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O trabalho da Enfermagem em serviços de hemodiálise

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 O trabalho da Enfermagem em serviços de hemodiálise

Tendo-se em vista que as investigações em psicodinâmica do trabalho implicam em considerar o trabalho na sua dimensão organizacional, ou seja, a divisão das tarefas e as relações de poder (DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET, 1994), a seguir serão apresentados alguns aspectos da organização do trabalho da enfermagem em serviços de hemodiálise.

No Brasil, a maioria dos serviços de hemodiálise funciona seis vezes por semana, nos turnos da manhã, tarde e noite. Considerando-se que as situações cotidianas de trabalho são permeadas por acontecimentos inesperados, como aqueles relacionados aos pacientes, aos equipamentos, aos trabalhadores, dentre outros (DEJOURS, 2004), o trabalho em turnos pode ser um potencial fator de sofrimento ao trabalhador, pois implica que as tarefas sejam executadas num espaço de tempo pré-estabelecido, a fim de não atrasar o trabalho do turno seguinte. Acredita-se que a pressão do tempo, além de gerar sofrimento, também pode potencializar os riscos de acidentes e adoecimento no trabalho.

Conforme a Resolução da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (RDC/ANVISA) n° 154, que estabelece o regulamento técnico para o funcionamento dos serviços de diálise, o programa de hemodiálise deve integrar no mínimo, em cada turno, os seguintes profissionais: um médico nefrologista para cada 35 pacientes, uma enfermeira para cada 35 pacientes e um técnico ou auxiliar de enfermagem para cada quatro pacientes por turno de hemodiálise, sendo que todos os membros da equipe devem permanecer no ambiente de realização da diálise durante o período de duração do turno (BRASIL, RDC/ANVISA 2004).

Estudo com trabalhadores de enfermagem de um setor de hemodiálise enfatiza a necessidade de acompanhamento e treinamento específico desses trabalhadores, devido à

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complexidade do setor e peculiaridade dos pacientes, os quais demandam procedimentos específicos e uso de medidas de proteção e segurança à saúde dos trabalhadores (SILVA e ZEITOUNE, 2009).

Os trabalhadores de enfermagem em unidades de hemodiálise estão expostos a múltiplos riscos devido ao constante contato com fluidos orgânicos e manuseio de materiais perfurocortantes, o que caracteriza risco biológico, bem como à utilização de substâncias para a desinfecção das máquinas de hemodiálise e esterilização dos dialisadores, que se constituem nos principais riscos químicos. Além disso, nessas unidades também existem riscos ergonômicos e de acidentes de trabalho (SILVA e ZEITOUNE, 2009).

Outro aspecto relevante no trabalho da enfermagem em serviços de hemodiálise é a necessidade de manipular as máquinas e equipamentos, os quais requerem habilidade técnica e monitoração contínua frente à constante possibilidade de intercorrências.

Conforme Ibrahim (2004), o desenvolvimento tecnológico das máquinas de hemodiálise tem contribuído para a mecanização do trabalho da enfermagem, já que as máquinas realizam parte de seu trabalho, diminuindo a necessidade de atenção aos sinais do paciente, o cuidado com a segurança do equipamento e a necessidade de ir mais vezes até onde o paciente está dialisando.

Sob outro prisma, Silva e Melo (2006) explicitam que o excesso de equipamentos exige maior atenção do trabalhador e obrigação do domínio de suas funções eletrônicas. Dessa forma, a tecnologia que deveria propiciar melhor qualidade do cuidado e proximidade do trabalhador com o paciente, muitas vezes, o afasta do cuidado direto ao paciente e o aproxima da máquina.

Nessa direção, Rezende e Porto (2009) verificaram a presença do uso de tecnologia no cuidado prestado pela equipe de enfermagem aos pacientes em hemodiálise, evidenciado pela realização de procedimentos como a verificação do peso, da pressão arterial, realização da punção artério-venosa e atuação durante as intercorrências. Mas também identificaram a existência de cuidados não técnicos, como a escuta e interação por meio do toque, das palavras, das expressões faciais e dos olhares, com o intuito de confortar, dar carinho e incentivar os pacientes a comparecerem às sessões de hemodiálise.

Apesar da escassez da literatura sobre a questão não técnica do trabalho da enfermagem em unidades de hemodiálise, destaca-se a interação da equipe de enfermagem com os pacientes como a ação diferencial no que se refere à assiduidade do paciente às sessões e no seu sentimento de segurança em relação à equipe (REZENDE e PORTO, 2009).

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Quanto aos trabalhadores de enfermagem, a possibilidade de interagir com os pacientes se constitui em uma vivência de prazer no trabalho (PRESTES, 2009).

O setor de hemodiálise é muito enriquecedor no que diz respeito à interação entre os pacientes e a equipe de enfermagem, o que favorece o estabelecimento de uma relação de proximidade em que, muitas vezes, os trabalhadores possuem um amplo conhecimento sobre o paciente, seu contexto familiar e seu processo de saúde/doença (KOEPE e ARAÚJO, 2008).

