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2 OS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL

6.1 Observação participante

O objetivo da observação participante foi obter dados da realidade prática dos sujeitos de pesquisa. Segundo Fernandes e Moreira (2013), a observação participante se faz necessária nas situações em que o pesquisador investiga as relações entre pessoas e instituições, assim como as práticas estabelecidas, opiniões e visões de mundo; aspectos que não seriam captados adequadamente através de outras técnicas de pesquisa.

Desse modo, a utilização da observação participante representou uma tentativa de colocar o observador e observado próximos, propiciando ao investigador vivenciar e trabalhar dentro do sistema de referências do grupo. Como ambos são da mesma natureza, em certa medida, toda observação torna-se uma participação (Alves-Mazzotti & Gewandsznajder, 1998; Marconi & Lakatos, 2008).

Sendo as representações sociais construídas em um espaço e tempo cultural, elas demandam uma investigação “in situ”, ou seja, no terreno. Pela complexidade dos fenômenos que representa, nenhuma metodologia isolada é suficiente na sua investigação. É preciso se assumir um “politeísmo metodológico” no estudo das representações sociais, conforme indicado por Moscovici (Cabecinhas, 2009). Nesse sentido as observações vêm compor os procedimentos de pesquisa como meio de inserir as representações sociais num contexto histórico e cultural, pertinente à sua formação.

A observação torna-se uma técnica científica a partir do momento em que passa por sistematização, planejamento e controle da objetividade. O processo de observação participante se inicia com a aproximação do pesquisador ao grupo estudado.

Na inserção o pesquisador deve procurar atenuar a distância que o separa do grupo social que pretende investigar. Uma vez inserido o pesquisador deverá concentrar seu esforços na obtenção de uma visão de conjunto do grupo. Através de documentos, entrevistas não diretivas, observações do cotidiano e reconstituição da história do grupo obtém-se uma melhor compreensão da realidade. Para não ocorrer perda de informações relevantes e detalhadas os dados devem ser imediatamente registrados em um diário de campo. Por fim, realiza-se a sistematização e organização dos dados, submetendo-os a análise do pesquisador (Queiroz, Vall, Souza, & Vieira, 2007). A imersão na realidade do grupo estudado e o

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domínio do referencial teórico pertinente fornecem ao pesquisador, no âmbito da pesquisa qualitativa, parâmetros para análise dos dados obtidos.

Além do diário de campo, o pesquisador deve-se valer-se de um roteiro de campo, do contato com informantes-chave e de recursos tecnológicos, como gravadores ou câmeras. O roteiro de campo é construído previamente, nele são estabelecidas as diretrizes a serem exploradas de acordo com os objetivos da pesquisa. Os informantes-chaves são aqueles sujeitos que podem facilitar a obtenção dos dados, dada a sua inserção no meio observado.

Os recursos tecnológicos dão suporte à coleta de dados, através da captação de imagem e áudio, facilitando o processo de registro das informações no diário de campo, outro recurso crucial na observação participante (Fernandes & Moreira, 2013). Aliados ao aporte teórico-metodológico da Teoria das Representações Sociais e da Análise do Discurso, os recursos foram utilizados tendo como objetivo conhecer as condições práticas em que são construídas as representações da doença mental.

Na atividade de pesquisa o conhecimento se constrói entre o saber, elaborado e incorporado nos pressupostos do pesquisador e, o fazer enquanto uma produção contínua que organiza a ação investigativa (Rocha, 2006). O roteiro de campo privilegiou as atividades terapêuticas e administrativas desenvolvidas pelos profissionais (Apêndice A).

Neste aspecto vale ressaltar que minha experiência como psicóloga de um CAPSad III serviu como um guia sobre quais atividades forneceriam melhores informações sobre as relações interinstitucionais e intrainstitucionais entre profissionais e destes com os pacientes. Nesse sentido, justifica-se a permanência prolongada no campo, devido ao conhecimento prévio da complexidade de um serviço de Saúde Mental.

Conforme também realizado por Souza, Kantorski e Luis (2011), o roteiro comtemplou a estrutura física, funcionamento, dinâmica e relações do serviço, oferta de atendimentos, planejamento das ações, organização do processo de trabalho, atividades de capacitação, acompanhamento de grupos terapêuticos, oficinas, passeios, reuniões, registros, encaminhamentos, recepção e eventos comemorativos, enfim, qualquer atividade realizada pelo CAPS durante o período da observação.

