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3.6 Resultados

3.6.2 Observação não participante

A observação não participante foi realizada no âmbito dos distritos e dos telecentros diariamente no período de 11 a 28 de janeiro de 2005 durante a realização da pesquisa de campo em momentos que antecediam as entrevistas pelos voluntários e usuários. Esse período foi representativo em relação à freqüência dos telecentro de São Gonçalo e Milho Verde, porque tanto os usuários quanto os acessos realizados começaram a se repetir.

Procurou-se observar a rotina dos moradores dos distritos, a familiaridade dos usuários em relação ao uso da tecnologia, as informações acessadas, o tempo gasto por acesso e o compartilhamento dessas informações com outros membros da comunidade.

Pode-se ressaltar que muitos dos resultados observados complementam as informações coletadas através da entrevista semi-estrutura, sendo apresentados no item 3.5.5 — análise das entrevistas semi-estruturadas com usuários dos telecentros.

Durante a primeira semana de realização desta pesquisa, acontecia o 8° Festival de Férias de São Gonçalo que atraiu visitantes de regiões próximas, incluindo Diamantina e Belo Horizonte. Foram realizadas 28 oficinas de temáticas variadas, desde confecção de cestarias e xaropes caseiros a sessões de dança e cinema. Ao longo da semana, vários

shows noturnos mobilizaram a maior parte da população por ser ―uma oportunidade única de distração‖, segundo uma voluntária do telecentro.

Essa foi a oportunidade de vivenciar dois momentos distintos do distrito: a movimentação e a expectativa criada em parte dos moradores por conta das atividades atípicas sugeridas pelo festival e a rotina normal dos habitantes nos dias que sucederam ao evento. As festas noturnas atraíram muitos jovens e os visitantes que chegaram à cidade para participar do festival trouxeram movimentação à cidade a ponto de alguns moradores se sentirem incomodados. O ambiente, entretanto, era amistoso e festivo entre ambos. Após o acontecimento, o distrito voltou ao normal, com poucos moradores andando pelas ruas mesmo durante o dia e com o comércio, inclusive os bares, encerrando suas atividades bem mais cedo que nos dias de festa.

Pôde-se observar nas noites de São Gonçalo que é muito comum grupos de adolescentes se reunirem em torno dos poucos bares existentes na cidade e ver que eles se comportam da mesma maneira que os jovens de qualquer centro urbano: fumam, bebem e

‗ficam‘. Adolescentes de ambos os sexos, inclusive menores de idade, fazem uso

exagerado do álcool, incluindo cachaça. Esse aspecto foi abordado nas entrevistas realizadas junto aos usuários e voluntários do telecentro, por serem predominantemente

jovens e estarem incluídos entre esses grupos de adolescentes. Tal versão, de que a cachaça seja muito consumida por essa faixa etária, foi confirmada por todos os entrevistados.

A observação deixou transparecer, sendo verificado posteriormente, que os distritos não possuem opções de lazer nem atividades esportivas. Ambos têm um campo de futebol, mas nenhuma quadra ou ginásio poliesportivo para atrair, principalmente, o público adolescente. Daí o frenesi causado pelo Festival de Férias à maior parte da população.

Em relação aos telecentros, ambos só dispõem de um único computador para o atendimento a toda comunidade. As instalações são modestas com móveis já desgastados e, em alguns casos, até mesmo inutilizados. Nos dois telecentros existe um quadro de avisos com a metodologia do projeto piloto, normas de funcionamento do telecentro, escala de horários dos voluntários e tabela de preços que varia de acordo com o serviço prestado (fax, xerox, scanner, impressão, digitação, Internet). Em Milho Verde, além das informações já descritas, o quadro exibe também uma cópia da nota fiscal da antena do satélite em nome da Associação Cultural e Comunitária de Milho Verde, que abriga o telecentro em uma modesta edificação cedida pela prefeitura do Serro.

