• Nenhum resultado encontrado

Observando falhas na representação de processos hidrossedimentológicos

6 RESULTADOS E DISCUSSÕES

6.4 Observando falhas na representação de processos hidrossedimentológicos

Como apresentado em Buarque (2015) e na seção 6.2, usando os valores padrão dos parâmetros calibráveis, o modelo MGB-SED apresentou resultados coerentes quando aplicado nas bacias do rio Madeira e rio Doce, respectivamente. Observou-se que alguns fatores, tais como a escassez de dados observados e a não representação de alguns processos que ocorrem na natureza foram limitantes para se alcançar resultados ainda melhores na calibração do modelo MGB-SED. A seguir, são

apresentados os resultados de uma discussão que buscou identificar incertezas e compreender os processos que ocorrem na bacia e os processos representados pelo MGB-SED.

6.4.1 Incertezas e Simplificações

O modelo hidrológico MGB-IPH representa, por meio de suas formulações matemáticas, diversos processos do ciclo hidrológico, como a interceptação, evapotranspiração, balanço de água no solo, entre outros. Com isso, o modelo apresenta também diversos parâmetro calibráveis, como já apresentado na metodologia desse trabalho.

Durante o processo de calibração, visando a redução de erros em vazões simuladas, é possível analisar métricas e gráficos como o hidrograma e a curva de permanência para verificar que as vazões simuladas representam de forma adequada a realidade. Com a modificação dos parâmetros calibráveis é possível, portanto, atrasar, alongar ou achatar picos de vazão no hidrograma, aumentar a recessão ou diminuir a contribuição de água subterrânea no período seco, etc. Entretanto, sabe-se que esse ajuste é limitado e que a estrutura e os parâmetros do modelo não conseguem explicar 100% dos processos hidrológicos da bacia. O mesmo ocorre com o modelo MGB-SED.

Para a estação fluviométrica 56994500, localizada em Colatina-ES, Oliveira e Quaresma (2017) afirmam que 63% da variação da carga de sedimentos em suspensão pode ser explicada pela vazão. Os autores chegaram nesses resultados a partir do ajuste de uma curva entre dados de vazão e descarga sólida para o posto. Os demais 37%, segundo eles, poderiam ser explicados por outros fatores como a intensidade da chuva, a cobertura vegetal e o manejo do solo.

Como apresentado na seção 3.1, a erosão do solo pode se apresentar de diversas maneiras e é fortemente afetada pela chuva e sua intensidade. Na equação MUSLE, os fatores de intensidade de chuva são substituídos pelo escoamento superficial e uma vazão de pico, que estaria relacionada com a energia máxima do escoamento sobre o solo, e que no MGB-SED é desconsiderada pela dificuldade de se obter tal informação (KINNEL E RISSE, 1998). Além disso, os valores de

precipitações são interpolados para os centroides das minibacias, o que pode fazer com que os valores de precipitação sejam ora subestimados, ora superestimados.

Outras limitações relacionadas a equação da MUSLE é uma fiel representação dos parâmetros da equação, tanto no tempo quanto no espaço. Por exemplo, a quantidade de carbono orgânico no solo apresenta uma variação considerável ao longo do tempo, dependendo de fatores como temperatura, cobertura vegetal e até mesmo práticas de manejo do solo (COSTA et al., 2008). Assim, a consideração de um valor médio para todo o período de simulação se constitui uma fonte de incertezas no cálculo do parâmetro de erodibilidade do solo. Os fatores de uso, manejo e práticas conservacionistas também são representados de forma simplificada (embora, para a bacia do rio Doce, apenas 5,43 % da bacia corresponde a agricultura (IBIO, 2017)).

Além disso, sabe-se que a MUSLE é uma equação empírica que matematicamente representa uma função do tipo potência, o que torna uma forma simples de representar toda a complexidade dos processos hidrossedimentológicos. Cita-se ainda que os processos de retenção/deposição de sedimentos nas encostas não são representados por uma formulação matemática específica, mas são contabilizados dentro da equação ajustada.

