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O Trabalho de Campo: Observação Participante

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CAPÍTULO II AS PRÁTICAS DE COMPRA DE ALIMENTOS ORGÂNICOS

I.4. O Trabalho de Campo: Observação Participante

Conforme exposto acima, Daniel Miller (2002) concebeu uma teoria que entende as compras como estruturas análogas aos rituais de sacrifício. Compartilho com este antropólogo inglês e com o sociólogo — também inglês — Alan Warde, a idéia de que o ato de compra não deve ser compreendido como um ato individualista ou individualizante. Estes autores mostram que o ato de compra não se relaciona apenas com a subjetividade, além de raramente ser dirigido pela individualidade do consumidor que pratica a compra. Neste sentido, procurei observar a compra de alimentos orgânicos como rituais contemporâneos, considerando as duas formas de alteridade que Miller (2002, p. 27) relaciona com a compra de mercadorias para o abastecimento rotineiro do lar:

A primeira delas expressa uma relação entre o comprador e outro indivíduo particular como criança ou parceiro, podendo estar presente no domicílio, ser desejado ou imaginado. A segunda é uma relação com um objetivo mais geral que transcende qualquer utilidade imediata e é mais bem compreendida como cosmológica à medida que assume forma não de sujeito ou de objeto, mas dos valores aos quais as pessoas desejariam se dedicar.

Considerando a riqueza dos detalhes, optei por elaborar e manter um detalhado diário de campo. Desta forma, desenvolvi um trabalho de campo etnográfico que envolveu observação participante junto aos consumidores de alimentos orgânicos em Nova Friburgo/RJ no ato da compra. Estes alimentos eram comercializados em supermercados, feiras, estabelecimentos especializados em hortifruti, lojas de produtos artesanais e naturais, padarias, delicatessens e lojas de conveniência. Neste sentido, passei a freqüentar os locais de aquisição nesta cidade a partir do dia 02/12/2008. A tabela 2, abaixo, apresenta um panorama das atividades desenvolvidas no trabalho de campo.

Tabela 2 – Etapas do trabalho de campo

Período Atividades

Primeira Etapa

Dezembro de 2008 a

Janeiro de 2009

• Visitas aos locais de aquisição de produtos orgânicos

• Interações com consumidores de alimentos orgânicos

Segunda Etapa Julho a Outubro de 2009

• Visitas aos locais de aquisição para observar práticas de compra de alimentos orgânicos

Resumo das ações desenvolvidas

• 26 visitas a locais de aquisição

• Aproximadamente 80 interações com consumidores nos locais de aquisição

• 15 entrevistas em profundidade

A observação participante que desenvolvi pode ser dividida em duas etapas. A primeira etapa se desenrolou entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009, período em que visitei os locais de aquisição previamente mapeados43 e interagi com os consumidores que encontrava nestas incursões com o objetivo de marcar entrevistas com alguns deles. A segunda etapa aconteceu entre julho e outubro de 2009, quando somente efetuei visitas aos locais de aquisição que apresentavam maior fluxo de práticas de compra de alimentos orgânicos, com o objetivo de observá-las.

Assim, nestes cinco meses não seqüenciais efetuei um total de 26 visitas aos locais de aquisição. Estas visitas me possibilitaram observar e interagir com cerca de 80 consumidores, sendo que, com alguns deles, interagi em mais de uma ocasião. Neste universo, realizei 15 entrevistas em profundidade44.

Lembro bem da primeira observação que efetuei neste trabalho de campo. Era uma terça-feira, entre oito e nove horas da manhã. Um casal praticava compra no Tuti Fruti, um mercado especializado em hortaliças e frutas. Tratava-se de um caso raro, pois, ao longo do

43 Além de observações pessoais, uma entrevista aberta com Jovelina Fonseca, realizada em julho de 2008,

contribuiu de maneira fundamental para organizar esta primeira fase.

44 Em relação às entrevistas, cabe destacar: (1) três delas foram realizadas com s que faziam parte do meu círculo

de relações pessoais, que compreendia somente dez dos cerca de oitenta s com os quais interagi; (2) duas delas foram realizadas com s indicados por outros s, que conheci durante o trabalho de campo; (3) uma delas foi realizada com um que interagi na rede de relacionamentos Orkut, depois de me chamar a atenção durante um debate na comunidade Nova Friburgo sobre vegetarianismo e crise ambiental, no mês de janeiro de 2009, sendo que, posteriormente, este entrevistado me possibilitou acompanhar o preparo do Suco Vivo em praça pública.

período de observação, o desempenho das práticas de compra se dava predominantemente de forma individualizada. Os consumidores praticavam compra sozinhos, ou seja, sem qualquer acompanhante. Naquele momento, observava um homem que conduzia o carrinho de compras enquanto sua mulher efetuava as escolhas de compra, ou seja, ela pegava as coisas e as colocava no carrinho.

Enquanto os observava, posicionado estrategicamente próximo à gôndola que abrigava as verduras e legumes orgânicos daquele estabelecimento comercial, não havia diálogo, ao menos verbal, entre ambos. Nem mesmo se olhavam. Este posicionamento de espreita, focado na gôndola, se tornou um padrão das minhas incursões aos supermercados e seus corredores apertados, uns mais que outros, mas em geral apertados.

