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O uso da abordagem qualitativa nas pesquisas educacionais brasileiras

ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS, CENÁRIOS E SUJEITOS DA PESQUISA

2.1 DISCUSSÕES SOBRE TEORIA E MÉTODO: ABORDAGEM QUALITATIVA E ANÁLISE DE CONTEÚDO

2.1.2 O uso da abordagem qualitativa nas pesquisas educacionais brasileiras

No que diz respeito às pesquisas educacionais no Brasil, é possível afirmar que elas passaram a ter um caráter mais sistemático e regular a partir da década de 1930, com a criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP).53 Os primeiros estudos realizados nas duas décadas posteriores foram marcados por uma abordagem psicopedagógica, preocupada com o desenvolvimento psicológico de crianças e adolescentes, com os processos de ensino e com a criação de instrumentos que mensurassem a aprendizagem (GOUVEIA, 1971-1976, apud GATTI, 2001, p. 66).

Outro marco para o fomento das pesquisas educacionais no país foi a criação, na década de 1950, do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e dos Centros Regionais de Pesquisa54, sediados na Bahia, São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Vinculados ao

MEC e ao INEP, esses centros constituíram-se em um ambiente onde “[...] a construção do pensamento educacional brasileiro, mediante pesquisa sistemática, encontrou espaço

53 A fundação do INEP ocorreu em 30 de julho de 1938 pela Lei Federal nº. 580.

54 O Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e os Centros Regionais foram instituídos por meio do Decreto

específico de produção, formação e estímulo” (GATTI, 2001, p. 66), uma vez que a pesquisa universitária era escassa e produzida, na maioria das vezes, de forma isolada.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o processo de redemocratização, o país viveu um momento de “[...] efervescência social e cultural, inclusive com grande expansão da escolaridade da população nas primeiras séries do nível fundamental, em razão da ampliação de oportunidades em escolas públicas” (GATTI, 2001, p. 67). Em função desse contexto, em meados de 1950 o foco das pesquisas se voltou para questões culturais e para o desenvolvimento social do Brasil, implicando, para as pesquisas educacionais, numa maior atenção na “[...] relação entre o sistema escolar e certos aspetos da sociedade” (GATTI, 2001, p. 67).

Gatti (2001, p. 66) lembra que, somente com a implantação dos cursos de pós- graduação stricto sensu na década de 1960 e com a

intensificação dos programas de formação no exterior e a reabsorção do pessoal aí formado, que se acelerou o desenvolvimento da área de pesquisa no país, transferindo-se o foco de produção e de formação de quadros para as universidades.

Concomitante ao fortalecimento dos programas de pós-graduação das instituições de nível superior, os Centos Regionais de Pesquisa foram fechados e os investimentos passaram a ser dirigidos àqueles programas.

Com a ascensão dos militares ao poder e sua política desenvolvimentista, as pesquisas do final da década de 1960 passaram a refletir o novo direcionamento. Os objetos mais contemplados nos estudos passaram a ser de natureza econômica, com enfoques na profissionalização, tecnologia, planejamento de custos, eficiência, investimentos em educação, entre outros.

Nos anos de 1970, houve uma ampliação nos temas de pesquisa e uma atenção mais equânime às problemáticas que passaram a contemplar:

[...] currículos, caracterizações de redes e recursos educativos, avaliação de programas, relações entre educação e profissionalização, características de alunos, famílias e ambientes de que provêm, nutrição e aprendizagem, validação e crítica de instrumentos de diagnóstico e avaliação, estratégias de ensino, entre outros (GATTI, 2001, p. 67).

As mudanças também ocorreram em termos metodológicos. Métodos quantitativos e qualitativos mais sofisticados de análise e um referencial teórico mais crítico começaram a ser

utilizados. Contudo, as pesquisas do período ainda estavam fortemente atreladas aos órgãos governamentais – muitas vezes financiadas por organismos internacionais –, terminando por refletir tal dependência, uma vez que a maioria continuava pautada em abordagens tecnicistas, com forte apelo às taxonomias e operacionalização de variáveis mensuráveis.

Com a gradual redemocratização nos anos de 1980, as pesquisas incorporaram mais profundamente críticas sociais, e as teorias de inspiração marxistas passaram a predominar. Segundo André (2006, p. 16), os estudos passaram das “[...] variáveis de contexto e seu impacto no desempenho dos sujeitos” para aspectos que priorizavam os processos, começando a enfocar fatores intraescolares como

[...] o currículo, as interações sociais na escola, as formas de organização do trabalho pedagógico, a aprendizagem da leitura e da escrita, a disciplina e a avaliação. O exame de questões gerais, quase universais, vai dando lugar a análises de problemáticas locais, investigadas em seu contexto específico (ANDRÉ, 2006, p. 16).

A partir desse período, também ocorreu uma aproximação maior com outras ciências, notadamente com História, Filosofia, Sociologia e Antropologia, em detrimento da Psicologia, até então predominante nas pesquisas, encetada pela visão de que as questões educacionais precisavam ser compreendidas segundo perspectivas diversificadas.

Acompanhando as mudanças nas pesquisas educacionais, naquele momento a abordagem qualitativa tornou-se popular entre os pesquisadores desse campo, inclusive no Brasil. Segundo André, é nesse momento que

ganham força os estudos “qualitativos”, que englobam um conjunto heterogêneo de métodos, de técnicas e de análises, entre os quais estão os estudos antropológicos e etnográficos, as pesquisas participantes, os estudos de caso, a pesquisa-ação e as análises de discurso, de narrativas, de histórias de vida (ANDRÉ, 2006, p. 16, grifo do autor).

As décadas seguintes assistem à expansão e consolidação das pesquisas educacionais no país, fortalecimento de grupos de investigação e programas de pós-graduação, cujos estudos contemplavam as mais variadas temáticas, problemas, fontes, aportes teóricos e metodológicos. Entre alguns dos temas, Gatti (2001, p. 68-69) destaca:

[...] alfabetização e linguagem, aprendizagem escolar, formação de professores, ensino e currículos, educação infantil, fundamental e média, educação de jovens e adultos, ensino superior, gestão escolar, avaliação

educacional, história da educação, políticas educacionais, trabalho e educação.

Apesar das boas perspectivas, a autora lembra que o campo ainda evidenciava problemas, particularmente no que respeita à elaboração teórica pouco consistente, que muitas vezes não abarcava a complexidade das questões educacionais tanto internas quanto externas ao universo escolar e procedimentos de coleta e análise de dados, o que, segundo seu ponto de vista, desnivela a qualidade da produção, deixando em aberto esses problemas.