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O USO DA REPRESENTAÇÃO E DA APROPRIAÇÃO NA HISTORIOGRAFIA

2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

2.3 O USO DA REPRESENTAÇÃO E DA APROPRIAÇÃO NA HISTORIOGRAFIA

Além da visão de Chervel sobre as disciplinas escolares, são de grande importância as propostas dos historiadores Roger Chartier e regras, Michel De Certeau, cujas reflexões na área da educação, trazem os conceitos de materialidade, representação e apropriação. Porém, na nossa pesquisa trabalhamos com o conceito da representação e também da apropriação.

Para a análise das fontes de pesquisa aqui utilizadas, fazem-se necessárias as noções de representação e de apropriação. Cabe, então, trazer os estudos de Roger Chartier, no que tange às lutas de representação. Assim afirma Chartier que:

As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas. Por isso esta investigação sobre as representações supõe-nas como estando sempre colocadas num campo de concorrências e de competições cujos desafios se enunciam em termos de poder e de dominação. As lutas de representações têm tanta

importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio (CHARTIER, 1990, p. 17).

E, ainda, segundo o referido autor (1991, p. 182), ―não há texto fora do suporte que lhe permite ser lido (ou ouvido) e que não há compreensão de um escrito, qualquer que seja, que não dependa das formas pelas quais atinge o leitor‖.

Um dos conceitos mais importante para o historiador Roger Chartier é a noção de representação que utiliza "[...] quando pretendem compreender o funcionamento da sua sociedade ou definir as operações intelectuais que permitem apreender o mundo. [...] a pedra angular de uma abordagem a nível da história cultural‖ (CHARTIER, 1990, p. 23).

Para Chartier (1990, p. 17), as representações são

[...] esquemas intelectuais incorporados que criam figuras graças às quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado. As representações do mundo social assim construída, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam.

Para Chartier (1990, p. 19) ―a função simbólica [...] informa as diferentes modalidades de apreensão do real, quer opere por meio dos signos linguísticos, das figuras mitológicas e da religião, ou dos conceitos do conhecimento científico‖. Ainda segundo o autor, um dos sentidos da representação é ver algo que não está presente, o que julga uma distinção certa entre o que representa e o que é representado.

Para ele, ―a representação é instrumento de um conhecimento mediato que faz ver um objeto ausente através da sua substituição por uma ‗imagem‘ capaz de o reconstituir em memória e de o figurar tal como ele é‖ (CHATIER, 1990, p.20).

Exemplo dado pelo autor são os manequins de cera, de madeira ou de couro que representavam a figura da pessoa mortal do rei sobre o esquife real ou cobrir com lençol funerário o leito vazio que sem usar de palavras já poderia entender a situação de perda. Ou seja, a representação é a apresentação pública de algo ou alguém que não está ou não existe mais.

Ao indagar o que seja representação, Chartier afirma que a representação está baseada na articulação entre

[...] três modalidades de relação com o mundo social: em primeiro lugar, o trabalho de classificação e de delimitação que produz as configurações intelectuais múltiplas, através das quais a realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes grupos; seguidamente, as práticas que visam fazer reconhecer uma identidade social,

exibir uma maneira própria de estar no mundo, significar simbolicamente um estatuto e uma posição; por fim, as formas institucionalizadas e objetivadas graças às quais uns ―representantes‖ (instâncias coletivas ou pessoas singulares) marcam de forma visível e perpetuada a existência do grupo, da classe ou da comunidade (CHARTIER, 1990, p. 23).

Logo, a história de uma disciplina escolar necessita utilizar diferentes fontes as quais permitem que as representações sejam reconstituídas e assim chegar a um desfecho, ou seja, poderão ser apontadas dentro de um projeto pedagógico da escola diferentes situações de mudanças, de estagnação ou até de extinção de uma disciplina.

Conforme a perspectiva do historiador da educação Roger Chartier (1991), outro conceito importante para um estudo baseado na história cultural, e também muito relevante para o trabalho proposto, é sobre a apropriação. E a noção de apropriação é tratada e enfatiza a multiplicidade de interpretações, de usos e de liberdade criadora dos sujeitos em contato com textos, leis e normas.

Para este autor, a apropriação ―tem por objetivo uma história social das interpretações, remetidas para as suas determinações fundamentais (que são sociais, institucionais, culturais) e inscritas nas práticas específicas que as produzem‖ (CHARTIER, 1990, p.26).

A apropriação também é entendida como práticas que ressignificam ideias, que criam interpretações; que produzem formas de usos das ideias. Caracteriza-se nas práticas que constroem sentidos; ―[...] daí o reconhecimento das práticas de apropriação cultural como formas diferenciadas de interpretação‖ (CHARTIER, 1990, p. 28).

Assim, os conceitos principalmente de representação e apropriação constituirão, para Chartier, os elementos fundamentais dos estudos que pretendem tratar de uma História Cultural.

E nessa intenção de reconstituir a escola primária brasileira republicana, incluindo a escola mato-grossense, é que também contamos com a ajuda em âmbito local, de um lugar privilegiado denominado arquivo, que contém materiais que ajudam muito na busca de fontes para a pesquisa na História da Educação Matemática brasileira.