• Nenhum resultado encontrado

Petrópolis, 16 de fevereiro, 1954.

U 8 OCTAVIO TARQUINIO D E SOUSA

Não deixava de ser estranha a imposição que lhe fa ziam expressamente, ao lhe permitirem a vinda ao Brasil: devia voltar para Portugal. Mas nem essa licença clausu lada produziu efeito. Arrastavam-se os dias, com o oceano Atlântico de permeio, e José Bonifácio em vão esperava as ordens necessárias para o embarque. Em 10 de outubro de

1810 representou sôbre a demora da sua partida. Para cúmulo de aborrecimento, tomara tôdas as providências de ordem particular, isto é, mandara arrumar em Coimbra parte de sua grande coleção mineralógica e de sua biblioteca, fizera encaixotar, também, máquinas, modelos e desenhos de estudo de que pudesse necessitar (prova de que sua intenção era ficar no Brasil), escrevera desde 16 de janeiro de 1810 a seu irmão Martim Francisco, pedindo-lhe dinheiro emprestado para a viagem e dêle recebera três mil cruzados, e ajustara navio para 23 de agôsto do mesmo ano. Con tinuando a aguardar inutilmente resposta às reclamações e pedidos que fazia, transferiu a viagem para 1811, quando deveria embarcar na fragata “Carlota”, acompanhado de quatro senhoras, uma criança e dois criados. Mas não veio em 1811, e teve que esperar mais oito anos, até que chegasse a hora de um regresso tantas vêzes protelado.

A última fase da permanência de José Bonifácio em Portugal foi mais cheia de tédio do que nunca. Impedido, a bem dizer, de voltar para o Brasil, era como se estivesse proscrito, a conhecer por antecipação o exílio verdadeiro, que iria sofrer de 1823 a 1829: continuava prêso a uma sociedade que aborrecia, forçado a desempenhar funções para que não tinha mais gôsto, numa má disposição de espírito e sofrendo já as conseqüências da idade (mais de cinqüenta anos): “o estado habitual de sua saúde é mor boso”, disse, em atestado de 11 de abril de 1814, o Dr.

portuguêsa escapar pelos mares a fora c fantasiara um Im pério de miragem, expiava numa ilha solitária uma glória militar autêntica, pôsto que malfazeja. Mas a família real portuguêsa continuava na colônia americana, que ia acele rando o processo de sua emancipação. Desde 1815 fôra instituído o reino do Brasil, unido ao de Portugal, em pé de igualdade. De várias maneiras, alguns dos coloridos colo niais mais intensos se atenuavam. A abertura dos portos, o comércio livre, a tarifa protecionista dos produtos ingleses melhoraram de qualquer sorte as condições da vida brasi leira, deram vigor às suas cidades, tornaram mais propício o ambiente ao desenvolvimento de uma classe média, antes impossível diante do binômio — senhores e escravos.

Notícias do Brasil não faltavam a José Bonifácio. Com a demora do tempo, pelos navios a vela que gastavam dois meses em média na travessia entre o Rio e Lisboa, as cartas da família lhe chegavam, e os presentes, pequenas lem branças que valem tanto. Cartas, por exemplo, de sua mãe, D. Maria Bárbara, anunciando a remessa de café, goiabada, açúcar, e ao mesmo tempo contando que escapara de enlouquecer quando soubera que o filho Antônio Carlos, então ouvidor de Olinda, se envolvera na revolução repu blicana de 1817, em Pernambuco. O próprio Antônio Carlos narrava ao irmão José Bonifácio o que ocorrera, em carta de 14 de abril dêsse ano. A revolução parecia-lhe “um sucesso assombroso: cinco ou seis homens destroem num instante um Govêrno estabelecido, e tôdas as autoridades se lhes sujeitam sem duvidar". E acrescentava: “fui cha mado pelo novo Govêrno provisório e fui tratado com o maior respeito e distinção, pedindo-se-me que tivesse assento entre êles e assistisse às suas deliberações para os aconselhar, o que até agora tenho feito. As tropas mostram zêlo e

Assembléia Constituinte, e interinamente há um Govêrno de cinco membros e um Conselho de Govêrno. Foram destruidos os Juizes de Fora e Ouvidores, e ficou tudo devolvido a juizes ordinários, e para última instância a um Colégio Supremo de Justiça. Têm-se abolido alguns im postos dos mais onerosos e trabalhou-se muito em porem-se num pé de defesa respeitável. Eis-me portanto separado dos meus, visto os dois partidos em que nos achamos alis tados, o que me custa. A lista civil tem sido mal paga, que é o mesmo que dizer-te que estou pobre.”

