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objeto concreto

A EXPOsição rio são francisco

navegado por ronaldo fraga

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um estudo de caso: DA PASSARELA À GALERIA

Este capítulo apresenta uma caracterização analítica do processo de realização da exposição Rio São Francisco navegado por Ronaldo Fraga, objeto concreto desta pesquisa. A análise aborda os aspectos e questões tratados no capítulo anterior, dedi- cado ao objeto conceitual estudado: os agentes, conhecimentos, linguagens e recur- sos técnicos utilizados nos processos de concepção, projeto, montagem e recepção de exposições culturais narrativas.

O aprofundamento da pesquisa, através do estudo do caso eleito, teve como propósito uma aproximação da rotina da atividade que permitisse identiicar pontos para a organização de um roteiro com indicações para o registro de eventos dessa natureza, com o objetivo de contribuir para o conhecimento sobre essa atividade e para o eventual aprimoramento de iniciativas nessa área.

Este estudo deu-se através da apreciação da documentação constituída de fo- tograias, vídeos, trilhas sonoras, desenhos técnicos (plantas baixas e elevações), memoriais descritivos, relatórios, peças gráicas, entrevistas e um sem im de publi- cações sobre a mostra.

Para fazer um exercício relevante que permitisse a análise do grande número de itens presentes numa exposição, era necessário encontrar um exemplo complexo e rico.

Dentre as mais de 50 exposições visitadas no período desta pesquisa, foi feita uma primeira lista das possíveis opções, todas na capital paulista: Xingu — os irmãos Villas-Bôas, realizada no Sesc Pompeia, trazia um belíssimo acervo e muitas interati- vidades interessantes; a gigantesca exposição permanente do Museu do Futebol, no Estádio do Pacaembu, apresenta também muita tecnologia, além de tratar de uma paixão nacional; De dentro e de fora trazia à tona, no MASP, a discussão sobre o es- paço da arte: ela pertence à rua ou ao museu?

Ao inal a escolha foi pela mostra Rio São Francisco navegado por Ronaldo Fraga. A favor do projeto contaram aspectos constatados já na primeira visita realizada: o forte potencial de narrativa empregado, a riqueza pictórica dos elementos, a ambien- tação cenográica caprichada, o caráter lúdico da experiência e também seu aspecto crítico em relação à poluição e salinização do rio.

Investigando melhor o projeto, foram também percebidas outras facetas de inte- resse: a coerência entre proposta e a realização, a itinerância do projeto com suas 8 montagens, da passarela à galeria. Outro item a considerar foi o alcance da iniciativa

e a aceitação do público — segundo a produção do projeto, cerca de 800 mil pes- soas já visitaram a mostra, nas sete cidades por onde ela passou, tendo sido recorde de público na edição mineira e prorrogada por duas ocasiões.

Por im, sacramentaram a decisão a receptividade do estilista e sua equipe, que ofereceram acesso irrestrito ao acervo exibido, bem como aos memoriais descritivos,

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às plantas e imagens de registro, além da disponibilidade para dar entrevistas e sanar dúvidas.

O passeio pelo Velho Chico seria, enim, o objeto de estudo dessa dissertação.

A EXPOSIÇÃO

A exposição Rio São Francisco navegado por Ronaldo Fraga foi um desdobramen- to da coleção do verão de 2009, apresentada em 21 de junho de 2008 na semana de moda São Paulo Fashion Week, e foi realizada em sete cidades brasileiras: Ipatinga, Montes Claros, Pirapora, Belo Horizonte (as quatro em Minas Gerais), Rio de Janeiro, São Paulo e Recife. O tema já despertava o interesse do estilista há muito tempo.

Segundo Fraga, “o Rio São Francisco é um retrato do Brasil”231. Corta 5 esta-

dos brasileiros: Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, desaguando no Oceano Atlântico após percorrer quase três mil quilômetros e alimentar cinco usinas hidrelétricas.

A dimensão poética do rio — e o espaço que ele ocupa no coração do brasileiro — aparece, entre muitas outras referências, em canções de Luiz Gonzaga e na obra- -prima de Guimarães Rosa — Grande Sertão: Veredas. O poema Águas e Mágoas do Rio São Francisco, que fala da deterioração do rio, está presente na exposição através da voz de Maria Bethânia:

Está secando o Velho Chico / Está mirrando, está morrendo.

Já não quer saber de lanchas-ônibus / nem de chatas e seus empurradores. Cansou-se de gaiolas e literatura encomiástica e mostra o leito pobre, as pedras, as areias desoladas / onde nenhum minhocão

ou cachorrinha-d’água, / cativados a nacos de fumo forte,

restam para semente / de contos fabulosos e assustados.232

Fraga discorre sobre sua relação com o rio, no vídeo da abertura da exposição233

Tutu marambá, Surubim, Pirapora. Boi-tatá, Uiara, Bom Jesus da Lapa. Maritacas, dourados, Cabloco D’Água, barranqueiros, caixeiro viajante [sic].

