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METODOLOGIA E MATERIAIS DE PESQUISA

OUTROS DADOS BIBLIOGRÁFICOS

3.3 Observações gerais sobre a bibliografia

Iniciamos a observação pelo apontamento de alguns dados quantitativos. No quadro-resumo a seguir, apontamos a quantidade de textos selecionados a cada período.

81 | Quadro-resumo 3.1: quantificação de textos por décadas

Algumas ressalvas se fazem necessárias:

1) embora se trate de uma seleção, e não de um registro exaustivo de referências,

nossa bibliografia constituiu-se a partir dos critérios que mencionamos no início deste capítulo, refletindo, nessa medida, os movimentos gerais da produção que particularmente nos interessou acompanhar.

2) ainda que resguardados os critérios de seleção, é possível que os números não

estejam absolutamente corretos, dada a dificuldade de obter referências, identificar e localizar os textos mais antigos, principalmente os da virada do século XIX para o XX. Quanto aos mais atuais, essa dificuldade revelou-se muito menor (no caso dos muito recentes, da virada do século XX para o XXI,

1 Levamos em conta aqui Os Estudos Lexicográficos de Macedo Soares que reúnem artigos publicados no

período de 1974 a 1890, já que a obra de Nina Rodrigues parece ter surgido apenas na década de 1930 em publicação.

Período Quantidade de textos

1870-1879 11 1880-1889 0 1890-1899 0 1900-1909 0 1910-1919 0 1920-1929 6 1930-1939 11 1940-1949 9 1950-1959 6 1960-1969 10 1970-1979 13 1980-1989 18 1990-1999 48 2000-2010 200 Total 322

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há inclusive um porcentual razoável de arquivos digitais disponibilizados na internet).2

Dito isso, a análise desses dados quantitativos aponta que, após os textos mais propriamente linguísticos de Macedo Soares, publicados ao longo de quase duas décadas, e o trabalho mais generalista de Nina Rodrigues, também elaborado na virada do século XIX para o XX, mas publicado em 1932, parece ter havido um intervalo de menor visibilidade do tema entre 1900 e 1920 (não localizamos nenhuma produção); na década de 20, ele ressurge, colateralmente, em trabalhos preocupados com dialetos

específicos ou com a “língua nacional” e também figura, em outros textos, como o

centro da discussão (v. Pontes, Senna)3.

Nos anos 1930, mais povoado do ponto de vista quantitativo, as duas tendências

‘análise colateral’ (relacionada ao estudo da história da língua, dos dialetos ou de outros

domínios culturais) e ‘análise central’ (que toma o problema como foco, centro de interesse) permanecem e, no segundo filão, dão ensejo a textos que se tornariam

“clássicos” na área: os de Raymundo e Mendonça. Essa década também presencia a

edição de obras póstumas, como a de Nina Rodrigues, o que talvez possa ter relação com alguma espécie de aquecimento de discussões relativas à ‘raça’ e ‘etnia’ nos círculos intelectuais locais.

Entre os anos 1940 e 1960, parece que a tendência de tratamento mais ‘colateral’ do tema, verificada na década de 1920, se fortalece novamente, ainda que haja textos que o tomem de modo mais ‘central’ aparecendo esporadicamente. As preocupações parecem mais voltadas para o estudo da história da língua portuguesa, e a relação PB e línguas africanas aparece como um dos múltiplos aspectos chamados para a explicação daquela questão mais ampla.

Entre o final dos anos 1960 e a década de 1980, surgem títulos que remetem ao contexto africano, aos quilombos, aos registros especiais, assinalando, aparentemente, um primeiro movimento no sentido de dividir o foco, até ali concentrado ‘no português

2 A produção de um corpus digitalizado dos trabalhos ‘antigos’ parece, pois, ter interesse epi-

historiográfico.

3 É possível que nesse período estivessem sendo gestados os estudos que se publicam a partir de 1920. O

mais comum, até, pelo menos os anos 1950, era a elaboração de estudos mais amplos, no formato de livros, que provavelmente requeriam mais tempo para serem concluídos. Também é possível que algo do contexto dos estudos da língua (como uma maior preocupação com o estabelecimento de normas de uso) tenha contribuído para isso. Finalmente, é possível ainda que o levantamento, apesar de todos os esforços e cuidados de busca e de checagem de informações, tenha simplesmente falhado nesse ponto. Em vista dessa concorrência entre hipóteses, não arriscaremos comentário específico sobre essa ausência.

83 | e no contexto brasileiro’, com as especificidades das ‘línguas africanas e do contexto do africano’ (na África ou no Brasil). Fragmentando um pouco este grande bloco temporal, podemos observar que: a) na década de 60, há uma pesquisa mais diversificada que aquelas realizadas até os anos 1950, já que, aos ainda preponderantes estudos históricos da língua portuguesa, juntam-se trabalhos que lançam o olhar para os africanos e suas línguas, como os de Castro, e também interessados em crioulística, como o de Carlota Ferreira; b) na década de 70, tem-se mais notícias de pesquisas realizadas junto a comunidades negras e quilombolas. Continuam as abordagens da influência e da crioulização. O termo ‘contato’ aparece aqui pela primeira vez em nosso mapeamento, no trabalho de Rosa Virgínia Mattos e Silva denominado “Aspectos do contato linguístico no Brasil”. Universitas, Salvador, n.24, p. 83-95, 1979; c) na década de 1980, parece se consolidar, como mais definitiva, a ‘descoberta’ da África no Brasil. Insinuada a partir do final dos anos 1960, em trabalhos como os de Castro e Ferreira, África torna-se termo mais frequente nos títulos e exploram-se mais as ‘línguas

africanas secretas’ (ou ‘línguas dos negros’) das comunidades de afrodescendentes.

