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2 O TRABALHO INFANTIL NA (RE)PRODUÇÃO CAPITALISTA: UMA ANÁLISE DA EXPRESSÃO NO CAPITALISMO DEPENDENTE BRASILEIRO

2.1 O TRABALHO INFANTIL NA SOCIEDADE CAPITALISTA

A análise sobre a compreensão teórica do trabalho se dará tendo como base a perspectiva marxista, enquanto categoria ontológica fundante da gênese e como uma condição inerente ao ser social – que utiliza a sua capacidade laborativa para assegurar as necessidades básicas de sobrevivência –, perpassada pelo ato teleológico de prévia-ideação17 e por meio da objetivação. É esse ato que diferenciará o ser social dos demais animais, pois, no final do processo de trabalho, objetiva um resultado que já existia idealmente, orientado a responder as suas necessidades, à transformação da natureza, que resultará na sua própria transformação.

Para Lessa (2011), a sociedade se constituiu com um novo tipo de ser, diferente do ser natural. Passamos por um processo de surgimento da vida, produto de um longo caminho evolutivo da matéria inorgânica, para a emersão de um novo ser dotado de capacidade reprodutiva; o ser vivo, orgânico. Essa condição reprodutiva, biológica, constituiu organismos animais complexos, entre eles o primata, que levou ao “salto ontológico” do surgimento da vida humana. Assim afirma o autor: “Com o ser humano desenvolve-se um novo tipo de ser, uma nova materialidade, até então inexistente, e cujas peculiaridades não se devem à herança biológica nem à programação genética – um tipo de ser radicalmente inédito, o ser social”.

17 Para Lukács, esse seria o momento de planejamento que antecede e dirige a ação. Momento abstrato, que

exerce um papel fundamental na determinação material da práxis social, que precisa ser objetivada. (LESSA, 2015).

(LESSA, 2011, p. 141). Esse ser “social” dá um “salto ontológico do homem para além da natureza” e para garantir a sua reprodução, que é social18, e não biológica, como os demais seres vivos. Assim, buscará através do trabalho a forma de produção dos meios de subsistência, transformando a natureza e a si mesmo.

O trabalho, conforme Engels (1876), como fonte de riqueza, é a condição básica e fundamental de toda a vida humana, pois cria o próprio homem. Foi a necessidade das determinações de sobrevivência, de alimentação, que conduziu o processo de transformação do ser animal (ação acidental, instintiva) para a condição sócio-histórica do ser social humanizado (ação intencional e planejada). Assim expressa Engels (1876): “Mas nem um só ato planificado de nenhum animal pôde imprimir na natureza o selo de sua vontade. Só o homem pôde fazê-lo”. Esse ato de planejar e objetivar torna o ser social capaz de construir-se historicamente, ou seja, ontologicamente; não só transforma a natureza como transforma o ser social, de forma que, na vida de qualquer sujeito, não só contribui para a sua sobrevivência, como transforma-o.

Marx (2013), no Capítulo V, sobre o “O processo de trabalho e o processo de valorização”, afirma que o trabalho é um processo entre o homem e a natureza; ação essa com a qual o humano medeia, regula e controla seu metabolismo com a natureza a fim de apropriar-se da matéria natural de uma forma útil para sua própria vida, colocando em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporeidade. Isso ocorre de tal forma que, agindo por meio do processo de trabalho19 sobre a natureza externa, ele modifica a ela e a si mesmo. Esse processo, dessa maneira, é orientado a um fim: a produção de valor de uso – esse proporciona a apropriação de elementos para a satisfação das próprias necessidades humanas do produtor.

Foi no processo histórico da consolidação da sociedade capitalista, por meio da produção mercantil20, que o trabalho deixou de ser somente uma práxis21 que contribui para a

18 Para Lessa (2011, p. 142), “ao contrário da reprodução biológica, a reprodução social é um processo fundado

pelo trabalho, um tipo de atividade na qual o indivíduo humano primeiro elabora na consciência (como ideia, como ideação) para depois transformar a natureza naquilo que necessita. [...] mediada pela consciência e pelas relações sociais; estas comparecem no mundo dos homens com funções que possibilitam um tipo de transformação da matéria natural completamente diferente daquela operada pelos animais e plantas”.