Pouco tempo depois José Bonifácio saberia do malogro dessa revolução republicana, que a seu irmão parecera tão assombrosa. Fôsse embora sintomática da fermentação de um forte espirito nativista e autonomista existente já no Brasil, e assumindo na região nordestina feição mais liber tária assinalável havia mais de um século, desde a guerra dos Mascates, o Poder Real reprimiu-a implacavelmente. E Antônio Carlos, escapando da morte, talvez ainda por ser irmão de José Bonifácio, foi parar numa masmorra na Bahia, onde ficou algemado e prêso pelo espaço de cêrca de quatro anos.

Provàvelmente, não terá agradado a José Bonifácio essa atitude do irmão, que no Brasil tomava parte em revoluções capazes de pôr em risco a unidade do pais. Como, depois, na fase da independência, haveria de fazer do príncipe D. Pedro o melhor instrumento para conseguir a emancipação do Brasil integro, não julgava que se de vesse prescindir, no momento, da ação que estava a exercer, com sua presença no Rio de Janeiro, a família real portu guêsa — ação de uma forte autoridade central em contra posição às numerosas fôrças dispersivas e desagregadoras.

122 OCTAVIO TAR QU INIO D E SOUSA

Ao tempo da invasão de Portugal pelos franceses, José Bonifácio cantou numa ode o príncipe regente, a quem chamou de

Joño, do Brasil, Gloria, Esperança!

Como quer que seja, noticias como as do movimento insurrecional pernambucano deviam aguçar-lhe ainda mais o desejo de regresso ao Brasil. Não poderia ser indiferente ao que se passava em sua terra: queria vê-la na situação a que tinha direito, participar da tarefa de sua emancipação: e queria que esta fôsse não apenas na aparência, mas atin gisse a estrutura, resolvidos ou encaminhados os problemas fundamentais do país. De maneira alguma concordaria mais em ir ao Brasil em licença, com a obrigação de tornar a Portugal, como durante muitos anos lhe acenaram: ansiava por voltar de vez, para ficar, para fixar-se, para morrer. Se não lhe dessem um papel qualquer na emprêsa emancipadora, ainda assim volveria à terra onde nascera, beijaria sua velha mãe em caminho dos oitenta anos, poria em ordem os seus livros (cêrca de 6.000 volumes), os papéis, as coleções que reunira em três décadas de estudo, e realizaria, no retiro do seu sítio dos Outeirinhos, uma obra de sábio e de cientista, a obra da experiência e da madureza. Em 26 de agôsto de 1816 dirigira a D. João uma longa petição em que enumerava os serviços prestados, queixava-se do estado de saúde ■— “moléstias de natureza crônica e já envelhecidas, a que a medicina não sabe curar mas só quando muito paliar com dieta e sossêgo” — e pedia apo sentadoria. Era a segunda investida que fazia nesse sentido. Em fins de março de 1818, manifestava em carta a um amigo a sua sofreguidão, o seu intenso desejo de deixar

"só suspiro por entranhar-me ñas matas de São Paulo, onde ao menos tenho bananas, carne de porco e farinha de pau à fartura."

Não obteve o que pleiteava: deram-lhe apenas licença para voltar ao Brasil com os vencimentos de três dos cargos que ocupava, e isso só em 29 de outubro de 1818. Solução provisória, mas que lhe permitia realizar o que tanto dese  java. Sem perda de tempo, começou a preparar-se para a viagem. Vivera em Portugal longamente, desde 1783, descontado o período entre 1790 e 1800, em que viajara pela Europa. Fizera amigos e desafetos, admiradores e

invejosos. Exercera e continuava a exercer cargos e co missões de grande relêvo. Criara hábitos, deixara-se in fluenciar em muita coisa pela terra de adoção. Nela se casara e tivera filhos: nela, ao tempo da mocidade e depois,

fôra homem dócil às graças do sexo, homem de aventuras e de belas mulheres. Partir, pois, embora com a licença

real, não era tão fácil, como lhe parecia nas horas de des- gôsto e irritação: obstáculos iam surgir ainda, retardando a viagem por muitos meses.

