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1 INTRODUÇÃO

3.1 A AGRICULTURA MODERNA

3.1.1 O uso indiscriminado de químicos

Somente na última década, conforme os dados do PNUMA159, a taxa de produção de químicos nos países integrantes do BRIC160 excedeu de maneira significativa a dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Durante este período, a produção da China cresceu a uma média anual de 24%, em contraposição aos 5% dos Estados Unidos.161 As projeções indicam assim que, em 2020, os países em desenvolvimento serão responsáveis por 31% da produção global de químicos.162

Neste âmbito, o Brasil configurou-se nos últimos anos como um dos maiores consumidores de químicos do mundo. De acordo com os Indicadores Agropecuários da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), no ano de 2010, o número de fertilizantes entregues ao consumidor chegou a 24,5 milhões de toneladas, ultrapassando a marca de 22,4 milhões referente ao ano de 2009. 163 Da mesma

maneira, o consumo médio de agrotóxicos, tendo por referencial a área plantada, aumentou de “10,5 litros por hectare (l/ha) em 2002, para 12,0 l/ha em 2011”.164

É de conhecimento que o uso indiscriminado de fertilizantes e outros químicos podem conduzir a uma significante poluição do ar, da água e dos solos, colocando em risco ecossistemas terrestres e marinhos, e a saúde humana.165 Os

consumidores e trabalhadores são assim expostos a estes venenos, de maneira

difusa e indeterminada, “uma vez que de modo geral estão presentes na

alimentação da população e no ambiente de trabalho do agricultor”.166

159 [UNEP] UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. Global chemicals outlook: Towards sound management of chemicals: Synthesis report for decision-makers. [S.l.], 2012a. Disponível em: <http://www.unep.org/pdf/GCO_Synthesis%20Report_CBDTIE_UNEP_September5_2012.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2014. p. 14.

160 Grupo formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. 161 UNEP, 2012a, p. 14.

162 UNEP, 2012a, p. 14.

163 BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Estatísticas do meio rural 2010-2011. São Paulo: DIEESE;NEAD;MDA, 2011. Disponível em: <http://www.fbes.org.br/biblioteca22/Estatistica_meio_rural_2010-2011_excede.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2014. p. 247.

164 BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica. Brasil agroecológico: Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. Brasília, 2013a. Relatório. p. 26.

165 FAO, 2013, p. 201.

Nesse sentido, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), objetivando alertar as autoridades públicas para a construção de políticas voltadas à proteção e promoção da saúde humana e dos ecossistemas impactados pelos agrotóxicos, lançou no ano de 2012 um dossiê sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde, no Brasil. O dossiê foi lançado em três partes: a primeira [Agrotóxicos, Segurança Alimentar e Nutricional e Saúde] durante a Conferência Internacional World Nutrition167 em março, a segunda [Agrotóxicos, Saúde e Sustentabilidade] na Cúpula dos Povos168 em junho, e a terceira [Agrotóxicos, Conhecimento e Cidadania] no X Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva169 em novembro.

Pautados em pesquisas científicas e estatísticas, os documentos alertam para a contaminação da água de consumo humano, da chuva e do leite materno por agrotóxicos;170 para os resíduos de agrotóxicos em alimentos, os quais podem influenciar no surgimento de doenças tais como cânceres, distúrbios endócrinos, neurológicos e mentais;171 e para uma série de outras problemáticas relacionadas ao emprego destas variedades. Igualmente, reforçam os debates relacionados à economia, política, ciência, cidadania, organismos geneticamente modificados, embalagens e à Agroecologia.

Já na esfera internacional, em cinco de setembro de 2012 foi lançado o relatório intitulado Panorama Global de Químicos: Em busca de um manejo adequado de químicos, pelo PNUMA. Este documento, destinado aos tomadores de decisões, realiza uma análise das tendências globais dos químicos e suas implicações de ordem econômica, traçando um quadro das abordagens mais efetivas para cumprir os compromissos assumidos internacionalmente pelos Estados.172

Enaltece-se que o maior uso de químicos no mundo é representado pelas substâncias utilizadas na agricultura, tais como os fertilizantes e pesticidas173, cujo emprego indiscriminado relaciona-se com riscos concretos ao meio ambiente e à

167 O World Nutrition Rio 2012 foi realizado entre os dias 27 a 30 de abril de 2012, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com o tema Conhecimento, Política e Ação.

168 A Cúpula dos Povos, evento paralelo à Rio +20 e organizado pela sociedade civil, foi realizado entre os dias 15 e 22 de junho na cidade do Rio de Janeiro. Este evento será mais bem abordado no capítulo quatro, referente à sustentabilidade.

169 O X Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva foi realizado na cidade de Porto Alegre, pela ABRASCO, com o tema Conhecimento e Cidadania.

170 ABRASCO, 2012a, p. 32-39. 171 ABRASCO, 2012a, p. 20 e 23. 172 UNEP, 2012a.

saúde humana, que se manifestam na forma de doenças crônicas, respiratórias e danos aos sistemas cardiovascular, imunológico, respiratório e nervoso.174

O Panorama demonstra que os resultados das convenções internacionais e da atuação dos governos e empresas no sentido de desenvolver forças para o manejo seguro e saudável dos químicos foram, em sua grande maioria, insuficientes.175 Vários governos nacionais estabeleceram estruturas institucionais e promulgaram leis objetivando gerenciar os riscos oriundos do crescente número de químicos.176 Entretanto, as cadeias de abastecimento cada vez mais longas e complexas e o fluxo de resíduos, aliados à grande complexidade e variedade destes compostos, resultam em inconsistências, lacunas e lapsos nas políticas governamentais e internacionais, bem como nas práticas corporativas.177

Pontua, dessa maneira, que a transição para a produção, descarte e uso sustentável de produtos químicos poderá beneficiar economicamente os Estados; concedendo ênfase a uma necessária ação coordenada entre os governos e as indústrias com o fito de reduzir os crescentes riscos à saúde humana e ao meio ambiente.178

Constata-se que tais considerações denotam a fragilidade de pelo menos duas das práticas que constituem a “coluna vertebral” da agricultura moderna, a saber, a aplicação de fertilizantes inorgânicos e o controle químico de pragas; bem como a articulação de um movimento, em âmbito internacional e nacional, em prol de padrões mais sustentáveis de produção.