A coleta de dados iniciou desde o primeiro contato com a instituição. O tempo total de imersão no campo foi de nove meses consecutivos (Apêndice B). As observações se concentraram no período diurno devido ao maior fluxo de atividades e pacientes. A minha presença constante despertou nos profissionais maior interesse pela pesquisa, bem como demandas de maior intervenção do cotidiano através do convite para participação em algumas atividades. Fernandes e Moreira (2013) explicam que os dados obtidos pela observação

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participantes são produto da conjugação da tríade: participação do pesquisador, ação dos sujeitos observados e situação contextual.

6.1.1 Diário de campo

Constam no diário de campo as notas, observações e percepções da pesquisadora decorrente da sua inserção no grupo observado. O registro seguiu a orientação de Bogdan e Biklen (1994) de que o diário contivesse notas descritivas e reflexivas.

O componente descritivo consistiu do registro detalhados de fatos do campo como; atividades, transcrição de falas dos sujeitos, comportamentos, procedimentos de trabalho, ações e relações entre os sujeitos. A parte reflexiva constou de comentários, questionamentos, levantamentos de hipóteses, pontos a serem esclarecidos, reflexões metodológicas, sentimentos e estranhamentos da pesquisadora.

Beaud (1998 citado por Roese, Gerhardt, Souza, & Lopes, 2006) orienta que ao escrever uma observação é preciso se perguntar se cada detalhe mencionado é compreensível para alguém que não esteve na observação e se é indispensável para a compreensão da situação. Com isso pode-se evitar simultaneamente insuficiências de explicações e detalhes inúteis. Dessa forma, legitima-se que a validade da observação reside na interpretação do observador e não nela mesma. É preciso se ater ao processo dos fatos observado, salientando os aspectos mais significativos, sendo este o desafio de análise da observação.

O registro no diário de campo possibilitou a captação de aspectos da relação dos sujeitos no contexto da instituição no momento em que aconteciam, os quais não seriam captados adequadamente por outro meio. Malinowski cunhou a expressão “imponderável da vida cotidiana” para tratar dos elementos cotidianos que não são levados em consideração na investigação do funcionamento da sociedade, mas que, no entanto, tem substancialidade, concretude e portam significados consistentes para a compreensão da cultura do grupo (Fernandes & Moreira, 2013).

Ao longo do período de observação, o envolvimento no campo assumiu diferentes contornos. O facilitador do contato com o CAPS foi o coordenador de Saúde Mental do município. Ainda que os profissionais tivessem me recebido bem, foi preciso realizar um trabalho de desvinculação deste informante para obter acesso à perspectiva dos demais profissionais. Para tanto, forneci mais informações sobre mim, especialmente as relacionadas à minha vida profissional como funcionária do CAPSad III de Uberlândia. Com isso, me

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coloquei em condição de semelhança com os demais sujeitos aumentando meu espaço de inserção no campo.

Foi possível perceber que se estabeleceu uma relação de confiança com os sujeitos quando, devido à uma situação de emergência, uma das psicólogas me solicitou que continuasse seu grupo terapêutico, o qual eu estava observando e fazendo pontuações quando convidada.

A princípio os registros, principalmente das reuniões de equipe, eram feitos no momento em que aconteciam. Posteriormente, esta tática foi abandonada, para diminuir os sentimentos de desconfiança e aumentar a atenção da pesquisadora para o funcionamento do grupo em detrimento do registro fiel das falas.

No momento da observação, se necessário, eram feitas pequenas anotações que remetessem aos momentos considerados relevantes para a pesquisa. Após finalizada a observação no CAPS III, o registro detalhado era feito, de preferência no mesmo dia da observação, para evitar esquecimentos. Já que a memória é uma das principais aliadas do pesquisador que registra de forma qualitativa a realidade estudada em diários de campo (Queiroz et al., 2007).

Tendo coletados os dados no campo foi preciso organizá-los para composição do corpus de análise. Beaud (1998 citado por Roese et al., 2006) orienta que se faça a triagem e classificação do material através de temas e cronologia. Podem-se organizar fichas que resumam a cronologia da observação, incluindo os encontros mais significativos, ausências e desistências. É aconselhável que se realize uma reconstituição da série de posições que o pesquisador ocupou ao longo do processo, além de uma elaboração da problemática observada procurando levantar questões e hipóteses que foram progressivamente surgindo. Vale ressaltar que no momento em que se deita o olhar para a organização do material inicia- se o processo de interpretação.