6.4.2 Processos não representados pelo modelo MGB-SED

Com respeito as observações de processos que ocorrem na bacia e que não foram representados pelo modelo, destaca-se a presença dos sedimentos em suspensão na água no período seco. Como mencionado na seção 6.2, observou-se que as CSS simuladas no período seco subestimaram os valores observados, muitas vezes com CSS próximas a zero. Isso indica que no período em que não ocorrem chuvas o rio possui outras fontes de sedimentos que não aquelas provenientes das encostas para o canal. Essas fontes podem ser a erosão dos bancos arenosos (FRYIRS, 2013), do leito e das margens (HOOKE, 2003) ou mesmo atividades de mineração (LOBO et al., 2016).

Dentro do contexto da conectividade do transporte de sedimentos em uma bacia hidrográfica, os bancos arenosos (Figura 6-17) podem ter um papel importante no suprimento de sedimentos no canal (FRYIRS, 2013). Como se sabe, a quantidade de sedimentos na bacia é alta e a maior parte desses sedimentos correspondem às

frações de silte e argila (Tabela 5-6). É possível que parte dos sedimentos em suspensão sejam depositados no período chuvoso e fiquem armazenados entre os poros dos bancos arenosos, constituídos principalmente de sedimentos grossos e no período seco sejam remobilizados pelo escoamento que possui baixa CSS. Essa conexão existente entre os bancos arenosos, os sedimentos finos e o escoamento no canal é apresentada em Fryirs (2013).

Figura 6-17: Bancos arenosos no trecho do rio Piracicaba, afluente do rio Doce. Imagem do dia 19 de outubro de 2017. Fonte: Google Earth.

O suprimento do escoamento pela erosão das margens ocorre devido à falta de sedimentos no canal, grosseiros ou finos. Hooke (2003) menciona que a jusante de um trecho de rio estável o canal é muito ativo, mas os depósitos de material grosseiros não são o suficiente para suprir o déficit de sedimentos em suspensão, o que faz com que os sedimentos finos sejam erodidos das margens. Os sedimentos com granulometrias maiores são transportados principalmente quando as vazões são altas (período em que a energia do escoamento é maior), enquanto que proporcionalmente a quantidade de sedimentos finos transportados diminui (LIN et al., 2017).

A interação canal-planícies também apresenta um papel importante nos fluxos de sedimentos (FRYIRS, 2013). As planícies possuem tanto a capacidade de reter sedimentos como de alimentar o canal com os sedimentos nela depositados, através do processo de ressuspensão. Na versão do MGB-SED utilizada nesse trabalho, não foi utilizado o módulo de conexão lateral entre as planícies e o canal. Contudo, Buarque (2015) demonstrou que ao considerar esse módulo o MGB-SED conseguiu

representar de forma mais adequada os processos de retenção de sedimentos nas planícies da bacia do rio Madeira.

A Figura 6-14, que compara as CSS simuladas com o MGB-SED e observadas, mostrou que o modelo também não representou de forma adequada grandes picos de concentração. Outro fenômeno que não é representado pelo modelo e que ocorre na bacia, como identificado na Figura 6-18, é o deslizamento de massa que contribui com uma grande quantidade de sedimentos para o escoamento. O período entre as imagens da Figura 6-18 compreende uma das maiores cheias já registradas na bacia do rio Doce. Os deslizamentos de terra ocorrem principalmente nas bacias dos rios Suaçuí Grande, Santa Maria do Doce e Caratinga (PIRH, 2010).

Figura 6-18: Movimento de massa numa encosta próximo ao rio Pancas, afluente do rio Doce. a) imagem do dia 18 de julho de 2013 e b) imagem do dia 05 de maio de 2014. Fonte: Google

Earth.

Outra fonte pontual que contribui para o aumento da carga de sedimentos são aquelas provenientes da mineração (LOBO et al., 2016). Essa atividade é histórica na bacia (HORA et al., 2012) e é realizada em diversas áreas, principalmente nas regiões de cabeceira dos rios do Carmo e Piracicaba (Figura 6-19). Esse tipo de fonte não está incluído no modelo e, portanto, se as observações apresentam valores elevados de CSS, é possível sugerir que algum tipo de fenômeno anômalo ou associado a atividades antrópicas ocorreu na bacia. Esse é o caso do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, localizada no município de Mariana-MG, que não poderia ser representado de forma natural pelo modelo, mas que foi observado a partir de imagens de sensoriamento remoto (FAGUNDES et al.,2017).

Figura 6-19: Áreas de mineração na bacia do rio Doce.