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Venda direta

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CAPÍTULO II AS PRÁTICAS DE COMPRA DE ALIMENTOS ORGÂNICOS

I.5. Etnografia das Práticas de Compra: Descrição Densa

II.5.2. Venda direta

A “venda direta” de alimentos orgânicos envolve práticas que são desempenhadas junto a agricultores conhecidos pelos consumidores, associadas freqüentemente a um encurtamento da cadeia, que, segundo eles, tende a “valorizar a energia do alimento”.

Também tem outros lugares, às vezes, uma amiga que planta. Ou mesmo chega a figura [agricultor] daqui [Lumiar, quinto distrito de Nova Friburgo/RJ] e fala: “Dona [nome da entrevistada], não boto nada, só boto o esterco”. Aí dou preferência para comprar com ele o inhame [...] até porque, dentro da alimentação vegetariana, eles falam muito isso da questão da energia. Você poder comer um alimento que não passe por muitos atravessadores, que tem essa radiação energética (C9).

48 A partir de estudos de Guillon & Willequet (2003), Guivant (2003) enfatiza que as escolhas de alimentos pelo

consumidor de produtos orgânicos em supermercados se orientam pela procura de um estilo de vida mais saudável, sem implicar em adoção de práticas sociais e ambientais coerentes, que caracteriza o estilo de vida de um consumidor ego-trip. Diferentemente, as escolhas de consumo de alimentos orgânicos orientadas por atitudes e valores assumidos frente ao meio ambiente ou à sociedade caracterizaria o estilo de vida de um consumidor

ecológico-trip. Com isso, destaca que “numa sociedade mais individualista, a experiência de riscos ambientais

pode ter muito pouco a ver com ‘salvar o planeta’ e muito mais com assuntos da vida cotidiana, no aqui e agora. Desta maneira, o encontro com o meio ambiente passa a ser mais personalizado. Seguindo este interessante argumento, poderíamos considerar o consumidor ecológico-trip como um tipo de consumidor ego-trip, que atinge outros planos nas suas práticas de consumo” (GUIVANT, 2003, p.15). Neste sentido, a autora aponta uma tendência pela qual o estilo de vida egotrip despontaria como hegemônico entre os consumidores de alimentos orgânicos.

No entanto, alguns consumidores demonstram certa desconfiança quanto ao rótulo “orgânico” que aparece em alguns locais de aquisição, especialmente na modalidade “compra direta com produtor”.

Às vezes, faço alguma aquisição dentro de um supermercado que tenha orgânico, uma banca de orgânico. Mas sempre com um pé na frente e outro atrás, se estou comprando gato por lebre. Já teve uma determinada pessoa aqui que vendia como orgânico, mas sendo da agricultura convencional. Isso ainda tem muito. É preciso uma certificação séria. Quer dizer, veja bem, hoje o que compro e o que consumo, eu conheço os produtores. Mas a gente precisa ter cuidado (C9).

Também tenho as minhas dúvidas. Ele garante que não usa agrotóxico, mas tenho minhas dúvidas. Às vezes compro cenoura com ele, às vezes uma fruta (C29).

Esta modalidade de comercialização acontece às quartas e sextas-feiras no horto

Chalet das Plantas, que tem como referência principal a Igreja Matriz, de orientação católica,

da qual é um anexo. Por não ser certificada, caracteriza uma “venda direta” do produtor ao consumidor, apresentando grande fluxo de consumidores.

Neste local de aquisição, o preço único da porção pré-preparada de legumes e verduras corresponde a algo entre 20 e 40% menor do que o praticado nas outras duas feiras, e entre 40 e 70% menor do que os praticados pelos supermercados, dependendo do item. As visitas ao

Challet das Plantas me levaram a conhecer e, posteriormente, entrevistar uma consumidora

de alimentos orgânicos que aparece como referência para muitos outros consumidores com os quais interagi durante o trabalho de campo.

O movimento no Challet das Plantas é intenso com variados desempenhos em práticas de compra entre as oito e dez horas da manhã. Não consegui sequer quantificá-las na primeira visita. Muitos consumidores chegam lá, separam os alimentos e passam depois para pagar e levá-los, com receio de não encontrar os produtos se passarem mais tarde. Depois das dez horas, a compra de alimentos orgânicos se reduz bastante e as plantas voltam ser o produto principal do horto.

