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Existem muitas visões diferentes sobre o trabalho do professor. O docente ocupa diferentes posições de acordo com as variadas culturas e, ao longo do tempo, esse papel vai mudando. Ao confrontar as mudanças na visão sobre o professor, por exemplo, vemos que muitos profissionais se queixam da perda de um status, ou mesmo de autoridade.

Já foi-se o tempo em que o professor tinha palavra em sala de aula, você fala alguma coisa mas tem sempre alguém que vai contra aquilo que você falou, [...] Por exemplo, uma vez eu tive um problema com um aluno em sala de aula e a pedagoga falou, na frente do aluno, que isso era falta de autoridade minha [...] (ENTREVISTADA 7).

Dentro do mesmo estado e em uma mesma instituição, verfificam-se diferenças no tratamento do professor, como afirmou um entrevistado com atuação em três campi diferentes.

A questão do respeito e consideração dos alunos. Por exemplo: Em Buriticupu todo aluno te trata como um professor, em Santa Inês eu já senti diferença. [...] No Monte Castelo eu creio que é mais dificultoso porque aqui o aluno assobia pra ti, ele não fala teu nome, ele nem sabe o teu nome[...] às vezes você tá dentro da sala [...] e ele chega pra ti, na maior cara de pau, perguntando se vai ter aula. Ou seja, você marcou horário, tá tudo agendado, você tá lá (é a coisa que mais me irrita) e o aluno te pergunta se vai ter aula [...] (ENTREVISTADO 5).

Um fato que chamou a atenção e que pode confirmar essa perda do valor social da profissão docente, foi o contato com jovens em fase de escolha profissional. A pesquisadora realiza, desde a sua entrada no IFMA, em 2009, um trabalho de facilitação de escolha profissional que vem revelando o pouco interesse dos estudantes em exercer essa profissão. Desde o início dessa atividade, nenhum estudante revelou interesse em se tornar professor, revelando falta de identificação com a carreira e as dificuldades inerentes à perda de autoridade crescente desse profissional nas turmas.

Um artigo intitulado “Por que a docência não atrai”, da revista Nova Escola (2014), apresenta consonância com essa situação. O texto foi baseado em pesquisas da Fundação Victor Civita (FVC) e da Fundação Carlos Chagas (FCC) sobre a atratividade da carreira docente e demonstra que, apesar do reconhecimento pela maior parte dos jovens sobre a importância desse profissional, a grande maioria não tem interesse em atuar como professor. Mesmo que 32% dos jovens tenham considerado essa escolha, somente 2% tem a profissão docente como objetivo. A opção por essa carreira, em detrimento de outras com maior prestígio social ou retorno financeiro, pode até causar estranhamento, como evidencia uma das professoras do IFMA.

Meus alunos que sabem [da formação em engenharia], perguntam porque eu estou dando aula se eu sou formada em engenharia e eu digo que talvez um dia eles entendam que a realização realmente é muito mais na docência (ENTREVISTADA 4).

A pesquisa descrita na revista revelou dois principais grupos de motivos para justificar a baixa atratividade da carreira: por um lado os fatores negativos estariam associados à baixa remuneração, de outro, à falta de identificação profissional ou pessoal.

Nas palavras dos jovens, essa é uma profissão que exige "vocação", "dom", "amor" - ou seja, as questões técnicas do trabalho estão extremamente desvalorizadas. "Um professor tem que ter o dom, tem que ser uma pessoa iluminada para poder ensinar", opina Ana*, de uma escola particular de Curitiba. Sua colega Roberta* concorda: "O essencial é ter vocação e muita paciência para lidar com as pessoas" (POR, 2014, p. 4).

O senso comum é responsável pela difusão dessa visão que, por diversas vezes, associa a docência ao sacerdócio, o que fragiliza as lutas dos trabalhadores docentes na busca por melhores condições de trabalho. Paira a ideia de que o trabalho docente seria de uma ordem diferente, vinculado, portanto, a uma vocação, uma paixão, e não estaria submetido às mesmas regulamentações do mundo do trabalho.

