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O VÍNCULO DA PRÁXIS COM A METODOLOGIA DA PROBLEMATIZAÇÃO

orientação da MP, a relação ação-reflexão-ação e o desenvolvimento da práxis. Para entender melhor a tríade ação-reflexão-ação, Freire (1998) traz suas contribuições para a metodologia da problematização em uma atitude educativa de

ação (saber agir diante da situação-problema), reflexão (pensar criticamente) e ação

(aplicar ações que possam transformar a realidade), e propõe em suas afirmações que a educação deve voltar-se para a transformação da realidade e que o aluno só aprende quando se envolve profundamente com a situação.

Sendo a MP uma metodologia que visa à transformação da realidade, verifica- se, de forma inegável, a relação entre a MP e a práxis. Nessa relação, Sánchez Vázquez (1977) define que práxis é uma atividade consciente e intencionalmente transformadora. Empregada pelos gregos na antiguidade, práxis é a ação propriamente dita, ou prática, mas que passou por vezes a um único significado, o de simples prática. Conforme o autor, práxis designa a atividade da consciência humana que produz objeto, mas não tem caráter apenas utilitário, é categoria central

da filosofia, não só como interpretação do mundo, mas, principalmente, como caminho para a transformação da realidade. Portanto, práxis não é somente a simples prática, antes de tudo, é preciso chegar a uma consciência da práxis, para, então, partir para o envolvimento da prática e a transformação do mundo.

A partir do pensamento marxista, dentro da Filosofia da Práxis, Vázquez e Freire salientam que é preciso se apropriar da intenção de transformar a realidade, de forma reflexiva e consciente. Vale a pena ressaltar Gramsci (1978) ao comentar sobre filosofia da práxis e o senso comum, como uma atitude polêmica e crítica, na busca pela superação do pensamento concreto existente. A crítica é uma característica bem-vinda e essencial na práxis. A propensão da filosofia da práxis é conduzir o sujeito a uma concepção superior da vida e não tender a mantê-lo no senso comum.

Esses entendimentos sobre práxis não estão isentos das relações com os profissionais da educação, ou seja, os docentes. Por isso, Berbel (2007) indaga: “Qual a importância do entendimento do conceito de práxis e da própria práxis como atividade transformadora para o professor?” E, aguçando outras reflexões para essa pesquisa, pergunta-se: Será que o docente de Enfermagem sabe desenvolver sua práxis com uma metodologia que visa à transformação da realidade? Como este docente enfrenta as questões da realidade e a necessidade de conscientização profissional para o plano da práxis? Ainda permanece a distância entre o pensar e agir nas atividades docentes? Em função disso, é preciso refletir sobre a prática docente, pois muitos destes profissionais ainda exercem seu ofício de forma reprodutiva e distanciada da realidade, há um espaço entre a teoria e a prática na execução do seu papel como docente. Isto ocorre em todos os níveis de escolaridade, incluindo o ensino superior.

Torna-se insuficiente ao professor apenas o conhecimento teórico já adquirido na área científica da qual eles desenvolvem enquanto profissional e para formar profissionais. “É preciso o conhecimento teórico sobre a sua prática social como profissional e como homem que participa da construção da história de seu tempo”. (BERBEL, 2007, p. 159).

Percebe-se a evidência das relações entre MP e a práxis, mas é preciso minimamente atenuar a distância entre a teoria e a prática nas ações pedagógicas entre docente e discente. É imprescindível chegar ao grau superior de consciência para assumir uma atitude transformadora, caso contrário, não passará de falácia.

Assim, Berbel (1999), após refletir sobre a práxis e as contribuições de Sánchez Vázquez, destaca algumas características nas relações entre MP e práxis: sendo a práxis uma ação consciente e transformadora, para atingi-la é necessário transcender o senso comum; práxis se remete aos problemas da sociedade, da história, do conhecimento e do próprio sujeito; constitui um caminho de superação, revolução na forma de pensar e agir, em relação ao que já se conhece. Portanto, é importante considerar: “esse movimento entre o pensar e o agir consciente, o que Marx (apud SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 1987) intitulou de práxis, deve ser aprendida, pois não é dado naturalmente ao homem”. (BERBEL, 1999, p. 55).