O primeiro, o infalível, havia de ser o da burocracia. Para poder embarcar, exigiram-lhe certidões de que estava quite com todos os cargos que exercera. Exibiu provas, argumentos, razões. Tudo em vão. Só embarcaria se apresentasse as “certidões competentes”, numa prestação de contas minuciosa de todos os estabelecimentos que ad ministrara, Obter tais certidões num país como Portugal durante o reinado joanino e depois era, valha o lugar- comum, trabalho de Hércules, exigindo esforços sôbre- humanos. Enquanto José Bonifácio requeria, provava,  juntava papéis, mais papéis, partiam os navios em que devia embarcar. E o passaporte só lhe seria concedido

negocio. Afinal, como resultado de sua vontade firme e do seu querer insistente, conseguiu, em meados de 1819, provar que não furtara, que não malbaratara os bens pú blicos confiados à sua gestão.

Enfim ia partir. Já com as coleções e os livros encai- xotados, e de viagem marcada, pôde despedir-se dos amigos. Entre êstes os melhores seriam com certeza os companheiros da Academia das Ciências. Deixava-os com saudades, sentia separar-se déles para sempre. Na sessão de 24 de  junho de 1819, disse adeus à casa que o acolhéra aos vinte e sete anos e que abandonava com cinqüenta e seis. Ao discurso que então fêz, deu um tom intimo de confissão, em que rememorou os passos mais importantes de sua vida e as suas mais caras esperanças. “E ’ esta a derradeira vez,

sim, a derradeira vez (com bem pesar o digo) que tenho a honra de ser o historiador de vossas tarefas literárias e patrióticas, pois é forçoso deixar o antigo, que me adotou por filho, para ir habitar o novo Portugal, onde nasci ( . . . ) ” Frisava ai José Bonifácio o seu aprêço pela continuidade cultural e afetiva dos dois paises, o do seu nascimento e o em que vivera tão largos anos: dava um como continuação do outro, mas ambos, o novo e o antigo, no mesmo pé de igualdade. Contou depois o que fizera, seus trabalhos e suas viagens, sem esquecer o episódio da invasão napoleó nica, ufano da própria ação: “em tais circunstâncias mostrei que o estudo das letras não desponta as armas, nem em botou em mim aquela valentia que sempre circulara em

nossas veias, quer nascêssemos aquém ou além do Atlântico.” Mas logo reaparecia o sábio, a reivindicar para o Brasil o lugar que lhe cabia, e a dar mostras de que acreditava nas soluções pacificas. Sem ameaçar, -sem in vocar de novo a sua valentia, expunha os seus sonhos:

emancipada, cuja grandeza decantava: “ ( . . . ) Que país êsse. Senhores, para uma nova civilização e novo assento das ciências! Que térra para um grande e vasto Império!” José Bonifácio ia partir. E um outro obstáculo, não de ordem burocrática, nem de falta de dinheiro, nem de doença, tolhia-lhe os movimentos, deixava-o inquieto, com um pêso no coração, numa angustia em que se misturavam dúvida, remorso, ternura, e o fazia chorar, temer, mentir e até sorrir de másculo desvanecimento. Que estaria a provocar-lhe tal estado de alma?

As dimensões dêsse homem singular não poderão ser medidas pela craveira comum. O estudo das ciências, o silêncio dos laboratórios, a solidão dos gabinetes de tra balho, a responsabilidade de encargos difíceis não afetaram em nada sua natureza: não a ressecaram, não a deformaram.

Em sua marca mais profunda, no sinéte de sua autenticidade não mudou, nem com os choques da vida, nem com o fluir do tempo. Ñas qualidades e nos defeitos, no dom de admirar e de indignar-se, na capacidade de servir, na fôrça

das paixões de tôda espécie, boas e más — simples e insolente, temo e impiedoso, probo e injusto — guardou fidelidade a si mesmo, que é urna das melhores formas de não envelhecer. Por que, no momento de partir, José Bonifácio se sentía tão inquieto, tão angustiado? Não seria o temor da viagem ou da mudança. E não ia sózinho. Casara havia muitos anos com D. Narcisa Emilia O’Leary, senhora de origem irlandesa, que Ihe dera duas filhas e tinha sido sempre dedicada companheira. A julgá-la por urna nota que se encontra nos papéis íntimos do marido, D. Narcisa era de urna bondade algo passiva, dessas cria turas suaves, que não primam pela energia e se deixam

influ pelos “ s fortaleza de alma

mulher a quem a natureza não deu cabeça fria e nervos robustos.”

