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Capítulo III. As Transformações do espaço urbano promovidas pelas ações do poder

3.3. O trabalho técnico social com as famílias

O trabalho técnico social realizado pela equipe da CDHU foi fundamental para a viabilização do projeto da Companhia42. A equipe técnica social desenvolvia ações com os moradores para minimizar os transtornos que as obras de urbanização acarretavam. O desenvolvimento do projeto envolve questões de ordem técnica - que permite a conclusão da obra – e questões sociais – para possibilitar, na medida do possível, condições para a Companhia desenvolver seu projeto. O objetivo de evitar ou minimizar os conflitos acabou acontecendo, pois, a realidade se sobrepõe às intenções dos planejadores, principalmente em relação à remoção de moradores, não aceita por muitos deles. De todo modo, a equipe responsável pelo trabalho técnico social fez as mediações possíveis juntamente com as associações de moradores para que a Companhia aceitasse a proposta de permuta, as chamadas trocas definitivas.

Para a viabilização de projetos de moradia de forma a atender às necessidades dos moradores é fundamental o envolvimento dos mesmos. São eles que, de fato, sabem o que necessitam. Dessa forma, o projeto a ser executado deve

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O tempo em que as famílias ficaram recebendo o Auxílio Moradia não ultrapassou o período de 2 anos, tempo compreendido entre o início do projeto e a liberação para a mudança após a finalização das obras.

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O trabalho social com as famílias atendidas por projetos de Habitação de Interesse Social é componente estratégico e obrigatório, envolvendo ações que devem ser iniciadas antes das obras e que tenham continuidade após a urbanização e a mudança das famílias. Desta forma, possibilita suportes para a viabilidade das obras como também para os moradores.

estar aberto às contribuições dos moradores na busca das melhorias nas condições de vida dos mesmos, de acordo com as suas propostas.

Como frisamos, em geral, a realização de obras causam transtornos aos moradores, a exemplo das obras de drenagem e de rede de esgoto. Os moradores depararam-se com ruas interditadas, dificuldades de acessibilidade, mesmo para os pedestres, enfim, problemas inúmeros. A equipe técnica social trabalhou no sentido de conseguir a compreensão de todos, partindo do princípio que se tratava de situação momentânea para a melhoria das condições de vida, como o que ocorre com as obras de saneamento básico, que possibilitam a substituição das fossas sépticas pela rede de esgoto.

Na política habitacional estabelecida pelo Ministério das Cidades (MCCIDADES, 08/2009), o trabalho social na urbanização de assentamentos precários consiste em um conjunto de ações para promover a autonomia, o protagonismo social e o desenvolvimento da população atendida, de forma a favorecer a sustentabilidade do empreendimento, mediante a contemplação dos seguintes aspectos: mobilização e organização comunitária, educação sanitária e ambiental e geração de trabalho e renda. Entendemos assim, que um projeto social se viabiliza quando os itens mencionados acima são contemplados.

Entretanto, na prática muitas vezes estas ações preconizadas nos documentos oficiais não são contempladas. Uma equipe multidisciplinar composta por assistentes sociais, geógrafos, sociólogos, psicólogos, professores, dentre outros, passaram a atuar na comunidade desenvolvendo as ações sociais previstas pela CDHU. Foram realizadas oficinas temáticas, cursos de capacitação profissionais, vistorias, palestras e reuniões que visavam alcançar os preceitos apontados pelo Ministério das Cidades, mas também e, primeiramente, a mediação de conflitos para o bom andamento das obras.

Acompanhamos este trabalho bem de perto, pois no início do projeto (2009), fazíamos parte da equipe que realizava os primeiros contatos com os moradores para acompanhamento das intervenções e para a elaboração das atividades sociais. Mesmo considerando que alguns técnicos quisessem colaborar, de fato, na concretização de uma proposta emancipatória, todas as atividades definidas pela CDHU, visavam estabelecer laços de amizade para facilitar o envolvimento dos moradores na execução do projeto da Companhia.

Dentre as atividades previstas destacamos as ações que, do ponto de vista técnico, possibilitaram a viabilização da urbanização, principalmente por que algumas destas ações foram estratégicas para a mediação de conflitos, como por exemplo, o plantão social. A equipe técnica social atendia diariamente os moradores, em um escritório situado no local, para o esclarecimento de dúvidas, encaminhando reclamações e monitorando as resoluções de problemas do cotidiano do lugar.

Outra atividade importante para a mediação dos conflitos e a viabilização do projeto da CDHU foi a difusão de informações em reuniões realizadas nos núcleos para esclarecimentos sobre o andamento das obras. Além disso, a equipe técnica social, sempre que considerou necessário, realizou visitas domiciliares atendendo aos objetivos da CDHU, mas, também, na tentativa de resolução de problemas que iam surgindo no cotidiano dos moradores.

Com isso, entendemos haver uma contradição entre os preceitos do trabalho técnico social idealizado pelo Ministério das Cidades e a sua prática realizada pela Companhia. Por mais que os técnicos tivessem intenções de contribuir na construção de autonomia das famílias e de participação nas lutas por seus direitos, o trabalho principal era realizar ações que respaldassem a concretização e sustentabilidade do projeto urbanístico da Companhia para a qual trabalhavam.

Do ponto de vista social, entendemos que para a viabilização do projeto outro fato foi fundamental. Referimo-nos à participação das associações de moradores, que através de suas representantes acompanharam as atividades sociais e cobravam da Companhia a qualidade dos serviços realizados e, ao mesmo tempo, ajudaram a CDHU, convencendo os moradores a aderir ao projeto governamental, dando suporte para a sua manutenção.

Neste sentido, ocorreram conflitos relacionados à colaboração das associações de moradores com o poder público. Foram situações que fizeram com que a luta social perdesse sua autonomia, com a cooptação, de alguma forma, de integrantes das associações pelo poder público, possibilitando a “pacificação” e a articulação de ações visando a realização de projetos de acordo com interesses governamentais.

Analisando esta possibilidade de aparelhamento das associações, Bega dos Santos ressalta a importância de se trabalhar com o poder público, mantendo o

distanciamento adequado para que as associações comunitárias não percam a autonomia conquistada e as experiências das lutas sociais do passado. Nos dias de hoje, “procura-se relativizar o conceito de autonomia, no sentido de, avançar nas conquistas, saber distinguir o limite entre ‘compactuar’ e ‘atuar’ conjuntamente de forma crítica”. (2008, p.150)

Neste sentido, existem dilemas neste processo, a referida autora destaca que é muito difícil a construção de um espaço político como espaço público que não seja dissolvido e absorvido pelo Estado, tal como tem acontecido na história brasileira. Entendemos que estas contradições estiveram presentes, durante as ações desencadeadas no cotidiano das obras de urbanização pela Companhia e pelas associações de moradores.

Em anexo I, segue documentação fotográfica de algumas ações realizadas através do trabalho técnico social.