O acesso por hora à Internet para moradores custa três reais, mas portadores de benefícios como o bolsa-escola e bolsa-família estão isentos do pagamento ao apresentar o cartão benefício. Os turistas e visitantes pagam o dobro, custo bastante elevado, considerando-se a média cobrada por cibercafés de Belo Horizonte, onde a hora acessada custa entre dois reais e cinqüenta centavos a três reais. Salienta-se que cada telecentro tem autonomia para estabelecer preços por esses serviços.

A cobrança parece não ser limitadora nem empecilho para o acesso, já que os usuários não reclamam e até acham justo a cobrança, pois o objetivo é a manutenção do telecentro. E estes possuem autonomia de trabalho para o estabelecimento de regras quanto

ao uso e atendimento, como, por exemplo, não aceitam pagamento posterior. Apesar de a lógica geral de funcionamento dos telecentros enfatizar a gratuidade da proposta, o gestor

do projeto piloto, entrevistado no decorrer desta pesquisa, acredita que ―nada deveria ser

gratuito porque as pessoas têm a cultura de não valorizar e não dar a devida importância ao

que é fornecido gratuitamente‖.

Os voluntários tomam as decisões em conjunto e fazem escalas de atendimento entre si, bem como o controle de caixa. A movimentação financeira é de responsabilidade do voluntário dentro do horário estabelecido em sua escala e deve ser devidamente registrada. Todos os usuários e acessos com tempo de permanência são anotados no Diário Oficial dos telecentros — explicitado na página 83. O volume dessas informações, anotadas de forma dispersa e sem nenhuma normalização, impossibilitou a tentativa de análise acurada de tais dados no período da pesquisa de campo. De qualquer maneira, a análise primária dessas informações revela que a sustentabilidade dos telecentros necessita de recursos que ultrapassem a arrecadação obtida por ambos e nem os voluntários, tampouco os diretores da ONG Gemas da Terra, possuem solução imediata para esse problema.

Quando os voluntários estão sozinhos, eles se tornam usuários. Já se alguém da comunidade utiliza o computador, o voluntário fica aguardando, geralmente sem realizar nenhuma atividade, que o usuário termine a sua consulta na Internet, o que pode levar desde simples minutos até horas. Não existe limite de tempo fixado para cada usuário, mesmo porque o acesso é cobrado, ficando a critério da necessidade de uso de cada um o tempo gasto no acesso.

Durante momentos de observação no âmbito dos telecentros, percebeu-se que um voluntário se manteve de cabeça baixa durante todo o instante em que usuários acessavam

a Internet, saiu da sala algumas vezes e depois de constatar que seu horário havia terminado como voluntário, foi embora mais cabisbaixo ainda por não ter tido oportunidade sequer de ler seu correio eletrônico naquele dia. Muitos moradores dos dois distritos se tornaram voluntários para ter acesso livre à Internet, para não terem que pagar pelo uso realizado. A função desses voluntários se restringe, nos casos observados por esta pesquisa, a tomar conta do telecentro, abrindo e fechando porta e janelas da sala onde funciona o serviço e ligando e desligando o computador no início e término do horário de funcionamento.

Não foi verificada nesta etapa da coleta de dados a realização de ações entre os voluntários e os usuários que pudessem enriquecer ou acrescentar informações sobre as possibilidades da Internet ou os benefícios do telecentro, muito menos cursos de aprimoramento no uso das tecnologias. Quando muito, os voluntários auxiliam nas buscas realizadas pelos usuários. Os voluntários não possuem grandes conhecimentos acerca do uso e funcionamento das máquinas e da Internet, com raras exceções, e o resultado da observação realizada por esta pesquisa deixa transparecer que isso se deve à pouca prática ou ao pouco tempo de familiaridade na utilização da tecnologia. A análise quanto às informações mais acessadas, serão apresentadas no item 3.6.5 análise das entrevistas semi- estruturadas com usuários dos telecentros — informações mais acessadas, a partir da página 114.