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3 METODOLOGIA

3.3 OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE

Após a aprovação do projeto de pesquisa na banca de qualificação, em dezembro de 2018, iniciei a pesquisa em junho de 2019, e levando em consideração as indicações da banca, mudei o método de coleta dos dados. Anteriormente, havíamos cogitado a realização de rodas de conversa, combinadas com observação, porém, não pudemos deixar de considerar que o dispositivo em que a pesquisa iria ocorrer era a casa dos sujeitos de pesquisa, de forma que qualquer instrumental técnico poderia alterar consideravelmente o cotidiano e, possivelmente, os faria confundir a casa com um serviço, como o Caps, por exemplo. Dessa forma, optamos por usar apenas a observação combinada com as conversas no cotidiano.

Entrei, então, em contato com a coordenadora de saúde mental do município para explicar a proposta da pesquisa, e a coordenadora também Técnica de Referência da residência, concordou no mesmo instante. Pedi, então, que fizesse a interlocução com os moradores, para que aceitassem minha presença, o que foi feito. Como eu já conhecia os moradores, avaliamos que não seria necessário que ela estivesse comigo no primeiro dia. Solicitei apenas que também avisasse para os cuidadores que eu estaria fazendo a pesquisa lá. Iniciei as visitas dia 10 de junho de 2019, tendo me estendido até o dia 09 de julho de 2019. Ia duas vezes por semana na casa e ficava cerca de 4 a 5 horas.

Bogdan e Taylor (1980) definem observação participante como sendo caracterizada por um período de interação social entre o pesquisador e os participantes de pesquisa. Neste período, os dados são coletados de maneira discreta e sistemática. “Os observadores mergulham na vida do povo e na situação em que eles desejam compreender. Falam com elas, brincam e empatizam compartilhando de suas preocupações e experiências” (BOGDAN; TAYLOR, 1980, p. 3,). E seguem pontuando que esse contato prolongado com o cotidiano permite a compreensão da dinâmica das relações. Mas um método exige também registro. Os autores chamam atenção para a necessidade de anotar todas as notas de campo, após cada dia de observação, de forma sistemática, em um diário de campo. As notas, no entanto, não devem se restringir apenas à coleta, mas também devem abarcar o pré-trabalho, mesmo durante a análise.

Todo e qualquer contato com os sujeitos e mesmo os sentimentos e impressões do pesquisador devem ser registrados.

Apesar dos aportes teóricos, realizar uma pesquisa em um local familiar não é tarefa das mais fáceis. Redon (2008) nos traz que uma das formas de estranhar o familiar, é o confronto das teorias com a pesquisa e a percepção de que os diferentes atores envolvidos na pesquisa estão imbricados de diferentes lugares. Apesar de ter vivência naquele local, com aquelas pessoas, especificamente, eu agora atuava a partir de outro lugar e, somado a isto, nunca vivi as experiências que os moradores vivem e viveram. Nunca estive internada por anos em uma instituição total e, tampouco, precisei passar por uma reabilitação psicossocial como estratégia de reinserção na comunidade. Como traz Figueiredo (2013), estar no lugar de pesquisadora num local familiar me permite olhar para a lógica da constituição das relações de outra forma.

A partir desse olhar, fui tomada por forte expectativa para a realização da pesquisa, não só pelo afeto que dedico ao campo-tema, mas também pelo afeto que dedico aos moradores da residência. O afeto não foi só de minha parte, os moradores evocavam minha presença num tempo passado, por meio de atualizações sobre o cotidiano, sorrisos e pedidos de que eu ficasse mais. A leitura de estudos que, assim como o meu, envolvem afetos e afetações, ajudou bastante neste processo.

Assim como Figueiredo (2013), ao assumir que poderia estranhar o familiar, passei a enxergar o diferente na rotina. Percebi que muitas mudanças haviam ocorrido, com destaque para a morte de um dos moradores, Marcelo7. Na época de residente, Marcelo era o morador que mais se destacava pela simpatia e pela conversa solta, e ao chegar à casa, senti sua ausência de imediato. Além disso, a equipe de cuidadores toda havia mudado, em decorrência do concurso público, e a TR que antes fazia visitas frequentes, hoje em dia já não consegue tal feito, o que afeta diretamente o cotidiano da casa. Os novos cuidadores pareciam ainda tatear no que é a proposta de um Serviço Residencial Terapêutico. Os moradores, por sua vez, pareciam ter vivido um longo período de perdas e ainda estavam tentando se organizar na nova rotina.

Um fato importante a ser destacado era o estranhamento da equipe de cuidadores com relação a mim. As duas primeiras vezes que cheguei à casa fui recebida com certo receio pelas cuidadoras do plantão, mesmo tendo solicitado à TR que avisasse de minha ida. Em um dos momentos, precisei ligar para que ela pudesse confirmar que tinha autorizado minha presença lá, o que, em certa medida, é positivo, considerando que minha presença injustificada poderia

não ser benéfica aos moradores. Mas, além disso, as cuidadoras agiam de uma forma um tanto mecânica sempre que eu chegava e depois iam ficando mais à vontade, o que demonstra uma fantasia de que eu estava lá para vigiá-las ou fiscalizar seu trabalho, conforme escrevi no diário de campo do dia 10 de junho de 2019, quando estava apresentando a pesquisa:

A partir daí pedi para todos se reunirem na sala com a presença das cuidadoras e falei detalhadamente sobre o que era a pesquisa. Expliquei que já tinha vindo na casa antes, mas que agora estava retornando em um outro lugar, como pesquisadora. Falei que iria respeitar o tempo deles e que caso não se sentissem à vontade com minha presença, era só dizer que eu me retiraria. As cuidadoras me perguntaram durante a explicação qual era minha profissão e o motivo de eu querer fazer a pesquisa ali. Em outro momento nesse mesmo dia, procuravam investigar minha trajetória profissional e, como sabiam que eu já havia estado ali, perguntaram o que eu estava achando. Disse que não me cabia fazer avaliações, e que também não estava ali a mando da coordenadora. Falei isso porque percebi o receio e o melindre que as cuidadoras estavam com relação a mim. Suponho que é porque acabaram de assumir seus cargos e ainda podem estar inseguras.

Como queria minimizar ao máximo os efeitos de minha presença, não cheguei a levar caderno para anotar as observações na própria casa, mas, sempre, ao sair, anotava palavras- chave para que pudesse me recordar dos acontecimentos quando fosse narrar os fatos no diário de campo, como orientam Bogdan e Taylor (1980).