido pelo Direito do Trabalho; a institucionalização do direito comum da atividade profissional remunerada; a reserva dos direitos aplicáveis apenas às relações de emprego – direito próprio do trabalho

subordinado remunerado.308

A ideia de um Direito comum de todas as relações de trabalho, inclusive as não subordinadas, sugere a ampliação do objeto do Direito do Trabalho e implica, no primeiro momento, a identificação dos direitos e princípios gerais aplicáveis a todas as formas de trabalho, para, no segundo momento, separar os direitos especiais segundo as especificidades presentes nessas relações. Como lembrado por Porto, não há relação com a essência do trabalho parassubordinado:

[...] a ampliação do objeto do Direito do Trabalho teria consequências sobre o seu conteúdo, que seria consideravelmente modificado. A ideia de um Direito comum do Trabalho exclui a extensão pura e simples do campo de incidência das normas trabalhistas atualmente aplicáveis aos empregados. Ao mesmo tempo, ela não se confunde com a parassubordinação, pois não consiste na criação de um Direito Laboral intermediário entre a subordinação e a autonomia. Ela implica a identificação e distinção, por um lado, dos direitos fundamentais e dos princípios gerais aplicáveis a todas as relações de trabalho e, por outro, dos direitos especiais, aplicáveis às diversas espécies dessas relações.309

A proposta idealizada por Alain Supiot para a Comissão Europeia é bastante arriscada. A sociedade não suportaria a subordinação absoluta, logo essa realidade seria entregue ao Direito Civil. De fato, atualmente, as relações de poder econômico se estendem para além dos limites da relação de emprego, mas isso não significa dizer que o Direito do Trabalho deva assumir o papel de um Direito universal. Além disso, a forma de emprego concebida por Supiot e utilizada como parâmetro de objeto do Direito do Trabalho é exatamente a que está sendo afetada na atualidade, porque, à medida que o indivíduo se qualifica na era tecnológica,

307

SUPIOT, Alain (Coord.). Il futuro del lavoro: transformazioni della occupazione e prospettive della regolazione del lavoro in Europa. Roma: Carocci, 2003, p. 37 apud PORTO, Lorena Vasconcelos. A

subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009, p. 214. 308

PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009, p. 214-215.

309

PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009, p. 215-216.

concomitantemente se afasta da zona hierarquizada da subordinação. Não se pode criar um Direito do Trabalho fora da lógica econômica e social.