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1. A mercantilização da educação e a expansão do ensino superior

1.4. O trabalho docente

A relação entre trabalho e educação é complexa e merece uma discussão aprofundada. Saviani (2007) caracteriza os fundamentos históricos e ontológicos da relação trabalho e educação. Segundo ele, os homens, diferentemente dos demais animais que se adaptam à natureza, têm que adaptar a natureza a si, agindo sobre ela e transformando-a. Apoiado em Marx e Engels, ele também destaca que a singularidade do homem está na produção de seus meios de vida, e assim ele produz indiretamente sua própria vida. Este ato de agir sobre a natureza e

transforma-la é o que chamamos de trabalho. Assim, a essência humana é produzida pelo homem. “A essência do homem é um feito humano. É um trabalho que se desenvolve, se aprofunda e se complexifica ao longo do tempo: é um processo histórico” (Saviani, 2007, p. 154). Desta forma, se a existência humana não é garantida pela natureza, e é um produto do trabalho, conclui-se que o homem não nasce homem. Ele necessita aprender a ser, precisa aprender a produzir sua própria existência. Portanto, a formação do homem é um processo educativo. A origem da educação coincide com a origem do homem, conclui o autor.

Estas considerações são fundamentais na compreensão do significado simbólico da educação e da docência visto que evidenciam a relação de identidade entre trabalho e educação. Na relação visceral do sujeito humano com seu trabalho, o aprendizado se dá durante o ato. Transformando a natureza, relacionando uns com os outros, o labor era ensinado e transmitido de gerações a gerações. O processo de aprendizagem se dava pela experiência. Antes de qualquer tecnologia educacional, o saber prático validado pela experiência garantia a continuidade da espécie humana. Saviani (2007) conclui que os fundamentos históricos da relação trabalho educação se referem ao processo produzido e desenvolvido ao longo do tempo pela ação dos próprios homens e o resultado deste processo é o próprio ser dos homens.

Constatada a profunda imbricação dos dois elementos, resta-nos entender as consequências da separação entre trabalho e educação e da perda do sentido do trabalho educativo, tal como se dá na atualidade. Este trajeto também será feito a partir dos apontamentos de Saviani (2007). A divisão do trabalho, a apropriação privada da terra, consequências do desenvolvimento da produção provoca a ruptura nas comunidades primitivas, dividindo os homens em classes. Surgem duas classes sociais, a dos proprietários e as dos não proprietários. Este acontecimento define profundamente a história da humanidade e tem efeitos na própria concepção do homem. Se, como já dito, o trabalho define o homem, não é possível viver sem trabalhar. Com a divisão de classes, a classe dos proprietários pode viver sem trabalhar. Eles não vivem sem o trabalho, eles vivem do trabalho alheio. Os não proprietários passaram a ter a obrigação de, com seu trabalho, manterem a si e aos donos da terra. Donos da terra e senhores dos trabalhadores que são escravos ou vendedores da força de trabalho.

Saviani (2007) relata também que a divisão dos homens em classes provoca a divisão também na educação. Com o escravismo antigo, a educação passa ter duas modalidades distintas: uma para a classe proprietária, a educação dos homens livres, voltada para atividades intelectuais, para a arte da palavra e atividades físicas de caráter lúdico ou militar. E a educação para a classe não proprietária, dos serviçais e escravos relacionada ao processo de trabalho. Esta divisão arriscaria a dizer, permanece até hoje. A educação intelectual, escolar direcionada aos que tem poder aquisitivo e a formação para o trabalho, técnica, voltada para os trabalhadores. O autor explica que a primeira modalidade de educação deu origem à escola, cuja palavra significa lugar do ócio. Era o lugar para onde se dirigiam os que dispunham de tempo livre. Esta educação é então a educação formal, separada formalmente do trabalho. A expressão do senso comum que interpela muitos professores na atualidade exemplifica isto: Você trabalha ou só dá aula? A pergunta ilustra ironicamente as representações do trabalho de educador.

Correlato à divisão de classes está o processo de institucionalização da educação. A origem da escola, o lugar para onde vão aqueles que desfrutam de tempo livre, contrapõem-se à educação da maioria que continua a coincidir com o processo de trabalho, mas agora sem o controle sobre o mesmo. Saviani (2007) propõe a hipótese de que a forma como é organizada a educação escolar no sistema capitalista é diretamente responsável pelas modalidades segundo as quais este concorre para a reprodução das relações deste modo de produção. Ressalta-se o papel decisivo da escola na reprodução do modo de produção capitalista e a via encontrada para o cumprimento deste papel é separá-la do trabalho produtivo. Observa-se que a separação entre instrução e trabalho é elemento crucial para entender o valor simbólico da educação e do educador, visto que a separação entre escola e produção, entre instrução e trabalho refletem a divisão entre trabalho manual e intelectual. Nota-se que após o surgimento da escola, a relação entre trabalho e educação assume uma dupla identidade. No caso do trabalho manual, a educação continua a se realizar concomitante ao processo de trabalho, e a educação tipo escolar é destinada à educação para o trabalho intelectual. A revolução industrial força a escola a ligar-se ao mundo da produção. No entanto, conforme Saviani (2007) a educação concebida dividia os homens em dois grupos; as profissões manuais e as profissões intelectuais. A consequência é a existência de escolas profissionais para os trabalhadores e “escolas de ciências e humanidades”

(grifo do autor) para os futuros dirigentes. À classe trabalhadora compete aprender ofícios técnicos para sustentar a mão de obra operária e assim manter o funcionamento do sistema.

Como visto, a educação é um fenômeno histórico e reflete os desafios de diferentes contextos políticos e sociais. Ela reproduz a sociedade vigente com seus valores e ideais. No Brasil, as diversas transformações vividas pela educação acompanharam o processo histórico do país e do mundo. A organização do ensino superior se modifica a partir das mudanças nas políticas públicas. Estas últimas são criadas conforme interesses nem sempre explícitos pelo governo e muitas vezes priorizam interesses que não são os mesmos da população.

1.5. REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E PRECARIZAÇÃO DO

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