• Nenhum resultado encontrado

Uma vez estabelecido qual seja o fundamento do signo, pode-se passar a questionar a que ele se refere, qual seja o conteúdo que provoca o signo: seu objeto. Há em dança uma grande proximidade entre objeto e interpretante, pois, como já identificado, só através de um processo de interpretação da dança é que poderá ser desenvolvida uma suposição quanto ao que gera aquilo que está sendo apresentado.

A partir do exemplo da cena Duo Só [Anexo 4 – DVD – Vídeos 10 e 11], é possível elaborar um pouco mais acerca do desenvolvimento de um entendimento do objeto presente na representação em questão, ou seja, suas intenções de significação. Nessa cena, há um casal desenvolvendo uma coreografia que, como já foi mencionado, possui uma característica de movimentação diferente do restante do espetáculo, o que deriva de sua origem: a cena é retirada de um espetáculo anterior da companhia, de 2005, que tem em si marcas bastante diferentes na movimentação do que aquilo que foi desenvolvido em no Singular.

Nesse ponto volta a ser fundamental a discussão da observação colateral. Já de início se reparte as possibilidades de entendimento do objeto entre saber a fonte dessa coreografia ou não. Ou seja, a observação colateral, nesse caso, é determinante na progressão do Objeto Imediato para o Objeto Dinâmico. Argumentando comparativamente entre o espetáculo de origem e o espetáculo em que a coreografia é reapresentada, é possível supor, inicialmente, uma identificação entre os Objetos de ambas as representações. Porém, essa suposição é apenas inicial e não pode ser tomada como real, posto que as evidências da representação no novo espetáculo não suportam essa interpretação. Ao ser recolocada em cena, dentro de outro espetáculo, a coreografia passa a carregar em seu objeto a referência ao seu espetáculo de

112

origem, posto que essa referência faz parte da unidade que gera o novo signo, sendo, portanto, parte do Objeto desse novo signo.

E isso, em certo ponto, independe da interpretação que o público fará da obra. Saber que essa cena tem origem em outro espetáculo afeta o interpretante gerado, e a compreensão que se faz do objeto em questão, mas não o objeto em si. A relação de representação pelo signo, como apontado, é baseada em um objeto que gera um fundamento que é entendido através de um interpretante. De forma que o intérprete não tem acesso direto ao objeto. O contato com o objeto é mediado pelo fundamento do signo.

Esse detalhe é relevante para a formatação do estudo da obra. Ao analisar a interpretação em realização, o objeto apresentado fica como oculto, sendo desvendado pelo interpretante e pelo processo de semiose desencadeado a partir dele. Porém, ao analisar o funcionamento dessa representação, o pesquisador vai atrás da concretude do objeto, de sua existência para além de uma ou outra interpretação pessoal feita do trabalho. Nesse sentido, o objeto imediato de uma obra referenciada por outra tem duas facetas. Primeiramente, ele se associa à representação da obra anterior, deslocada no tempo/ espaço para essa nova criação. Num segundo momento, ele se associa ao conteúdo dessa coreografia, a proposta de representação que lhe é particular. Esse segundo sentido é o que é comum ao estudo do objeto de uma coreografia que não seja retirada de outra fonte de referência.

Estabelecidas essas duas possibilidades, é possível focar na segunda, recentrando a discussão proposta acerca de o que é que está sendo representado pela coreografia e a participação da observação colateral nesse desvendamento. Se o gestual vem fornecer ao público algumas possibilidades de entendimento, outras tantas são sugeridas pelos elementos que a ele se associam, seja o figurino, a iluminação, o cenário e, sobretudo no caso da dança, a música. Isto não é dizer que a música tenha obrigatoriamente com a dança uma relação mais

113

íntima que os outros elementos artísticos do espetáculo, e sim evidenciar que tal relação foi, por muito tempo, tomada como dado, e que isso interfere diretamente nas interpretações que são feitas, seja para concordar ou discordar dessa tendência.

Porém, a observação colateral pode levar a interpretações duvidosas, mesmo imprecisas. No caso do Duo Só, por exemplo, fazer uma associação direta entre a coreografia e a letra da música sendo dançada seria um problema, pois a coreografia é bastante independente da música, tanto que estreou em Só Tinha de

Ser Com Você com uma trilha sonora [Anexo 4 – DVD – Vídeo 12], depois

passando ainda naquele espetáculo para uma outra canção [Anexo 4 – DVD – Vídeo 13], e foi trazida para no Singular com uma versão diferente da segunda canção [Anexo 4 – DVD – Vídeo 10], passando posteriormente a ser apresentada com uma quarta canção [Anexo 4 – DVD – Vídeo 11]. Nesse sentido, é possível questionar se a música de fato pode ser tomada como um referencial colateral confiável para a delimitação de um sentido para a coreografia.

Ademais, nesse caso específico, a observação colateral do público não leva a lugares que o pesquisador pode chegar, através do contato com a companhia e com o histórico da criação do espetáculo, que revelariam que a coreografia em questão não foi montada nem para uma nem para outra música, e sim no silêncio, sendo depois adicionada a música.

Essa é uma boa ilustração do processo da observação colateral. No palco, como mencionado, todos os elementos podem ser tidos pelo público como significativos. E, ao serem tidos como tal, eles passam a influenciar os interpretantes que se formam. Porém, influenciar o interpretante de forma alguma é um procedimento de alteração do objeto. O objeto é o dado, o fato inicial, que origina a representação, e é por isso que seu acesso é difícil e ele se oculta por trás da obra apresentada, por trás do fundamento de sua representação. Dentre os vários procedimentos que permitem delimitá-lo, frequentemente se recorre à

114

observação colateral, bem como a entrevistas com os criadores. Porém, é importante lembrar que o objeto dessa relação se esconde e que nem todos os procedimentos de revelação dele trazem respostas concretas.

115

Documentos relacionados