Das duas filhas, Carlota Emilia e Gabriela Frederica, a primeira, mais velha, acabava de casar com Alexandre Antonio Vandelli, auxiliar do sogro, desde 1813, na Inten- déncia-Geral das Minas e Metais e na Academia das Ciências. D. Narcisa não tivera o condão de fazer de José Bonifácio um marido impecável. O homem que se dizia tímido na presença de senhoras, não escondia a facilidade em abrasar-se diante de raparigas mais acessíveis ou cons cientes dos próprios encantos e déles tirando partido sem maiores escrúpulos.

No ano de 1819, ao voltar para o Brasil, José Boni fácio já completara cinqüenta e seis anos. Pois andava ainda nessa idade — que não é em homem normal tempo de já ser velho, mas não o é também de aventuras senti mentais — entregue a um caso de amor, de que resultara o que por certo não esperava: uma criança, uma menina, uma filha. Ternura paternal, desvanecimento vaidoso de homem mais que maduro, consciência do dever, fôsse o que fôsse, pensou, hesitou, refletiu e afinal chegou à conclusão de que, partindo definitivamente, não devia deixar a filha, não devia abandoná-la,

A menos que fôsse uma desalmada a mãe da menina, que não poderia seguir viagem, havia de opor-se, de lutar, de defender a filha. Mas, ou por um rapto, ou por outro recurso, o certo é que José Bonifácio se apoderou da criança. Era-lhe impossível mentir à sua mulher. E não mentiu: confessou tôda a verdade, pediu perdão, chorou sem dúvida! Por fraqueza ou "fortaleza de alma”, por muita bondade, D. Narcisa não tardou em perdoar a quem chamava de "meu querido Andrada” Perdoou, e a menina veio com a

Já agora podia partir. No passaporte de 19 de agosto de 1819, concedido a José Bonifácio, falava-se déle, de sua mulher D. Narcisa O’Leary de Andrada, de sua filha D. Gabriela Frederica de Andrada, de duas criadas, urna sol teira, chamada Carlota Emilia Machado (sobrinha de José Bonifácio), e outra casada, de nome Ana da Silva, acom panhada de seu marido João Gabriel da Silva e “urna filha

de mama”. Dissimulava-se nessa criança, atribuida para efeitos da viagem a outros pais, o fruto da última aventura de José Bonifácio, que não só de ciências e serviços públicos cuidava e foi homem de aventuras, espadachim a quem se

atribuem quatro mortes em duelo.

CAPÍTULO V

JO SÉ BONIFACIO NO BR A SIL. CHEGADA. NOVO

CONTATO COM A TERRA. OS ACONTECIMENTOS POLÍTICOS.

partir para estudar em Coimbra, em 1783, José Bo nifácio tinha vinte anos; voltava com cinqüenta e seis: mais de três décadas e meia durara a sua ausência do Brasil. A simples colonia que deixara subira à categoria de reino e era a sede da monarquia, com ares de metrópole, numa como que inversão de papéis. As conseqüências dai ad vindas feriam o olhar do observador menos atento. Bem diverso se apresentava, por exemplo, o Rio de Janeiro. A despeito do negativismo da fidalguia parasitária que acom panhara a familia real na transladação para o Brasil e cujo exclusivo pensamento era voltar para Portugal, muita coisa melhorara na fisionomia urbana, e novos bairros, mais pi torescos, como o Catete e Botafogo, foram surgindo, com as suas grandes chácaras e seus jardins.