Continuando a reflexão - apesar da antiguidade do termo práxis para o docente no desenvolvimento de suas práticas pedagógicas com a MP - a práxis pode ser vista como um processo inovador de ensino e aprendizagem que, muitas vezes, se torna dificultoso, considerando o modelo educacional em que ele foi formado e por achar que esse termo significa somente o fazer ou a prática por si só.

Novamente, observa-se nos fundamentos teóricos e filosóficos de Sánchez Vázquez, Freire e Gramsci o amparo e justificativa à MP, a partir de características conciliáveis capazes de uma estratégia pedagógica que há tempos está à nossa disposição.

Assim sendo, é importante ressaltar outros autores que se aproximam em seu pensamento da MP: Dermeval Saviani, José Carlos Libâneo, Cipriano Carlos Luckesi, dentre outros. (BERBEL, 1995).

Dessa maneira, Saviani (1994) destaca os métodos novos de ensino, citando, principalmente, Paulo Freire, na sua concepção pedagógica a serviço dos interesses populares. E chama a atenção para o ponto de partida do ensino, que seria a prática

social; docente e discente se posicionam de forma diferente enquanto agentes

sociais, pois cada sujeito se encontra em níveis diferentes de entendimento (conhecimento e experiência) da prática social. Entretanto, são capazes de dialogar com seus saberes e construir conhecimentos através da problematização, sendo capazes de detectar questões passíveis de serem resolvidas no âmbito da prática social.

Esse argumento é corroborado por Libâneo (2002) no aspecto do papel docente e da atividade humana transformadora, e ainda propõe a pedagogia crítico- social dos conteúdos em busca de articular conteúdos material/formal do ensino para a transformação da sociedade. A pedagogia crítico-social valoriza a escola

enquanto mediadora entre discente e o mundo da cultura, e cumpre seu papel pelo processo de transmissão/compreensão crítica dos conhecimentos, agregados ao movimento da prática social. A educação é o momento da prática social e atua como coadjuvante no movimento de transformação, atribuídos de senso crítico e tomada de consciência nas relações sociais. Revela o trabalho docente crítico que não se reduz à transmissão de conhecimentos, mas à compreensão ativa do conhecimento organizado, no qual o discente é capaz de reelaborá-lo criticamente no seu processo de ensino e aprendizagem.

No âmbito das narrativas de Saviani e Libâneo, encontra-se Luckesi (1994), quando destaca os sujeitos da aprendizagem (discente e docente) para a práxis pedagógica no processo de ensino e aprendizagem. E, novamente, enfatiza o papel do docente como mediador entre o coletivo da sociedade e o individual dodiscente.

Para tanto, o docente deve possuir conhecimentos e habilidades para poder ajudar o discente em sua evolução cultural, sendo este capaz de elevar seus conhecimentos e habilidades em níveis cada vez mais complexos. Portanto, ao docente, cabe adquirir algumas qualidades pertinentes, tais como: compreensão da realidade em que está inserido, comprometimento social e político, competência teórica e técnico-profissional no campo de conhecimento em que atua. Com essas qualidades, o docente será capaz de desempenhar seu papel na práxis pedagógica, assim como, também, entender a sociedade na qual vive sua história, sua cultura, suas relações e suas perspectivas de transformação da realidade. Por isso, é imprescindível que o docente conheça muito bem a realidade onde vive e trabalha. Caso contrário, o mesmo não exercerá uma práxis, e sim, uma atividade repetitiva, mecânica e ingênua.

Desta forma, torna-se relevante descrever, a partir de Sánchez Vázquez (1977, p. 245) os níveis de práxis. O autor revela: “Se práxis é a ação do homem sobre a matéria e criação, através dela, de uma nova realidade humanizada, podemos falar de níveis diferentes de práxis”.

Sendo assim, destacam-se: a práxis criadora, a reiterativa (imitativa), a reflexiva e a práxis espontânea, sendo que a criadora se relaciona com a imitativa, e a reflexiva se relaciona com a espontânea.