Por outro lado, as restrições impostas pela insuficiência renal crônica, em várias situações, fazem com que os pacientes abandonem o tratamento, não sejam aderentes às orientações dos profissionais de saúde e passem, muitas vezes, por intercorrências desnecessárias durante o procedimento hemodialítico (Rezende e Porto, 2009). As intercorrências em hemodiálise implicam em vigilância constante por parte da equipe, bem como de intervenção imediata, o que remete à necessidade de concentração durante o trabalho, bem como ao conhecimento técnico-científico dos trabalhadores que atuam nestes serviços.

Os pacientes em hemodiálise formam vínculos afetivos intensos com a equipe de saúde e o apoio da equipe é fundamental para aceitação e adaptação do paciente à doença e ao tratamento (PEREIRA e GUEDES, 2009). Destaca-se a interação que se estabelece entre o paciente renal crônico e a equipe de saúde, já que, em muitos momentos do tratamento, essa condição fomenta uma inevitável relação de dependência por parte do paciente para com os profissionais (PIETROVSKI e DALL’AGNOL, 2006).

Um estudo realizado com trabalhadores em centros de diálise refere que atender a um paciente em emergência que resulta em óbito é a situação que mais causa desgaste emocional no trabalho (37%), seguida de falha no equipamento (31,4%) e óbito do paciente (28,5%) (IBRAHIM, 2004).

Lenardt et al. (2008), em estudo realizado com idosos em tratamento hemodialítico evidenciaram que a enfermagem não tem como se abster da interação com esses pacientes e que a falta da devida atenção familiar e profissional pode repercutir negativamente no cuidado de si.

Segundo Prestes et al. (2010), a vivência cotidiana por longos períodos com os mesmos pacientes se constitui no principal diferencial no trabalho no serviço de hemodiálise que repercute tanto nas vivências de prazer quanto nas vivências de sofrimento. O estabelecimento de vínculo com os pacientes desperta sentimentos ambíguos nos trabalhadores que, por um lado, se sentem reconhecidos e valorizados diante das

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demonstrações de afeto e carinho e, por outro, sobrecarregados frente às carências afetivas, familiares e financeiras de alguns pacientes.

Ao discorrer sobre o trabalho dos técnicos de enfermagem em serviços de hemodiálise, Martins et al. (2007) afirmam que esses trabalhadores são os que mais tempo possuem de relação com os pacientes, pois são os fornecedores de cuidados contínuos, ficando, assim, mais expostos às desorganizações psíquicas dos sujeitos portadores de doença crônica e/ou de seus familiares do que os demais profissionais da saúde.

Nesse sentido, Ibrahim (2004) elucida um mecanismo de defesa comumente utilizado pelos pacientes em diálise que consiste em “eleger” o profissional bom e o ruim. Dessa forma, o paciente passa a ter atitudes negativas em relação ao profissional eleito “ruim”, como realizar cobranças, depreciar o trabalho, questionar condutas e projetar a culpa pelo seu estado de saúde ou piora no trabalhador.

Conforme Diniz (2004), a exposição do trabalhador à violência por parte do paciente é uma realidade vivenciada diariamente em centros de nefrologia e que pode ter diversas repercussões emocionais negativas, as quais são expressas por sentimentos de dúvida quanto ao seu papel profissional, medo, desrespeito e desvalorização.

Em uma investigação pioneira sobre o sofrimento entre os trabalhadores da saúde, em diferentes áreas hospitalares, Pitta (1991) encontrou a maior taxa (45,5%) de suspeita de sofrimento entre os trabalhadores da hemodiálise, seguida da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (32,1%). Segundo a autora, esse serviço atende pacientes com “prognósticos sombrios”, que aguardam avanços científicos e a possibilidade de um transplante renal, necessitando submeter-se a sessões de hemodiálise como condição inerente à manutenção da vida.

O sentimento de impotência é comum nos trabalhadores que atuam em serviços de diálise, pois, apesar dos avanços tecnológicos na área de nefrologia, não existe possibilidade de cura dos pacientes. Além disso, existem casos em que, apesar do empenho e dedicação do trabalhador, o paciente não apresenta melhora, o que causa sofrimento ao trabalhador (IBRAHIM, 2004).

Para Rezende e Porto (2009), os serviços de hemodiálise são campos de estudo para se valorizar a atuação dos integrantes da equipe de enfermagem, pois, mais do que monitorar as máquinas operadas durante as sessões, se envolvem com os pacientes a fim de auxiliá-los no enfrentamento da doença e adesão ao tratamento.

Assim, ratifica-se a complexidade que permeia o trabalho da enfermagem em serviços de hemodiálise, bem como a relevância de estudos que abordam a temática saúde dos

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trabalhadores, especialmente no que tange aos riscos de adoecimento relacionados ao trabalho.