No momento em que os vi colocando uma verdura orgânica no carrinho, fiquei ali pensando em como iniciar minha abordagem. Ainda desajeitado e sem o traquejo necessário, procurei interagir com este casal justamente no momento em que chegavam ao caixa para efetuar o pagamento de sua compra. Dirigi-me ao homem, me apresentei como pesquisador e, quase que de imediato, perguntei sobre a possibilidade de entrevistá-lo para esta pesquisa. Ele respondeu de forma apressada, dizendo que seria difícil encontrar tempo para ser entrevistado por mim. Ainda assim prolonguei a interação, perguntando se poderia me disponibilizar o endereço eletrônico. Ele o fez, mas preferi não o acionar.

As complicações iniciais de uma entrada no campo envolvem dilemas sobre como abordar a “tribo” que se pretende analisar. Estes dilemas são bem destacados por muitos etnógrafos, em especial aqueles que empreenderam seus trabalhos de campo em contextos urbanizados e contemporâneos (FOOTE-WHITE, 2005; MILLER, 2009).

Comigo não foi muito diferente. Logo me dei conta de que não seria bem sucedido se abordasse os consumidores de alimentos orgânicos em supermercados na “boca do caixa”. Além disso, naquele primeiro momento fiquei com a sensação de que enfrentaria muitas dificuldades em encontrar informantes dispostos a serem entrevistados. Mesmo com toda a preparação e tentativa de planejar tudo nos mínimos detalhes, a partir daquele momento não tive mais dúvidas de que as coisas acontecem no campo, bem como é nele que se aprende o exercício etnográfico.

Neste primeiro dia, ainda visitei mais dois pontos de venda menores na parte da tarde. Estava muito cansado para caminhar de volta para casa e tomei um ônibus, encontrando uma colega. Sentei ao lado dela que fez uso da função fática da linguagem, corriqueiramente utilizada entre pessoas que não tem lá muita intimidade e não se vêem há tempos, perguntando o que eu estava fazendo da vida. Fiz referência ao meu primeiro dia de pesquisa de campo junto aos consumidores de alimentos orgânicos.

Para minha surpresa, ela começou a relatar sua recente conversão radical ao consumo de alimentos orgânicos. Disse-me que comprava semanalmente na Feira do Suspiro, mostrando grande preocupação com a questão ambiental, mas também com sua saúde. Ao comentar que deixara de consumir carne por causa do desmatamento na “longínqua” Amazônia fez referência a ridicularização que enfrentava em seus círculos de amizade por conta da sua escolha.

Esta colega aceitou a abordagem da pesquisa45, que envolveria um acompanhamento das suas práticas de compra e uma entrevista em profundidade. Além disso, se propôs a indicar algumas pessoas. Este encontro casual sinalizou que não seria apenas nos locais de aquisição ou em meu amplo círculo de relações pessoais que encontraria os consumidores de alimentos orgânicos que procurava. A partir daí, passei a ficar atento a todo e qualquer sinal que constituísse uma pista a ser seguida, configurando uma aplicação prática do paradigma indiciário (GINZBURG, 1989).

Não posso deixar de mencionar o sentimento de frustração que me tomava conta quando saía de um ponto de venda depois de esperar por quase duas horas até que uma compra de produto orgânico fosse praticada, para então tentar uma abordagem. Por outro lado, ficava radiante de felicidade quando, por exemplo, terminava uma entrevista de quase duas horas com um consumidor que abordei depois de esperar por uma hora e meia observando a gôndola de um supermercado.

Certamente, este tipo de espera não foi pior do que quando ninguém praticava qualquer compra de alimento orgânico. Isso aconteceu numa dada manhã em que fiquei observando tão somente a gôndola que os ofertava em um supermercado. Nesta ocasião, refleti sobre as limitações de perseguir as pessoas com “perguntas obtusas” (GEERTZ, 1978), o que me levou a valorizar as observações que efetuei (BECKER, 1992; MILLER, 2002), dando-lhes a mesma importância que os discursos transcritos das entrevistas em profundidade que consegui coletar “objetivamente”.

Portanto, o desenvolvimento deste trabalho de campo compreendeu sensações de frustração/desânimo e de intensa felicidade/esperança como pólos reais, e não tipos ideais, tendo em vista que passei por situações que me remetiam a ambas as sensações, em maior ou menor grau. Assim, às seguidas frustrações se alternaram esperanças e iluminações profanas que me possibilitaram desenvolver aqui uma descrição densa (GEERTZ, 1978), baseada na observação participante (BECKER, 1992; MILLER, 2002) junto aos consumidores de alimentos orgânicos com os quais me deparei nos locais de aquisição em Nova Friburgo/RJ.

Desta forma, a seguir, descrevo os locais de aquisição de alimentos orgânicos em Nova Friburgo/RJ, explicitando as escolhas que fiz ao longo do trabalho de campo. Na seqüência, contando com o aporte dos dados das entrevistas em profundidade realizadas, apresento uma descrição densa das observações sobre as práticas de compra destes alimentos, com destaque para locais de aquisição como supermercados, feiras e canal de venda direta, analisando o que os consumidores entrevistados falavam sobre as práticas que eles desempenhavam.

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