19 Para Marx (2013), os momentos simples do processo de trabalho são: o trabalho propriamente dito, seu objeto

e seus meios. (Exposição no Capítulo V do Livro “O Capital”, livro I).

20 “As bases da produção mercantil capitalista são inteiramente distintas da produção mercantil simples. Se

ambas supõem a divisão social do trabalho e a propriedade dos meios de produção, na produção mercantil capitalista essa propriedade não cabe ao produtor direto, as ao capitalista (ao burguês). Aqui desaparece o

trabalho pessoal do proprietário: o capitalista é proprietário dos meios de produção, mas não é ele quem trabalha

– ele compra a força de trabalho que, com os meios de produção que lhe pertencem, vai produzir mercadoria.” (NETTO; BRAZ, 2007, p. 83).

transformação do ser social. Seu processo passou a ser apropriado como a condição de sobrevivência na sociedade moderna, capitalista, sob a forma de uma mercadoria, ou seja, “[...] um objeto externo, uma coisa que, por meio de suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de um tipo qualquer. A natureza dessas necessidades – se, por exemplo, elas provêm do estômago ou da imaginação – não altera em nada a questão” (MARX, 2013, p. 113); ao mesmo tempo que se torna um produto capaz de transacionar com outro produto, numa relação de troca de valor.

Significa afirmar que o produto resultado do trabalho humano, como valor de uso, não apenas assume a lógica desse valor, como também em valor de troca. Para Netto e Braz (2007), mercadoria é valor de uso, pois é resultado do trabalho, no entanto nem tudo que possui esse valor resultante do trabalho é mercadoria. Para ser mercadoria, além de poder ser reproduzida, o seu valor tem que resultar no valor de troca, ou seja, deve ser vendido. Logo, é uma unidade que sintetiza esses dois valores.

Sendo assim, todos os fatores necessários para o processo de trabalho, desde os objetos até os meios de produção e a força de trabalho, passaram a ser transacionados pelo capitalismo, sob a relação de compra e venda. Ao refletir sobre a questão da mercadoria, Lessa (2005) afirma que ela assume, na ideologia cotidiana, o estatuto ontológico da transcendentalidade. A história coloca o mercado como eterno – sendo o futuro por ele regido – e a mercadoria como “nova essência”.

Nesse contexto, em que as relações societárias se reproduzem pela produção e apropriação da mais-valia, a força de trabalho assume a função de mercadoria, como valor de troca. Para tanto, o trabalho concreto – útil, como ato do trabalho – passa a ser um elemento essencial na reprodução social desta sociedade, assegurando a sustentação da sua sociabilidade e do modelo de acumulação do modo de produção capitalista na sua condição de “trabalho abstrato”22.

O “trabalho abstrato”, para Lessa (2015; 2011), é a forma histórica que o trabalho assume sob a regência do capital. Ele é nada mais do que o dispêndio de força humana produtiva, seja física ou intelectual, determinado a fim de gerar mais valor, produção de mercadoria e valorização do capital. Sendo assim, a força de trabalho, metabolismo entre o

21 Para Netto e Braz, a categoria “práxis” denota que o ser social cria objetivações que transcendem o universo

do trabalho; pode representar ações voltadas para o controle da natureza, como influir no comportamento humano. Sendo assim, os produtos resultantes podem objetivar-se materialmente ou idealmente.

22 Para Netto e Braz (2007), em Marx, o trabalho que cria valor de uso é o “trabalho concreto” e é uma condição

necessária a qualquer sociedade. Ao criar valor de troca, a mercadoria precisa ser comparada; quando acontece a eliminação das particularidades das diversas formas de trabalho, reduzindo-se a um denominador comum, o dispêndio de energia física e psíquica, reduzida a trabalho geral, tem-se o “trabalho abstrato”.

homem e natureza, torna-se um elemento essencial de valorização do capital, que, além do trabalho, apropriou-se de outras práxis. Assim conclui o autor:

Podemos, agora, esclarecer sumariamente a distinção e a articulação entre o trabalho e o trabalho abstrato: o trabalho é o intercâmbio orgânico com a natureza, a categoria fundante do mundo dos homens. O trabalho abstrato é aquele que produz mais-valia. Como a mais-valia pode ser produzida não apenas no intercâmbio orgânico com a natureza, mas também na prestação de uma enorme gama de serviços, o trabalho abstrato é muito mais amplo que o trabalho. O trabalho abstrato inclui toda e qualquer atividade que produza mais-valia, seja ela ou não uma posição teleológica primária. (2015, p. 112).

