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MAPA 10 Planta de macro setorização IPHAN

2.3 Ocupação urbana e uso do solo

O processo de urbanização que ocorreu nas cidades brasileiras, principalmente a partir da segunda metade do século XX, produziu um modelo de cidade que, sem as políticas adequadas de planejamento e de implantação de infraestrutura urbana, tem provocado transtornos diversos à população: mobilidade dificultada, congestionamentos no trânsito, deficiência de moradias, poluição atmosférica e sonora, deficiência ou ausência de saneamento básico, crescimento de favelas, violência, etc.

Especificamente em relação a uso e ocupação do solo, esse crescimento tem apresentado contrastes marcantes. Por um lado, um padrão de urbanização de baixa densidade e crescimento disperso, com ocupação de áreas distantes dos centros urbanos por condomínios fechados ou núcleos habitacionais que, embora possam possibilitar mais qualidade de vida, exigem maiores deslocamentos, quase sempre em automóveis individuais. Em outra vertente, um descontrole marcante com grande parte da população urbana brasileira vivendo em condições adversas, em habitações inadequadas, sem serviços públicos essenciais, como recolhimento de lixo, fornecimento de água e recolhimento de esgoto, com dificuldades de acesso e outras mazelas, que condicionam a vida a padrões de pobreza ou, em alguns casos, de miserabilidade.

Assim, o PlanMob do Ministério das Cidades explica:

O padrão de urbanização, com baixa densidade e com expansão horizontal contínua, com especulação imobiliária, segrega a população de baixa renda em áreas cada vez mais inacessíveis, desprovidas total ou parcialmente de infraestrutura e de serviços, prejudicando o seu acesso a essas oportunidades, impedindo uma apropriação equitativa da própria cidade e agravando a desigualdade na distribuição da riqueza gerada na sociedade. (BRASIL, MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2007, p. 39).

Sendo assim, a ocupação irregular do solo urbano passa a ser o recurso utilizado, em diversas situações, sem alternativas, como expectativa de resolver problemas de moradia. Nesse sentido, Jorge (2011) afirma:

O processo de urbanização brasileira, caracterizado pela apropriação do mercado imobiliário das melhores áreas das cidades e pela ausência, quase completa, de áreas urbanizadas destinadas à moradia popular, levou a população de baixa renda a buscar alternativas de moradia, ocupando áreas vazias desprezadas pelo mercado imobiliário, nesse caso, áreas ambientalmente frágeis, como margens de rios, mangues e encostas íngremes. (JORGE, 2011, p. 119).

Essas ocupações, feitas em situações precárias, aumentam a vulnerabilidade de áreas naturalmente frágeis, provocando, por exemplo, escorregamentos que atingem as de maior declividade, muitas vezes locais de maior precariedade, como favelas, loteamentos irregulares e outras formas de ocupações indevidas (JORGE, 2011).

Os problemas decorrentes desse modelo de ocupação não se restringem a danos causados à qualidade de vida dos envolvidos. Além dos riscos e das condições precárias em que vivem, essas ocupações acabam contribuindo para a ocorrência de impactos ambientais e causam modificações no meio urbano, com reflexos econômicos e sociais.

Segundo Coelho (2012, p. 25), “na produção dos impactos ambientais, as condições ecológicas alteram as condições culturais, sociais e históricas, e são por elas transformadas”. Para o autor, o impacto ambiental é, ao mesmo tempo, produto e produtor de novos impactos e atua como condicionante do processo seguinte, implicando uma relação de mudanças sociais e ecológicas. Considera ainda que, diante do avançado estágio de ocupação do planeta, está cada vez mais difícil separar impacto biofísico de impacto social.

Ao se analisarem impactos ambientais decorrentes das formas de ocupação urbana, é preciso considerar questões políticas, sociais e culturais, entender os motivos da estruturação não planejada de espaços físicos e buscar meios para aliviar as tensões presentes no cotidiano das pessoas que vivem em áreas suscetíveis a fenômenos ambientais. Problemas decorrentes de ocupações em áreas de risco frequentemente atingem camadas menos favorecidas da população, que, sem alternativas, ocupam margens de rio ou passam a viver em encostas de morro sujeitas a erosão, escorregamento e desastres socioambientais.

O evento mais comum em áreas íngremes é a ocorrência de movimentos de massa (escorregamento, rastejo, rolamento, etc), que, segundo o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo, citado por Jorge (2011), acontece em aproximadamente 150 municípios brasileiros, localizados principalmente nas regiões Sudeste, Nordeste e Sul.