Discute-se a existência de pidgins e crioulos no Brasil, inclusive a partir da retomada de textos sobre sua história e formação, publicados até os anos 1950 (como os da geração de filólogos dos anos 1940 e 1950). Aspectos como identidade e política, mote para trabalhos como os de Macedo Soares, no século XIX e alguns dos trabalhos do começo do século XX, são reintroduzidos em lugar de destaque em algumas das propostas.

A partir da década de 1990, a produção sobre a relação do PB com as línguas africanas cresce significativamente e experimenta intenso aumento entre 2000 e 2010 (com 200 títulos concentrados apenas nessa década). Esse aumento acompanha o aumento da produção científica em geral e linguística, em particular, no mesmo período. Como observamos em outro ponto, houve uma mudança importante na forma de se conceber e de se realizar o trabalho acadêmico nas últimas décadas, que favoreceu a multiplicação, mas uma multiplicação acompanhada de forte fragmentação – seja quando se consideram domínios cada vez mais especializados, seja quando se considera o lugar atualmente ocupado por formatos textuais mais ligeiros que o livro, como artigos, capítulos de livros organizados com múltiplos colaboradores, etc.

Até onde os títulos e o exame superficial de alguns dos textos permitem observar, há indícios de que, seguindo a tendência verificada em todo o período aqui considerado, os textos desse último intervalo (1990-2010) são diversificados, quanto às abordagens, ao aporte teórico e à maior ou menor centralidade (ou colateralidade)

84 | conferida ao tema PB-línguas africanas. Parece haver, no entanto, a emergência de abordagens mais especializadas e mais pontuais, voltadas para temas de interesse da Linguística geral, seja nos domínios de descrição gramatical, lexical, textual e discursiva. Também ganham força nesta etapa novos vieses diacrônicos e o viés sociolinguístico. Em análise mais pormenorizada, se na década de 1990 ganham destaque os trabalhos ancorados na Sociolinguística e na Teoria Gerativa da Gramática (que convivem com estudos dos ‘falares’ de comunidades afro-brasileiras e de dialetos rurais e também com descrições mais estruturais e culturalistas), nos anos 2000, a novidade é menos teórica do que material: é a comparação do PB com outras variedades do Português, que não apenas a lusitana. A discussão em termos de ‘influência’ e

‘crioulização’ persiste. O termo ‘contato’ parece estar disseminado por essa produção.

Esse período, ao dar forte visibilidade ao domínio sintático, introduz uma ruptura importante, já que boa parte da produção anterior, desde o século XIX, se dedicou ao exame do léxico. O tratamento preferencial do léxico é, aliás, um dos traços persistentes dessa tradição. A lacuna em relação a um domínio morfossintático parece estar sendo preenchida aos poucos, nos últimos anos.

Ainda com remissão aos títulos e ao contato que tivemos com algumas das obras, acrescentamos às observações anteriores, estas outras:

- análise do léxico português de origem, bem como o uso do termo ‘influência’ são persistentes ao longo de todo o período, sendo preponderante entre 1800 a 1950);

- ao lado dos textos produzidos por estudiosos da linguagem, são relevantes para a constituição dessa tradição linguística, também de forma descontínua, mas ao longo de todo o período considerado, os ensaios sobre etnia, história, cultura, costumes; ao lado desses aspectos, a língua é também tomada, em tais trabalhos, como um domínio

em que o ‘elemento-negro’ ‘influenciou’ a formação do Brasil;

- outra persistência é a vinculação do tema aos primeiros momentos de formação histórica da língua portuguesa, em geral, ou do PB, com a África e suas línguas consideradas em perspectiva colateral. Essa tendência sofre algum abalo a partir do final da década de 1960 e também na produção mais contemporânea, na qual, além de se reconhecer a relevância de se estudar mais outras variedades, se começa a fazê-lo, de modo incipiente.

- é também bastante forte a localização de herança africana em estratos específicos da língua (rurais, remanescentes africanos, popular, familiar, secreto)

85 | -rupturas importantes parecem se colocar nos anos 1930, com uma espécie de legitimação do tema; no final dos anos 1960, com o início das tentativas de se conferir um papel mais destacado à África, na contemporaneidade, com a atenção à gramática e inserção da relação num contexto pluricontinental.

Nossas observações são panorâmicas em vista da impossibilidade de realizar exame mais acurado dessa ampla produção.

No próximo capítulo, com o objetivo de viabilizar uma análise um pouco mais aprofundada acerca da natureza dessa produção – apenas esboçada aqui a partir da quantificação, do exame dos títulos, e do contato direto com uma parte dos trabalhos –, examinaremos mais minuciosamente alguns ‘exemplares’ (cf. Kuhn 1962). Esse exame permitiu observações um pouco mais verticalizadas sobre as formas de tratamento do tema ao longo do tempo no Brasil.

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Capítulo 4

O

BRAS INAUGURAIS DOS ESTUDOS DO CONTATO DO

PB

COM AS LÍNGUAS

AFRICANAS

:M

ACEDO

S

OARES

(1942[1874-1890]),M

ENDONÇA

(1935[1933]),R

AIMUNDO

(1933)

E

S

ILVA

N

ETO

(1950)

Neste capítulo, apresentamos as análises dos quatro primeiros textos selecionados, a saber: Estudos lexicográficos do dialeto brasileiro (1942[1874-1890]) de Antônio Joaquim de Macedo Soares [1838 - 1905], A influência africana no Português do Brasil de Renato Firmino Maia de Mendonça [1912 - 1990], O elemento afro-negro na Língua Portuguesa (1933) de Jacques Raimundo Ferreira da Silva [?– 1960?]1 e Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil (1950) de Serafim da Silva Neto (1917-1960) realizada de acordo com a metodologia apresentada no capítulo 2.