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OBJETIVOS DA ESCRITA – UMA RELAÇÃO DIFÍCIL ENTRE DEFINIR OBJETIVOS

Desde que entrei no mestrado, muito embora já tivesse uma ideia sobre o que pretendia pesquisar, fui percebendo as dificuldades de tematizar algo que se identificava com minha trajetória de vida, desde minha experiência pessoal e opções ético-políticas. Os objetivos que encontrei nesse momento foram reorganizados conforme o percurso da própria pesquisa. Creio ser importante dizer isso, pois a ideia de objetivos pré-determinados, antes do próprio caminho, contrasta efetivamente com os dilemas que apresentei no prólogo desse trabalho. Ao final, identifiquei os seguintes objetivos gerais e específicos:

Gerais

• Compreender como as epistemologias feministas, do feminismo negro e queer descrevem a relação entre espaço, manifestações de afeto, presença dos corpos de mulheres não heterocisnormativas.

• Compreender como as manifestações de afeto por parte de jovens mulheres não heterocisnormativas ocorrem em relação ao espaço e como esta relação está marcada por formas de violência e de resistências, e, em que medida estão condicionadas por opressões interseccionais de raça e classe.

Específicos

• Identificar por quais estratégias jovens mulheres não heterocisnormativas demonstram afetos no Distrito Federal;

• Identificar como outras opressões interseccionais de raça e classe impactam essas estratégias e como trazem à compreensão novas dimensões do problema das violências do poder heterocisnormativo;

• Possibilitar que experiências de mulheres não heterocisnormativas e excluídas por serem negras e pobres sejam consideradas como relevantes para pensar problemas relativos ao uso dos espaços no Distrito Federal;

• Demonstrar a violação do direito à cidade e à própria identidade de mulheres não heterocisnormativas por discursos e práticas de violência heterocisnormativa no Distrito Federal.

• Problematizar o debate sobre a condição “eu sou, mas não pratico”, uma vez que o direito à cidade é poder estar na cidade e poder ser quem se é.

Estabelecidos os objetivos, tentei vivenciar a pesquisa sem as angústias próprias da investigação científica. Ative-me ao campo e às suas demarcações. Estudar o urbano, o cotidiano, os códigos sociais e interações socioespaciais me permitiu ter um vislumbre do direito ao usufruto da cidade e, neste caminho, analisar também o seu desordenado movimento que o leva a não ser realizável para todos.

O direito à cidade está em um cenário caótico para alguns estratos sociais; a pobreza, a especulação imobiliária demonstra que a (re)produção de leis não é o suficiente para resolver essa questão. Entender a conjuntura social e espacial que está por trás das normas e das ações políticas que interferem no planejamento urbano é também interpretar como se dão essas linhas de poder que cerceiam ou promovem o trânsito de pessoas LGBTs pela cidade.

De forma objetiva, pode-se dizer que quem tem poder determina o espaço a ser ocupado e os meios para que suas garantias individuais sejam proporcionadas; em contrapartida, os mais vulneráveis economicamente, por medo e poucas condições que os habilitem a uma disputa por garantias, evitam se expor. O respeito à diversidade e à dignidade humana é facilmente convencionado à expectativa de costumes e crenças da heteronorma, embutida, sistematicamente, no padrão dominante de legalidade e ação estatal.

5.1 BREVE BASTIDOR DO PROCEDIMENTO DE PESQUISA – UMA TENTATIVA DIÁRIA POR INTERAÇÃO FRENTE AOS CONDICIONANTES E ESQUIVAS EM RELAÇÃO À CIDADE

Abordar mulheres nas ruas não foi tão fácil. Não é simples abordar quem se relaciona com outras mulheres se estamos imersas em um contexto em que tal afeto é condenado. Assim, pequenas investidas como interrogar se são um casal, ou se aproximar e insinuar que, tal qual a elas, eu também era LGBT, por vezes me trazia o desconforto por não saber como seria acolhida. Muitas as quais interpelei, após esboçarem um sorriso constrangido, ao perceberem que se tratava de uma aluna do mestrado da UnB, permitiam-se conversar um pouco mais de forma desinibida. Das pessoas e casais que conversei no metrô e nos ônibus eu estabeleci a ideia de apenas dar informativos acerca da pesquisa e pedir seus contatos telefônicos para que, posteriormente, eu as convidasse para uma entrevista. Algumas se sentiam à vontade e muitas outras preferiam não participar. Até mesmo por esta obstacularização, favoreci-me de minhas

redes, posto que também sou pertencente a este grupo. Fiz uma chamada no Facebook explicando o contexto da pesquisa e procurando voluntárias em contar suas histórias em uma “entrevista longa”. Tive como resposta um grande número de mulheres dispostas a falar. Os motivos eram variados: desde ato político, disseram algumas, até ter alguém para conversar a respeito de seus amores e prazeres – outras chegaram a pontuar que na ausência de uma terapia, aquele processo de fala com alguém da mesma orientação sexual gerava um conforto e poderia surtir os efeitos terapêuticos. Dentre as moças escolhidas, e das que se propuseram à entrevista, consegui quatro pessoas – ainda que o assunto fosse pertinente a muitas, diversas complicações se interpuseram ao nosso diálogo, dentre elas: as estratégias para ir à entrevista (muitas estudavam e só podiam ir aos finais de semana, mas ao final de semana precisavam justificar suas saídas e algumas tinham receio de serem pegas na mentira por seus pais); outras mulheres não possuíam carro para vir até a mim e se eu propunha que fossem as suas casas elas também refutavam a ideia porque dividiam a estada com pessoas que não sabiam de suas sexualidades; com pelo menos três delas tentei propor um shopping ou espaço público, mas o receio de que alguém de suas famílias ou amigos e/ou amigos de amigos pudessem nos ver também foi um impeditivo; as que evidenciavam expressões de gênero masculinizada preferiam shoppings como o Conjunto Nacional, por exemplo. Ainda que a empatia por mim fosse elevada, algumas moças, no decorrer da entrevista voltavam atrás e preferiam não continuar; e, por fim, cataloguei também outro viés: algumas mulheres não tinham como estar na semana devido ao estudo e trabalho e aos finais de semana também era difícil por conta da igreja (algumas adventistas – guardavam o sábado, e, aos domingos ficavam com suas famílias, e algumas católicas e evangélicas aos finais de semana, por muitas vezes, estavam envolvidas com as atividades da igreja).

A epistemologia do feminismo negro e as formulações de Stuart Hall (1997) aguçaram meu olhar para uma dimensão mais micro e subjetiva da história de vida das mulheres. As entrevistas longas que realizei inspiradas na metodologia proposta por Grant McCraken (1998) permitiram acessar suas intimidades, posturas, ideias, medos e uma gama de subjetividades que eu sequer pensei que fossem estabelecer indicadores tão robustos em minha pesquisa.

VI. AS CONTRADIÇÕES DE UM ESPAÇO PÚBLICO NÃO VIVIDO E UM ESPAÇO