Marx, ao tratar sobre a compra e a venda da força de trabalho, afirma que o possuidor de dinheiro teria que descobrir no mercado, no interior da circulação, uma mercadoria cujo próprio valor de uso possuísse a característica peculiar de ser fonte de valor. Essa mercadoria é a capacidade de trabalho, ou força de trabalho, entendida como “[...] o complexo das capacidades físicas e mentais que existem na corporeidade, na personalidade viva de um homem e que ele põe em movimento sempre que produz valores de uso de qualquer tipo”. (2013, p. 242).

Para Marx, o processo de consumo dessa capacidade revela duas características: os trabalhadores laboram sob o controle do capitalista a quem pertence o seu trabalho, e o produto é propriedade do capitalista, não do produtor direto. Assim expõe o autor:

Ao comprador da mercadoria pertence o uso da mercadoria, e o possuidor da força de trabalho, ao ceder seu trabalho, cede, na verdade, apenas o valor de uso por ele vendido. A partir do momento que ele entra na oficina do capitalista, o valor de uso da sua força de trabalho, portanto, seu uso, o trabalho, pertence ao capitalista. (2013, p. 262).

É nesse processo de apropriação da força de trabalho na produção mercantil capitalista que se gera a “lei do valor”, onde uma mercadoria é determinada pelo tempo de trabalho socialmente necessário contido. Essa lei, conforme Netto e Braz (2007), passou a regular as relações econômicas, principalmente por meio da concorrência do mercado; no âmbito da produção de mercadoria, ela regula a produção e a repartição do trabalho, funcionando à revelia dos homens como algo fora do seu controle.

Sob a lei do valor e da produção capitalista, os detentores dos meios de produção objetivam os seus resultados, dentre eles o lucro, como base de sustentação do próprio modelo defendido no processo da produção – e não na circulação. Objetivação essa que, conforme Marx (2013), se dá pela fórmula D-M-D’, ou seja, dinheiro (D) e mercadoria (M) resulta em

dinheiro acrescido (D’). É nessa forma de produção e reprodução que o capitalista obterá o seu resultado, extraindo da produção o excedente do trabalho, por meio da mais-valia23, como lei absoluta desse modo de produção. Para Netto e Braz (2007), a mais-valia é resultado da relação entre o trabalho necessário e o trabalho excedente. Assim expõem:

[...] ao longo da jornada de trabalho, o tempo de trabalho se desdobra em duas partes. Numa delas, o trabalhador produz o valor correspondente àquele que cobre a sua reprodução – é a esse o valor que equivale o salário que recebe; tal parte da jornada denomina-se tempo de trabalho necessário. Na outra parte, ele produz o valor excedente (mais-valia) que lhe é extraído pelo capitalista; tal parte denomina-se tempo de trabalho excedente. (2007, p. 106, grifos do autor).

É nesse contexto histórico, capitalista, de apropriação da força de trabalho, que nos deparamos com o que podemos chamar de “perversão do trabalho infantil” 24, ou seja, quando a força de trabalho de crianças e adolescentes passa a ser apropriada e se torna uma mercadoria, respondendo diretamente à necessidade de produção e reprodução da sociabilidade e lógica de acumulação capitalista.

Para tanto, pensar o trabalho infantil requer a reflexão de que nem todo trabalho é apropriado para os mecanismos de acumulação. Sabe-se que existem formas de transmissão de conhecimento que tornam necessárias ao processo de determinadas formas de continuidade da herança cultural e de sobrevivência. Por exemplo, a caça e a pesca em comunidades indígenas, onde aqueles ensinamentos na infância contribuem para a continuidade da reprodução da vida.

Concorda-se com Delma Neves (1999) quando expõe que a transmissão do patrimônio de saberes de certas profissões, seja do trabalho artesanal ou mesmo do camponês, sob a supervisão de mestres e pais, não pode ser tratada como “trabalho infantil condenado”. Para a autora, “A orientação do uso da força de trabalho, nesses casos, não responde diretamente à crescente expansão da apropriação da mais-valia e ao uso descartável de seu portador”. (NEVES, 1999, p. 11).