Existem diversas discussões sobre a submissão ou não do trabalho docente à lógica do capitalismo. Porém, para essa pesquisa, adota-se a visão de que o trabalho docente também está inscrito no âmbito do trabalho capitalista. Contudo, como afirmam Kuenzer e Caldas (2009), a forma de inserção será diferente, de acordo com o setor a que o professor vai se vincular. As autoras destacam três aspectos dessa submissão.

[...] o trabalho docente, sob a égide do capitalismo, não escapa à logica da acumulação do capital, direta ou indiretamente, pela venda da força de trabalho do professor para instituições privadas, pela qualificação científico-tecnológica de trabalhadores para atender às demandas do trabalho capitalista, pelo disciplinamento com vista à subordinação, pela produção de ciência e tecnologia. Assim, seu trabalho está atravessado pelas mesmas condições que caracterizam o capitalismo (KUENZER; CALDAS, 2009, p. 23). O professor de instituições privadas revela de forma mais nítida essa submissão pelo primeiro aspecto, porém o docente de instituições públicas também estaria submetido aos outros dois. Essa questão evidencia o risco que correm muitos professores que escolhem o serviço público acreditando que poderão fugir das “armadilhas” do capitalismo.

Aos professores, restaria a esperança de trabalhar nos espaços públicos, onde, em tese, a relação entre custos e benefícios seria regida por outra lógica – a do direito a um serviço público de

qualidade – e não pela realização da lógica da mercadoria. Mas nem isso é possível nos Estados de tipo neoliberal que, ao materializar a lógica das políticas mínimas, por um lado, empurram parte de suas responsabilidades para o setor privado, na perspectiva do público não-estatal, e, portanto, reduzem a política de direitos e ações de filantropia. Essa mesma lógica submete a prestação do serviço público a precarização e ao compartilhamento com a prestação dos serviços privados, o que leva as instituições públicas a serem regidas pelas leis do mercado (KUENZER; CALDAS, 2009, p. 23).

Tendo em vista a diversidade do tema, as pesquisas voltadas sobre o trabalho do professor no Brasil vêm sofrendo alterações, de acordo com o contexto histórico. Vários pesquisadores vêm se debruçando sobre aspectos variados dessa questão. No Brasil, os estudos que indicam uma maior preocupação com esse objeto vão surgindo a partir da década de 70. De acordo com Mancebo (2007), essas pesquisas inicialmente possuíam uma orientação marxista, com temas sobre a natureza do trabalho docente, sua organização e a gestão da escola. No entanto, no fim dos anos 80, a linha de reflexão foi sendo alterada para “[...] estudos que focam suas análises mais nos aspectos culturais, raciais ou étnicos, relações de gênero e nas questões da subjetividade” (OLIVEIRA , 2003, p. 15).

De acordo com Mancebo (2007, p. 468), a mudança de foco dada a esses estudos foi determinada por dois aspectos centrais:

Primeiro, as reformas educacionais que se iniciam nos anos de 1980 [...] e, em segundo lugar, a afluência de pesquisas pós- modernas e multiculturalistas na educação, muitas de caráter etnográfico, que davam mais destaque ao cotidiano da escola e aos sujeitos envolvidos no processo educacional do que ao contexto no qual seu trabalho tem curso.

Esses temas evidenciam não só a situação do trabalhador docente, mas um movimento gerado, muitas vezes, nas reformas, na América Latina e no Brasil, com base na racionalização do gasto público e redefinição das modalidades de intervenção do Estado.

A emergência de novos modelos de regulação da vida social tem resultado em desregulação do mercado de trabalho, maior flexibilização das relações de emprego, perda da estabilidade em alguns setores, bem como terceirização e precarização das condições de trabalho. Ou seja, para a maioria da população, esses novos processos de regulação têm representado a perda da

estabilidade, da seguridade e, principalmente, da expectativa de futuro (OLIVEIRA, 2005, p. 756).