O comércio, já com muitas casas inglêsas e francesas, oferecia artigos e objetos de luxo. Tornara-se mais ativa tóda a vida da cidade; a existência da Córte e de um corpo diplomático dava-lhe ensejo a um esbôço de mundanismo. Mais importante do que isso, eram as iniciativas de ordem administrativa, econômica e cultural. Bem ou mal, vinham sendo lançadas as bases da nação que surgia. Nem sempre

coisas. Cuidava-se de pôr em funcionamento um aparelho administrativo completo, criavam-se repartições públicas, tribunais, estabelecimentos de ensino e tipografías, editavam- .se obras várias (até de Voltaire), fundavam-se os primeiros  jornais brasileiros, procurava-se fomentar novas fontes de

riqueza e estimular antigas, tratava-se de agricultura, de minas, de fundição de ferro, buscava-se desenvolver os meios de comunicação e de transporte, sem falar na liber dade do comércio e da industria que se instituíra. Mas não se tocava no essencial ■— o regime de propriedade e de trabalho.

Aparências, algumas belas e promissoras, de civiliza ção e de progresso, José Bonifácio vinha encontrar, e isto lhe dava, à primeira vista, satisfação. Êsse estado de alma, entretanto, não poderia ser duradouro. Â sua visão de cientista e de pensador não esvapavam os aspectos mais profundos dos problemas brasileiros. E fixou-os logo, na sua nudez, tal como os exporia pouco depois em documentos públicos que atestam a sua vocação de homem de Estado e de construtor da nacionalidade. Êle que, em fórmula perfeita, achava que “a sociedade civil tem por base pri meira a justiça, e por fim principal a felicidade dos homens”, não compreendia como poderia haver verdadeira liberdade num país em que o trabalhador era quase exclusivamente o escravo negro e em que a economia se organizara em benefício de uma classe privilegiada. Sem se deixar iludir por exterioridades, entendia lúcida e generosamente que era necessário de partida a “expiação de crimes e pecados velhos”. Crimes e pecados velhos contra os negros que chegavam ao Brasil aos milhares, abafados no porão dos navios e mais apinhados do que fardos de fazenda; crimes

devia adotar, a seu parecer, consistia na abolição imediata do tráfico africano "tão bárbaro e carniceiro”; a segunda, na extinção da escravatura, feita gradualmente, para evitar traumatismos e súbitas perturbações.

Fôra considerável sem dúvida a obra propriamente política realizada, mas havia outra, de natureza social e económica a empreender, mais importante e mais dificil. E nenhum dos seus pontos fundamentais escapou à argúcia de José Bonifácio — abolição do tráfico, extinção da es cravidão, incorporação dos índios à sociedade que se vinha formando, miscigenação orientada no sentido de suprimir choques de raças e de classes e de constituir, pelo amálgama de todos os elementos étnicos, uma “nação homogênea”, transformação do regime da propriedade agrária com a substituição do latifúndio pela subdivisão das terras de modo a “favorecer a colonização de europeus pobres, índios, mulatos e negros forros”, preservação das matas c renova ção das florestas, localização adequada das novas vilas e cidades, aproveitamento e distribuição das águas visando ao interêsse coletivo, exploração das minas, para só citar êstes.

Tudo isso, vasto programa que indicava os rumos po sitivos de uma emancipação total dos brasileiros, ocorreu a José Bonifácio ao chegar à sua terra e tomar com ela mais íntimo contato. Para discernir com tanta segurança as necessidades do Brasil, tinha, mais do que o comum de seus contemporâneos, a formação científica, as longas via gens pela Europa, e a meditação de todos êsses problemas,

sem falar na própria superioridade.

Haveria realmente a intenção de aproveitar os serviços do brasileiro recém-chegado, de elevâ-lo a funções de

do novo reino. Com a morte do conde de Linhares em 1812, do marqués de Aguiar e do conde da Barca em 1817, e com o conde de Pálmela na Europa, de onde chegaria em dezembro de 1820, os homens de maior valor a serviço do rei eram Tomás Antonio de Vila Nova Portugal e o conde dos Arcos.

O primeiro, dedicadissimo a D. João VI, parece que percebia a necessidade de chamar brasileiros aos conselhos do govêrno e, admirador e amigo de José Bonifácio, teria sugerido o nome déste. Concordando o rei a principio, hesitando depois, tornando a aceitar o alvitre, estaria assim explicada a volta de José Bonifácio, vencidas tôdas as re sistências que tanto a haviam retardado. Mas não seria ministro: como aprendizado, receberia o pôsto de ajudante do ministro Tomás Antônio. Ao convite seguir-se-ia recusa

Documentos relacionados