23 Para Marx (2013), a produção capitalista não é apenas produção de mercadoria, mas essencialmente produção

de mais-valor. Essa produção pode se dar por meio da “produção do mais valor absoluto ou mais valor relativo”. O primeiro acontece por meio “Da extensão da jornada de trabalho além do ponto em que o trabalhador teria produzido apenas o equivalente do valor da sua força de trabalho, acompanhada da apropriação desse mais trabalho pelo capital [...] base do sistema capitalista e o ponto de partida da produção do mais-valor relativo”. Sobre a produção de mais valor-relativo, “Para prolongar o mais-trabalho, o trabalho necessário é reduzido por meio de métodos que permitem produzir em menos tempo o equivalente ao salário”. (2013, p. 578). Sendo assim, o mais-valor absoluto gira apenas em torno da duração da jornada de trabalho, enquanto o mais-valor relativo revoluciona o processo técnico do trabalho e os agrupamentos sociais.

Entretanto, compreende-se que mesmo aqueles trabalhos que são considerados formas de continuidade da herança cultural e de sobrevivência também podem estar submetidos às condições de exploração; e que, mesmo não estando diretamente ligados ao processo de acumulação do capital, devem ser enfrentados, pois, ao pensar o trabalho infantil (perigoso, proibido, ilegal), estamos pensando naqueles trabalhos que, mesmo que não estejam inseridos diretamente no processo de reprodução da lógica da acumulação, utilizam-se dessa apropriação sem levar em conta o desenvolvimento físico e cognitivo do sujeito explorado – a exemplo das crianças e adolescentes que vivem no campo e têm de participar do processo de produção de alimentos, seja no plantio, na colheita ou no cuidado dos animais, bem como no trabalho doméstico, visto como “ajuda”.

Ao longo do debate sobre o trabalho infantil, é possível observar três apreciações que contribuíram para a sua discussão ao longo do século XX: a organização da classe trabalhadora em defesa das condições de trabalho – suas e dos seus filhos; a discussão sobre o que é infância; e a concorrência do mercado/força de trabalho. A primeira foi importante para dar visibilidade às condições que vivenciavam os trabalhadores e suas famílias, aos níveis de precarização e à exploração; a segunda, para gerar discussão sobre o desenvolvimento físico- cognitivo da criança, sendo feita especialmente pela medicina; e a terceira, por fim, para a inquietação com a concorrência na produção de mercadorias, o que dava aos países (ou setores) uma vantagem concorrencial na produção/circulação pelos baixos preços de produção ao mesmo tempo em que havia a preocupação em garantir a força de trabalho futura, seja pelas condições de saúde, seja pelo desenvolvimento educacional, bem como em assegurar ao exército de reserva adulto a inserção no mercado de trabalho.

Na literatura contemporânea, os estudiosos da infância têm se debruçado para entender a sua dinâmica a partir da relação com a pobreza e a cultura de determinados grupos ou regiões, além da defesa da possibilidade de sua erradicação a partir de ações do Estado ou mesmo da sociedade civil. Esse discurso analisa o imediato, sem compreender o fundante que leva a essa contradição, que tem como base as relações sociais capitalistas e as suas sociabilidades.

Não se descarta a influência direta do fator “pobreza”, que, conforme aborda Wendhausen (2006), seria um dos principais agentes que contribuem para a exploração do trabalho infantil. No entanto, mesmo que se entenda a influência desse fator, não se pode pensá-lo de forma isolada; a limitação ou fragmentação dos fatores pode levar a uma visão que não questiona a realidade, ou mesmo impede de pensarmos a partir da totalidade. Por isso, é necessário compreender a partir das contradições sociais da própria sociedade

capitalista, dentro de um processo sociometabólico que produz essas condições, necessárias à sua manutenção, enquanto uma expressão da questão social; entre elas, o pauperismo da classe trabalhadora; os rebaixamentos salariais do trabalho adulto; a necessidade do capital em explorar a força de trabalho a preços menores.