As águas do Rio São Francisco são muitas, não cabem numa coleção. Não cabem num ilme, não cabem em uma exposição. Não cabem numa palavra.

As minhas memórias são banhadas pelo São Francisco desde a infância. É muito viva a imagem do meu pai voltando de pescarias em Pirapora. Eu já amava esse nome, sem nunca ter estado aqui. E ele trazia dessas pescarias, além daqueles peixes gigantes e mágicos, trazia as lendas, trazias as histórias. Histórias de

231 Informações atribuídas a Ronaldo Fraga neste capítulo foram obtidas em entrevista telefônica com ele, realizada pela autora em 20 fev. 2014. Exceções serão assinaladas.

232 ANDRADE, Carlos Drummond. “Discurso de Primavera e Algumas Sombras” – 1978. In Site São Fran- cisco Vivo. Disponível em: <http://saofranciscovivo.org.br/site/aguas-e-magoas-do-rio-sao-francisco/>. Acesso em: 18 fev. 2014.

233 Transcrição da fala de Ronaldo Fraga no vídeo presente na abertura da exposição, disponível em: <http:// ronaldofraga.com.br/umriobrasileiro/video.html>. Acesso em: nov. 2013.

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peixes do rio, histórias de cobra que ria, histórias de tamanduás que abraçavam. Histórias do povo ribeirinho — um povo tão mágico quanto o próprio rio. Olhando essa imagem eu tenho sempre a sensação de que é um bordado. Um bordado ponto a ponto, um bordado de história, um bordado de cultura. Um bordado, principalmente, de sobrevivência.

Em 2008 eu escolhi o Rio São Francisco como tema da minha coleção de verão — era a oportunidade de realizar um sonho antigo, de me reaproximar deste universo que já me era tão familiar desde a infância, mas que eu ainda não conhecia. Por dois meses viajei, e me embebi de todas as águas do Velho Chico — a coleção trazia as cores barranqueiras, o amanhecer e o anoitecer no rio. Os pontos de bordado redendê, boa noite, crivo, rendas, as sacas de café, as tábuas de madeira de lei que remendam os barcos e a alma ribeirinha. Tudo isso foi decodiicado pelo meu trabalho de moda.

Como dito por lá: “Uma vez que se bebe a água do rio, o rio nunca mais sai da gente”.

CLASSIFICAÇÃO

Seguindo os conceitos abordados no capítulo anterior, a mostra Rio São Francis- co navegado por Ronaldo Fraga234 pode ser classiicada como sendo uma exposição

de natureza cultural de duração temporária e itinerante, que apresenta um acervo composto por objetos cotidianos, cenográicos e históricos, e tratado expograica- mente através de uma ambientação cenográica.

QUANTO À DURAÇÃO

A rica trajetória da mostra foi uma das razões de sua eleição para esta análise: concebida como ambientação para passarela, foi adaptada numa montagem relativa- mente simples para então ser transformada em uma exposição complexa que percor- reu relevantes espaços culturais do país, e deve encerrar seu ciclo num museu.

Neste trajeto a exposição pode, em relação à sua duração, ser classiicada como temporária — dado o seu curto período de permanência em cada local —, e itineran- te — visto que foi desenvolvida para ser apresentada em distintos espaços.

A arquiteta Clarissa Neves, responsável pela cenograia da mostra em conjunto com Paulo Waisberg, resume a trajetória do projeto:

As três primeiras exposições eram bem menores, com poucos elementos, focadas principalmente no desile, recriando a passarela e mostrando algumas fontes de pesquisa do Ronaldo, livros, fotos, objetos da cultura popular ribeirinha, estampas, desenhos processuais, etc. A ênfase era a coleção e o desile.

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As diferenças entre elas eram para adaptar aos diferentes locais. Após estas exposições, o interesse dele pelo tema continuou, ele sentiu necessidade de explorar mais o universo do Rio São Francisco também porque o interesse do público era grande então surgiu a ideia de transforma-lá numa grande exposição,

que fosse itinerante, mostrando a cultura do rio e não apenas focada no desile.235

A trajetória da exposição está compreendida entre junho de 2008 e dezembro de 2012236, e pode ser divida em três momentos: A Passarela — resultado primei-

ro da pesquisa de Fraga sobre o rio, A Extensão da Passarela — que se refere às três montagens mais simples realizadas em espaços institucionais ou comerciais no interior de Minas Gerais; e A Grande Exposição, que traz as quatro montagens no formato inal do projeto.

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