• Nenhum resultado encontrado

1 EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DO ESTADO CAPITALISTA

3.4 O trabalho cooperado dos Sem-Terra e suas implicações na gestão da escola

3.4.2 O trabalho cooperado e a relação com a escola

A maioria dos agricultores, quando não são analfabetos, tem formação limitada sobre a leitura, escrita e cálculos, o que dificulta compreender a prática de cooperação e, muito mais a prática da participação, difícil compreensão agravada pelas concepções tradicionais dos modelos de gestão e organização currícular das escolas que freqüentaram. Isso significa que a base educacional mínima adquirida pelos agricultores diminui suas possibilidades de se organizar em formas de trabalho cooperado, enfrentando obstáculos de ordem técnica e conceptual. “Alem do mais, os valores e a cultura disseminados pelas escolas estão voltados para o trabalho urbano, atuando no sentido de esvaziar a identidade dos filhos dos agricultores” (RIBEIRO, 2002, p. 100).

Por outro lado, não significa desprezar a educação no campo e desistir de lutar pela ampliação das estruturas escolares que ali existem, tanto em níveis mais altos de ensino, quanto em qualidade, mas fortalecer uma ação pedagógica calcada na participação. Considerando a característica reflexiva da escola, isso pode manter uma relação direta com a gestão escolar, tornando-a mais democrática na medida em que vai interagindo com o trabalho cooperado dos sem-terra, o que contribui para a permanência do trabalhador no campo, em oposição ao processo de dominação da classe dominante, que exerce função de exclusão:

Este papel hegemônico da educação não nega o papel determinante da estrutura econômica. Pelo contrário, as relações de dominação (e dentro delas a educação) só contribuem efetivamente para a reprodução das relações sociais e sua consolidação caso se tornem elementos mediadores entre a estrutura econômica capitalista e a conquista de um espaço: o da consciência e do saber, ambos transformados em forças produtivas (CURY, 2000, p. 58).

A organização coletiva e cooperada dos e para os trabalhadores prescinde de uma prática educativa, mas a educação em geral desenvolve a competição e individualização dos trabalhadores, cultura que se coloca como obstáculo tanto para a democratização da gestão escolar quanto para o desenvolvimento de práticas participativas e solidárias que levem os trabalhadores a organizarem-se numa proposta que possibilite o desenvolvimento da autonomia no campo, no caso, em formas cooperadas de trabalho. Ou seja, “os coletivos exigem uma ruptura sociocultural de um paradigma anterior de trabalho e família. O novo é tido como algo muito diferente do vivido anteriormente” (SOUZA, 1999, p. 164).

Nesse sentido, na constituição das primeiras cooperativas do MST, apesar da carência de conhecimento sobre formas cooperativistas, os conhecimentos foram apreendidos num fazer e desfazer, constituindo-se em uma verdadeira prática de aprendizagem em direção a uma gestão participativa. Isso significa a existência de elementos que confrontados com a gestão escolar taylorizada, divisionista e descomprometida com uma educação de qualidade social pode ser alterada em direção às práticas mais democráticas, o que faz da escola um instrumento de real formação cidadã. A escola como reflexo da realidade, procura desenvolver as mesmas características e práticas da comunidade que a cerca. Isto é, guardadas as caracterísitcas específicas de cada instiuição, se as relações entre os sem-terra possuem práticas participativas, que é material, a escola de forma similar conserva, na gestão escolar, tais características, como uma ação reflexiva, transformando-a numa outra qualidade de escola.

A transformação da quantidade em qualidade verifica-se também na vida social. Por exemplo, a cooperação, isto é, a união de muitos trabalhadores num só processo de produção, cria uma nova força social produtiva, cujo poder é substancialmente diferente da simples soma dos seus componentes. Diversas formas de cooperação criam condições para o trabalho mais rentável, para a solução dos problemas e das tarefas da produção e da satisfação das necessidades vitais (KRAPÍVINE, 1986, p. 170).

As práticas educativas voltadas para a autonomia do trabalhador rural têm atribuições fundamentais no sentido de desenvolver compreensões do conceito cooperativo dirigidas para o trabalho de determinado desenvolvimento local, podendo relacionar-se significativamente na gestão escolar das escolas de assentamentos e, estas, podem manter uma relação de fortalecimento das necessidades cooperadas entre os trabalhadores. Nesta perspectiva, a

participação na gestão escolar deixa de ser aparente e passa para outra qualidade, a de fornecer elementos significativos à mudança de práticas escolares e, consequentemente, contribuem para a superação das formas dominantes. Portanto, a educação, além de fornecer elementos que possibilitam o desenvolvimento de novos valores e culturas, tem um compromisso “que é a necessidade da formação como essencial à sustentação do trabalho cooperativo” (RIBEIRO, 2002, p. 99).

A idéia de resistência em relação à cultura individualista, “em que o pequeno agricultor tem toda a autonomia e se expõe a todos os riscos, para um modelo totalmente coletivista, em que cada cooperado participa de um trabalho cooperado” (SINGER, 2002, p. 104), tende a se constituir como uma prática educativa que pode se estender não apenas às classes escolares, mas na organização geral da instituição.

A conquista da autonomia dos sujeitos do campo vem acompanhando as lutas do MST, que vincula o trabalho e a cooperação aos conhecimentos oferecidos pela educação desenvolvida pelas instituições do movimento, fazendo parte da vida concreta dos trabalhadores do campo, o que pode também influenciar na cultura de participação na organização escolar. Essa condição da educação aumenta as responsabilidades dos setores a ela vinculados, o que a torna importante bandeira do MST para a implementação de suas propostas. Conforme Ruschel, o MST “refere-se ao trabalho e à cooperação como matrizes pedagógicas fundamentais para a educação dos Sem Terra” (2002, p. 117).

4 ASPECTOS METODOLÓGICOS

Para transcender a aparência dos fenômenos em direção à essência e relacioná-los, descrevendo as contradições e movimentos do trabalho cooperado dos sem-terra em relação à gestão escolar da escola de assentamento, que é pública, a pesquisa ocorreu na Escola Estadual de Ensino Médio Nova Sociedade, localizada no assentamento Itapuí que pertence ao município de Nova Santa Rita, e nas propriedades dos sem-terra ali assentados.