As leituras fragmentadas ora responsabilizam os sujeitos (família), ora naturalizam essas relações, como é possível observar nesta citação: “Retorno a questão do trabalho infantil, propondo ser este uma forma cultural que coletivamente se impõem às crianças das camadas populares a partir dos 7 anos. Neste sentido, ele é obrigatório por ser uma prática cotidiana coletiva”. (DAUSTER, 1992, p. 33). São essas análises que acabam naturalizando essa realidade, não questionando, por exemplo: quem impõe essa realidade? Por que essa imposição é apenas nas camadas populares? Por que essa prática se tornou cotidiana a esta classe social?

Uma análise crítica dessa realidade impede que caiamos na leitura pragmática ou mesmo simplista, como se observa na análise de Almeida Neto (2007) quando conceitua o trabalho infantil como “roubo da infância”, e que esse ato acontece independentemente do segmento social; para ele, as novas mediações rompem fronteiras e o trabalho infantil é agora extensivo a toda criança. Essa é uma leitura que não analisa os fenômenos que perpassam a questão de classe, querendo acreditar que trabalho e infância são realidades de qualquer criança, independentemente de condições sociais; ou seja, acredita que a criança em condição de pauperismo, filha do trabalhador, e a criança “abastada”, filha da burguesia, podem ser exploradas da mesma forma nesse processo, como é exposto na citação abaixo:

Há o emprego infantil percebido enquanto troca de trabalho (sobretudo de força física) por dinheiro, por comida, por sobrevivência e subsistência. Há outros empregos aparentemente menos violentos, menos perversos do que os citados anteriormente, como o das crianças vendedoras de jornais, dos ambulantes, o trabalho doméstico, entre outros. Há também o trabalho da criança “abastada” que, apesar de trabalho infantil, assume outra dimensão, principalmente no que diz respeito à sua aceitação pela sociedade. É o caso da criança que tem seu tempo tomado pelas aulas de línguas, de danças, de atividades esportivas, de informática, entre outras atividades. Esta prática também aborta a infância, roubando-lhe precioso tempo livre e de brincadeiras, forma pela qual a criança se prepara para o mundo adulto. (2007, p. 11-12).

A leitura desse autor equivoca-se ao comparar ações incomparáveis, como, por exemplo, o trabalho doméstico e aulas de inglês, ao mesmo tempo que relativiza formas de trabalho infantil da classe subalternizada e pauperizada, como o trabalho de vendedores de jornais e ambulantes. No entanto, é uma reflexão que expõe a realidade das “infâncias”:

enquanto uma está na rua, inserida em trabalhos perigosos e insalubres, a outra infância está ocupando espaços de formação, lazer e cultura, e não de trabalho infantil, como aponta o autor.

Pensar a inserção do trabalho de crianças e adolescentes é pensar as condições próprias da sociedade capitalista como algo inerente a esse modelo, de forma a permitir sair das aparências da questão da pobreza, da cultura, e entender a partir da totalidade, pois essa realidade de exploração tem classe social, e não é a burguesia; ao revés, ela é responsável pela exploração.

Para Martins (1993), a supressão da infância não é temporária, e sua força de trabalho contribui para o processo de ampliação do exército de reserva, que torna as crianças descartáveis e sem esperança, parcelas amplas da humanidade. Isso ocorre de tal modo que “A criança absorvida, já como mão-de-obra excedente, pelo mercado de trabalho, tem o seu destino inteiramente submetido ao processo de reprodução do capital e da sociedade”. (1993, p. 16).

A apropriação da força de trabalho infantil é mediada pelos contextos que alteram a própria conformação no processo de produção e reprodução, principalmente quando a mercadoria e a mais-valia passam a dar sentido às relações de trabalho – abstrato –, quando a produção sai do artesanal para as manufaturas, quando o trabalho sai dos espaços artesanais da produção para ocupar a grande fábrica, quando a produção de alimentos tinha como base a manutenção da família e a troca para a produção (meios) concentrada nas mãos de poucos. Ou seja, quando a força de trabalho passa a ser subsumida de maneira formal e real, em uma relação de compra e venda, como mercadoria.

Na relação social capitalista – capital/trabalho –, o que domina é a produção. Não obstante, o operário surge no mercado sempre como vendedor e o capitalista, por sua vez, como comprador, em uma relação de subordinação do processo de trabalho. Para Marx (1978), o processo de trabalho se converte em instrumento de processo de valorização do processo de autovalorização do capital – da extração de mais-valia. Ele passa a ser subsumido