O mundo do trabalho passou por várias mudanças significativas, repercutindo não só no trabalho docente, mas também nas exigências feitas à educação, como um maior atendimento às necessidades do mercado em expansão. Foram realizadas diversas reformas educacionais para acompanhar essas novas exigências, acarretando, muitas vezes, a ressignificação do trabalho do professor.

O trabalho docente vê-se duplamente atingido pelas novas ordenações assumidas pelos estados e as decorrentes políticas implementadas para a educação: por um lado, o produto do seu trabalho – formação de “força de trabalho competente” e, no caso da educação superior, produção de “tecnologia e conhecimento científico” - é profundamente afetado (MANCEBO, 2007, p. 469).

Nas pesquisas recentes sobre trabalho docente, Mancebo (2007) identifica cinco temas mais recorrentes: a precarização do trabalho docente, a intensificação do regime de trabalho, a flexibilização do trabalho, a descentralização gerencial e a multiplicidade de sistemas avaliativos.

Em um artigo sobre as representações do trabalho docente na produção científica da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, as autoras DeAvila, Ribeiro e Leda (2010) agruparam os artigos em quatro subtemas: práticas e funções docentes; produção capitalista e trabalho docente; reformas educacionais, políticas públicas e trabalho docente; e sindicatos e organizações docentes. No entanto, as autoras alertam, também, sobre a escassez de pesquisas em um aspecto extremamente importante:

[...] os efeitos psicossociais desencadeados, isto é, o enfraquecimento dos coletivos, a valorização do individualismo, o sofrimento impingido aos docentes frente às transformações no mundo do trabalho e, em especial, investigar o que leva esses trabalhadores a se manterem na profissão, mesmo diante de um cenário tão adverso (DEAVILA; RIBEIRO; LEDA, 2010, p.12). O trabalhador docente se vê duplamente enredado nos reflexos das relações de mercado. Como trabalhador, sofre os efeitos das políticas econômicas, em um processo de precarização das suas condições de trabalho, assim como com a sensação de insegurança que a flexibilidade impõe. E, como educador, é pressionado

a incutir em seus alunos os valores do capitalismo, para promover a inserção na sociedade.

As políticas neoliberais para a educação têm incluído o princípio da competência do sistema escolar, por intermédio da promoção de mecanismos de controle de qualidade externos e internos à escola, que visam uma subordinação do sistema educativo ao mercado, ao mesmo tempo em que propõem modelos gerencialistas de avaliação do sistema (HYPOLITO et al, 2009, p. 102).

Nesse contexto perverso, os professores devem estimular os valores do capitalismo: a competição, o individualismo e o empreendedorismo, por meio de discursos que, antagonicamente, estimulam o trabalho em equipe, o respeito e a colaboração entre os pares.

Para os próprios professores, a questão da inclusão no mercado também possui o complicador da formação. As instituições de ensino estão cada vez mais exigentes em relação às experiências anteriores, para diminuir o gasto com a capacitação desses profissionais. Muitas vezes, o docente se vê forçado a arcar sozinho com a sua formação, investindo em cursos e pós-graduações, para, só então, conseguir uma vaga. Essa qualificação é permitida, muitas vezes, a partir do custeio por familiares ou por meio da concessão de bolsas de auxílio ao aluno. No entanto, não existem bolsas em número suficiente para atender à grande demanda. Esse o caso das universidades e institutos federais, que exigem doutorado para a admissão de novos professores (art. 8, Lei 12.862/2013).

Esse contexto de insegurança e de poucos investimentos na qualificação dos docentes provocou no Brasil, com a ampliação do quadro de servidores do governo federal, uma corrida para o serviço público, impulsionada pela conquista de uma suposta estabilidade. No entanto, como alertam Ribeiro e Mancebo:

O candidato ao serviço público, quando prioriza a busca de segurança e qualidade de vida, pode na realidade estar mais interessado em se esquivar do clima tenso e inseguro da iniciativa privada, do que em fazer uma carreira aliada à realização profissional no setor público (2009, p. 8).