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Em VOLLMER (2000), encontra-se uma objeção a van Fraassen que, como aquela de HACKING (1983, 1985), chama atenção para uma suposta similaridade importante entre o observar a olho nu e o observar com auxílio de instrumentos como as lunetas e certos microscópios. Conforme Sara Vollmer, tanto o observar a olho nu como o observar com esses instrumentos obedecem aos mesmos princípios físicos. Disso a autora sugere que não há por que privilegiar o observar a olho nu na delimitação do observável (cf. também SCHWINDEN, 2003, p. 97ss).

[...] a observação de qualquer entidade que utiliza o princípio físico do espalhamento de onda e a aplicação de uma transformada inversa de Fourier para formar uma imagem do objeto pode ter o mesmo estatuto epistemológico da observação de qualquer outra entidade observada dessa maneira. A partir disso, então, não há nenhuma razão para chamar uma entidade, [e.g., a] cafeína, de um inobservável, e outra, digamos, uma orquídea, de um observável. Antes, se quisermos dizer que uma orquídea é observável, então devemos olhar para os princípios […] que a fazem visível para nós da maneira que ela é. Assim, não apenas a orquídea é observável, mas também a cafeína. Por que privilegiar qualquer uma dessas transformadas sobre a outra? (VOLLMER, 2000, p. 365)

VOLLMER (2000, p. 363-364) qualifica que isso ainda nos permite manter uma distinção entre entidades observáveis e inobserváveis. Pois, segundo a autora, há entidades que nunca observamos conforme o princípio físico relevante de espalhamento e recombinação de onda. O limiar estaria, segundo a autora, aproximadamente no tamanho de um átomo. Elétrons, por exemplo, segundo

ela, são considerados, sob tal critério, como entidades inobserváveis.

O argumento de Vollmer, por conseguinte, pode ser representado assim: [K] (1) A observação por meio de (e.g.) certos microscópios obedece ao mesmo

princípio físico da observação visual ordinária. [PREMISSA]

(2) Ora, se a observação por meio de (e.g.) certos microscópios obedece ao mesmo princípio físico da observação visual ordinária, então, se a observação visual ordinária é dita ser de entidades observáveis, então a observação por meio de certos microscópios deve (igualmente) ser dita ser de entidades observáveis. [PREMISSA]

(3) Logo, se a observação visual ordinária é dita ser de entidades observáveis, então a observação por meio de certos microscópios deve (igualmente) ser dita ser de entidades observáveis. [DE (1) E (2),

MODUS PONENS]

(4) A observação visual ordinária é dita ser de entidades observáveis. [PREMISSA]

(5) Logo, a observação por meio de certos microscópios deve (igualmente) ser dita ser de entidades observáveis. [DE (3) E (4),

MODUS PONENS]

(6) Ora, se a observação por meio de certos microscópios deve (igualmente) ser dita ser de entidades observáveis, então a proposta de van Fraassen sobre os limites da observabilidade é falha. [PREMISSA]

(7) Logo, a proposta de van Fraassen sobre os limites da observabilidade é falha. [DE (5) E (6), MODUS PONENS]

Um problema que cremos haver nesse argumento é pressupor, com a premissa (1), que há observação por meio dos referidos microscópios, o que implica em petição de princípio. O predicado ‘observar’ aplica-se apenas quando o relata se dá (isto é, quando o complemento do predicado é o caso). Não faz sentido dizer, por exemplo, que uma pessoa esteja vendo uma abelha voar, mas não haver uma abelha voando diante de si; que esteja vendo, cheirando ou degustando cafeína, mas não haver cafeína diante de si ou na boca. Se o relata não for o caso, o predicado ‘observar’ não se aplica com sentido, mas apenas um predicado relativo a quase-percepções, como ‘imaginar’ ou ‘alucinar’. Pois, no caso, é apenas como se a pessoa estivesse observando o inseto ou a cafeína, e não um real observar, mas possivelmente um imaginar ou alucinar (cf., e.g., MASLIN,

2001, p. 14-6; RYLE, 1949, p. 222-3, 238-9). Contudo, está em questão no argumento se as imagens geradas pelos microscópios são imagens de entidades reais. Assim, não se deve assumir de antemão no argumento que haja observação por meio deles.

6. Conclusão

Neste trabalho, apresentamos uma revisão parcial de literatura sobre o debate acerca das considerações de van Fraassen sobre a distinção entre entidades observáveis e inobserváveis. Sugerimos que, dentre as objeções revisadas, aquelas de HACKING (1983, 1985) e MUSGRAVE (1985) colocam dificuldades maiores para o tratamento dado por van Fraassen à distinção. Isso não significa, entretanto, que se trata de dificuldades que coloquem em xeque o empirismo, ou até mesmo ao empirismo construtivo. Trata-se, antes, de problemas relacionados ao tratamento específico dado por van Fraassen à distinção. O empirismo construtivo, que é a abordagem mais geral do autor, depende de que essa distinção seja traçada, mas independe daquele tratamento específico. Em BUENO (2011), encontra-se uma tentativa de acomodar casos de observação por meio de certos microscópios (como os ópticos e eletrônicos, mas não de tunelamento) ainda no âmbito do empirismo construtivo, assim podendo servir para superar as dificuldades colocadas por Hacking. Em MULLER (2005), por sua vez, encontra-se uma tentativa de superar o problema colocado por Musgrave, isto é, de o empirista construtivo poder efetivamente traçar uma distinção aplicável.

Cabe reiterar que o presente trabalho não percorreu todo o debate, dado que este é bastante extenso. Nosso objetivo foi apenas percorrer criticamente uma parte representativa dele. Há pelo menos duas outras objeções principais a van Fraassen sobre a distinção; a saber, a objeção de LADYMAN (2000) – com tentativa de réplica em MONTON & VAN FRAASSEN (2003) e de contrarréplica em LADYMAN (2004) –, e a de TELLER (2001) – com tentativa de réplica em VAN FRAASSEN (2001)7.

Por fim, qual seria, então, um tratamento adequado para a distinção entre

7 Em BUEKENS &MULLER (2012), encontra-se o que podemos chamar de antecipação de uma possível objeção. Pois os próprios Buekens & Muller, embora dediquem seu artigo a uma linha de objeção, acabam oferecendo, ao final dele, a réplica.

entidades observáveis e inobserváveis alternativo ao de VAN FRAASSEN (1980, 1985, 1992)? Este trabalho não teve por objetivo responder a essa questão, em parte porque isso requereria um exame de tentativas alternativas disponíveis, bem como a defesa de uma modelagem dos próprios fenômenos perceptuais, o que consideramos uma tarefa mais apropriada para outro trabalho.

Submetido: 14.11.2013; Revisado: 09.02.2015; Aceito: 10.02.2015

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