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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.3 GRUPO: ESPAÇO PROPÍCIO DE CRIAÇÃO DE CORRESPONSABILIDADES

2.3.3 O Uso das Práticas Grupais nas Ações de Saúde

Estudos relatam o uso dos grupos em atividades de educação em saúde, entre eles o trabalho de Torres, Hortale e Schall (2003), desenvolvido com portadores de diabetes. Os resultados revelaram que o uso dessa técnica permitiu que o conhecimento fosse construído de uma forma inovadora. Na opinião dos profissionais, possibilitou a maior relação com o usuário e a troca de experiências comuns, que auxiliaram no entendimento da doença. Outro estudo também cita os benefícios do grupo na compreensão do processo saúde-doença. O trabalho mostrou o desenvolvimento de diálogos entre os portadores de doenças crônicas e a valorização e legitimação de que significados e saberes desenvolvidos a partir das vivências pessoais e coletivas podem contribuir em mudanças nas concepções sobre o processo saúde-doença entre seus participantes (FAVORETO; CABRAL, 2009).

Outros benefícios do grupo encontrados na literatura foram: espaço de troca, onde as angústias, os medos e as ansiedades foram compartilhados, bem como a troca de experiências (PAULO SILVA; ROTEMBERG; VIANNA, 2004). Outra pesquisa sobre o tema revelou a diminuição dos índices de glicemia capilar, níveis pressóricos e demanda por consulta médica (SILVA, et al, 2006).

Maffacciolli e Lopes (2005) citam que na atividade de grupo os participantes se surpreendiam diante de suas aptidões nos momentos de interação com o grupo.

Os grupos representam um espaço de educação em saúde como uma fonte de estímulo à organização local, pois facilitam o exercício da cidadania, através de projetos comunitários. Constituem uma alternativa para que as pessoas retomem seus papéis sociais e/ou outras atividades de ocupação de tempo livre (...) e o relacionamento interpessoal e social (GARCIA, et al, 2006, p.181).

Em todos esses estudos, percebe-se a participação ativa dos usuários nas atividades e o quanto isso produz uma nova forma de aprender não só aspectos relacionados a doenças, mas relacionados à vida de modo geral. Importante salientar

que nesses momentos os participantes descobrem potencialidades particulares até então desconhecidas e isso, sem dúvida, desperta um alto poder de transformação.

Os sujeitos que convivem com o processo de cronicidade, em geral, além de terem que lidar com as mudanças implicadas pela doença, vivenciam uma série de sentimentos, tais como raiva, negação, agressividade, entre outros. Deste modo, a inserção deste grupo populacional em trabalhos de grupos é fundamental.

Apesar da importância e do incentivo do MS para a inserção de grupos na atenção às pessoas com doenças crônicas, nem todos os serviços de saúde se encontram preparados para atuar nessa lógica.

Os grupos atualmente passam por dois momentos: o de desvalorização e o de descaracterização. No primeiro, o grupo aparece muitas vezes como uma alternativa de tratamento mais barata e, portanto, julgada como menos eficaz. Ou seja, seria o tipo de recurso adequado apenas para aqueles que possuem poucos recursos financeiros. Outro argumento citado para a pouca valorização dos grupos é que essa é uma técnica do passado, muito utilizada nas décadas de 1960 e 1970, mas que hoje não se aplica mais, pois nas décadas de 80/90 observou-se um decréscimo de oferta de espaços terapêuticos grupais e pouca motivação para as práticas grupais nos serviços de saúde (BARROS, 2007).

Diante disso, poder-se-ia questionar: por que a procura por grupos atualmente ainda é baixa? Será que os serviços de saúde oferecem espaço para esse tipo de atividade? Ou na verdade só não há demanda pela falta de oferta?

Esses questionamentos são corroborados por Barros (2007, p.275):

Se entendermos que a demanda é sempre produzida, é histórica, ao invés de naturalizarmos, simplesmente afirmando que antes as pessoas procuravam os grupos e hoje já não o fazem mais porque não precisam ou não querem mais esta opção terapêutica, vale perguntar pelos modos como têm sido – e se, efetivamente, têm sido – feitas as ofertas, pelos serviços e/ou terapeutas.

Outro momento pelo qual o grupo passa é o de descaracterização. Pereira (2007) relata a realização de uma atividade de grupo sobre planejamento familiar que

não evoluiu em decorrência de se basearem na concepção bancária de educação em saúde, isto é, de transmissão de conhecimento técnico, sem interagir com o saber popular, em que as demandas eram geradas pelos profissionais e não pelos participantes.

As atividades de grupo de educação em saúde para pessoas hipertensas e diabéticas são um retrato do quanto a palavra grupo e até mesmo a expressão educação em saúde estão sendo mal empregadas. Um exemplo é retratado no estudo de Mello, Santos e Trezza (2005), em que os profissionais de saúde encaram a educação em saúde enquanto um momento de transmissão de informações e orientações realizadas por meio de palestras.

No estudo de Sales (2008), o próprio trabalhador de saúde reconhece que sua ação de educação em saúde é realizada de forma forçada e que não agrada nem a ele próprio e nem a quem escuta. O autor acrescenta que há entre a população e os profissionais uma falta de diálogo, que acaba por criar um desgaste, gerando um sentimento de negatividade tanto entre os profissionais quanto entre os usuários.

É preciso salientar novamente que a interação entre profissionais e usuários é fundamental nos trabalhos de grupo e, sobretudo, quando se pretende desenvolver ações de educação em saúde. Logo, ao analisar essas situações percebe-se que, apesar de os trabalhadores utilizarem os termos grupo e educação em saúde, na verdade não significa que essas práticas, de fato, estejam ocorrendo.

É o que Merhy (2005) discute em ‘engravidando as palavras’, ao afirmar que as palavras por si só não são portadoras de sentidos e significados e são os sujeitos que lhes devem atribuir esses quesitos. Ao se reconhecer que são os sujeitos que engravidam as palavras, é possível olhar para o próprio processo de inseminação e se colocar o desafio de ir atrás de novas possibilidades, de novas formas de agir em saúde.

Diante disso, é fundamental que os grupos de educação em saúde sejam incorporados às práticas de saúde para a produção de sujeitos corresponsáveis. Contudo, sabe-se que para tal incorporação muitos desafios se apresentam e é

imperativo conhecer a forma como os grupos se organizam e seus propósitos para a construção de caminhos que contribuam para a efetivação dos grupos como espaço de construção de corresponsabilidades.

CAPÍTULO 3