Em certa ocasião, por exemplo, uma consumidora chegou às nove horas da manhã e reclamou quando viu que “acabou tudo”. Interessante que esta mulher perguntou à produtora se ela produzia inhame e se espantou com a informação de que demorava um ano para produzir este item. Ela disse-me que consome orgânicos pensando em sua saúde, tendo em vista que se trata de um produto sem agrotóxico. Entretanto, ressalta que o termo “saúde” possui uma conotação global para ela, compreendendo o meio ambiente.

Ao entabular conversação com outra consumidora, ela citou outras práticas ambientalmente amigas tais como a separação do lixo e a colocação do lixo “seco” nos

Ecopontos. Desta forma, ela se sente responsável, pois com estas práticas se vê contribuindo

para enfrentar os problemas ambientais.

A produtora que vende os alimentos diretamente neste local de aquisição foi receptiva à minha proposta de entender a compra de alimentos orgânicos por meio da pesquisa. Ela não se identifica como uma “vendedora” de alimentos orgânicos, pois vende um produto que não é considerado orgânico, por causa da ausência de um selo de certificação. Disse-me que se recusa a pagar pela certificação, mas sua propriedade encontra-se de “portas abertas” para que qualquer pessoa interessada a visite.

Para esta produtora e comerciante, o mais importante é garantir um preço bom e honesto para os consumidores de alimentos produzidos com “o uso de ervas e adubos de boi e galinha para evitar o agrotóxico”. Isso me bastava para incluir o Challet das Plantas nesta pesquisa, pois meu interesse é, sobretudo, na crença demonstrada pelos consumidores de que os alimentos são orgânicos.

Desta forma, o preço “baixo” aparece como principal fator de atração deste local de aquisição:

Compro aqui na igreja, que vem lá de Conquista, e são mais baratos os alimentos ali da feira do que esses do Sítio Cultivar que estão nos supermercados (C48).

Numa visita, encontrei com uma das pessoas com quem havia praticado Tai Chi

Chuan naquele sábado festivo da Feira Orgânica do Cônego. Esta mulher aparenta ter cerca

de 60 anos e, de imediato, me tratou com desconfiança, mas assim que me reconheceu, passamos a entabular uma conversa enquanto esperávamos o Challet das Plantas abrir.

Ela se define como praticante da macrobiótica e diz freqüentar academia. Ao fazer referência aos germinados, fala sobre a vida presente nos grãos e como “essa vida passa para quem consome”. Também cita frequentemente nomes de pessoas que ministram cursos nesta área. Esta consumidora traz sua sacola plástica de casa e disse que isso é resultado do incentivo da japonesa responsável por este ponto de venda de alimentos orgânicos.

Uma conversa interessante foi travada com uma consumidora nissei que não come carne vermelha, apenas peixe e frango. Disse-me que faz sushis e compra alimentos orgânicos porque eles preservam o sabor. Ela aceitou a abordagem da pesquisa, tendo possibilitado inclusive um acompanhamento das suas práticas de preparo e refeição.

Neste local de aquisição, a pressa também se faz presente. Uma consumidora, que apesar de ter sido extremamente simpática e receptiva, recusou a abordagem de pesquisa no sentido de acompanhar suas práticas de preparo e momento de refeição, alegando falta de tempo. Enquanto ela escolhia jiló, que disse adorar porque é um alimento sem agrotóxico, me passou várias dicas e receitas de preparo, mas disse que tem muita dificuldade com o gerenciamento do seu tempo cotidiano. Ainda entre as pessoas apressadas, outra disse que consome alimentos orgânicos e compra uma cesta neste local de aquisição, fazendo uma reserva antecipada com a japonesa. Em um breve contato, falou-me que seu estilo é “natureba”.

Uma consumidora, fotógrafa, que já conhecia, disse-me consumir alimentos orgânicos por causa da ausência de agrotóxicos. Ela não demonstrou qualquer preocupação ambiental ao comprar e se mostrou desiludida com a política. Neste sentido, externou um incômodo, pois se antes se considerava muito engajada, atualmente se sente egoísta em função do que considera seu individualismo.

Ao interagir com um consumidor que comprava seus alimentos, ele disse que o fazia “para se alimentar melhor”, mas demonstrava preocupação com os problemas ambientais, bem como com os pequenos produtores. Este homem consumia alimentos orgânicos desde que sua filha de 8 anos nasceu, quando ainda morava em Curitiba/PR. Fazia três anos que mudara para Nova Friburgo/RJ, sendo interessante que disse sempre procurar comentar com outras pessoas sobre a relação que via entre o alimento orgânico e a preservação do meio ambiente.

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