Entende-se por práxis criadora quando o homem consegue criar permanentemente e enfrentar novas situações. Por necessidade, às vezes utiliza da repetição ou imitação, que se justifica enquanto não há possibilidade de uma nova

criação, pois o sujeito não é criativo o tempo todo. A práxis criadora é determinante, o homem cria para poder adaptar-se e satisfazer as novas situações e utiliza a repetição quando não consegue criar. Todavia, para o homem, criar torna-se uma necessidade vital, pois, somente pela criação que há possibilidade de transformação do mundo humano. Assim, a atividade prática tem uma natureza criadora, mas que também pode ser pela repetição. (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 1977).

No mesmo nível, encontra-se a práxis reiterativa ou imitativa, que se posiciona inferior à práxis criadora. A práxis imitativa dá lugar ao modelo, à duplicação, à cópia, e Sánchez Vázquez (1977, p. 257) acrescenta: “o real só justifica seu direito de existir por sua adequação ao ideal, sua inadequação implica uma perda para o real”. Nesse caso, o ideal mantém-se inalterável, algo finalizado, que não se altera no processo prático. Já se sabe como deve fazer. Enquanto na práxis criadora “cria-se também o modo de criar, na atividade prática reiterativa não se inventa o modo de fazer, seu modo de transformar já é conhecido, porque já foi criado antes”. (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 1977, p. 258).

O referido autor traz o trabalho humano como exemplo de práxis reiterativa, pois apresenta como característica a produção mecanizada, tecnicista, repetitiva, obtendo consequências negativas para o homem e para o sujeito prático. Mas, por outro lado, esse processo trouxe aspectos positivos, como a produção mecanizada, que promoveu a produtividade do trabalho, sendo um elemento favorável no desenvolvimento da sociedade. Não obstante, quanto ao trabalho criador, o autor também exemplifica o trabalho no artesanato, em que o sujeito prático está em contato direto e imediato com a matéria. No artesanato, o sujeito estabelece uma relação entre a consciência e mão ou por meio de instrumentos. Ou seja, o trabalho artesanal possibilita o desenvolvimento da criação, na medida em que põe em jogo a atividade da consciência. Sánchez Vázquez (1977) aponta como positivo na práxis imitativa o fato de ampliar o já criado e, como negativo, restringir a possibilidade de uma verdadeira criação.

Para o segundo nível de práxis, o autor denominou de espontânea e reflexiva; ambas se distinguem, à medida que se eleva o grau de consciência no desenvolvimento da atividade prática. E Sánchez Vázquez (1977, p. 285) afirma: “consciência elevada num caso, baixa ou quase nula em outro”. Por isso, denota:

Em suma, a práxis criadora pode ser, em maior ou menor grau, reflexiva e espontânea. A reiterativa acusa uma débil intervenção da consciência, mas não é por isso que se pode considerá-la espontânea. Nesse aspecto a práxis repetitiva, se opõe tanto a atividade prática criadora como à espontânea. (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 1977, p. 286).

Na práxis espontânea e reflexiva, o autor leva em consideração o grau de consciência que se tem da atividade prática que se está desenvolvendo. Assim, afirma que a práxis criadora pode ser, em maior ou menor grau, reflexiva e espontânea. A práxis criadora se dá, especialmente, no nível da práxis reflexiva.

Vale lembrar que Sánchez Vázquez (1977) enfoca esses níveis de práxis como unidades indissolúveis na relação prática e sinaliza uma atenção maior para as possibilidades de relações recíprocas entre um nível e outro.

Berbel (2012) traz em sua obra científica a importante relação entre os níveis de práxis de Sánchez Vázquez e a MP, a partir de estudos de sua autoria (BERBEL, 1995, 1999; COLOMBO; BERBEL, 2007), quando cita a quarta etapa da MP (hipóteses de solução), em que o potencial criativo e reflexivo dos participantes deve ser impulsionado, e a quinta etapa (aplicação à realidade), que possibilita o intervir, a ação de manejar situações para resolver o problema, na busca da transformação da realidade em algum grau. Pode-se afirmar, desta forma, que os níveis de práxis apresentados por Sánchez Vázquez (1977) são referências e estão intimamente ligadas no desenvolvimento das etapas da MP com o Arco de Maguerez.

2.8 FORTALEZAS E FRAGILIDADES SOB A ÓTICA DO DISCENTE E DO