Afirmam Macedo e Akiossi, citados por Jorge:

Um estudo sobre escorregamento e vítimas fatais no Brasil, no período de 1988- 1996, mostrou 835 vítimas fatais, sendo esses acidentes concentrados nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Salvador e Petrópolis, cuja maior incidência ocorreu nas áreas metropolitanas e com ocupação irregular nas encostas. (JORGE, 2011, p. 119).

Em diversas cidades da chamada Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, principalmente em Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, em janeiro de 2011, 911 pessoas morreram vítimas de enchente ou deslizamento de encosta, provocados por 30 horas de chuvas ininterruptas (180 mm). A chuva deixou um rastro de destruição em vias públicas, nos sistemas de abastecimento de água e esgoto, de energia elétrica, de telefonia, além de propriedades privadas nas áreas urbanas e rurais, ficando sem moradia, mais de 9000 pessoas (G1.GLOBO.COM/RIO-DE-JANEIRO, 2011).

Também cidades de Minas Gerais e Santa Catarina, entre outros estados, são rotineiramente assoladas por deslizamentos de encosta em épocas de chuvas intensas, devido a características topográficas adversas à ocupação humana.

Além dos elementos naturais (principalmente chuva), que podem provocar movimentos de massa em áreas de forte declividade, o aumento da ocupação dessas áreas pelo homem pode desencadear processos de desestabilização com resultados desastrosos.

Segundo Cunha e Guerra, citados por Gonçalves e Guerra (2012, p. 194), chuvas concentradas, encostas desprotegidas de vegetação, contato solo-rocha abrupto, descontinuidades litológicas e pedológicas e declividades das encostas são condicionantes naturais que podem acelerar ou produzir processos erosivos.

Ações humanas, como áreas impermeabilizadas, retirada da cobertura vegetal, rearranjo e redirecionamento de águas pluviais, construções desprovidas de técnicas e manejo inadequado do solo, como cortes e aterros, são elementos que, juntamente com os condicionantes naturais, podem acelerar a degradação, principalmente em áreas de topografia acidentada (GONÇALVES E GUERRA, 2012).

Assim, transtornos ou desastres registrados em encostas, principalmente urbanas, normalmente têm contribuição de ações humanas. Segundo Guerra (2008b), citado por Guerra (2011, p. 24), “o impacto antropogênico sobre as encostas naturais representa o principal fator de influência sobre os processos, as formas e a evolução das encostas, de maneira deliberada ou não”.

Diante do crescimento de desastres resultantes da ocupação humana em áreas impróprias, políticos e pesquisadores passaram a se preocupar com o assunto. Nesse sentido, a atuação de geólogos, engenheiros, geomorfólogos, arquitetos e outros técnicos é fundamental, pois pode prever, eliminar ou atenuar efeitos dos processos geomorfológicos nessas áreas.

GUERRA (2011) afirma que vários especialistas têm procurado entender danos ambientais que ocorrem em áreas urbanas, realizando diagnósticos e elaborando prognósticos com objetivos de impedir que sejam recorrentes e evitando perdas de vidas e prejuízos materiais. Petley (1984), citado por Guerra, destaca os principais objetivos do estudo dos movimentos de massa:

 Compreender o desenvolvimento das encostas naturais e os processos que

têm contribuído para a formação de diferentes feitos;

 Tornar possível a estabilidade das encostas, sob diferentes condições;

 Estabelecer o risco de deslizamento, ou outras formas de movimentos de

massa, envolvendo encostas naturais ou artificiais;

 Facilitar a recuperação de encostas que sofreram movimento de massa, bem

como o planejamento, através de medidas preventivas, para que tais processos não venham a ocorrer;

 Analisar os vários tipos de movimentos de massa que tenham ocorrido

numa encosta e definir as causas desses processos;

 Saber lidar com o risco de fatores externos na estabilidade das encostas, como por exemplo, os terremotos. (GUERRA, 2011, p. 26).

Estudos realizados permitem que diversas ações sejam efetivadas, incluídas medidas emergenciais ou definitivas que visam à mitigação de impactos ambientais e sociais nessas áreas. Construção de muros de contenção apropriados, de redes pluviais e de esgoto, revegetação, retaludamento e outras medidas podem, em muitos casos, prevenir ou eliminar movimentos de massa. Entretanto há casos em que os estudos definem a impossibilidade de adoção de medidas paliativas, sendo a remoção de famílias o único caminho.

Essa medida preventiva, segundo Pellogia (1998), citado por Guerra (2011, p. 31), consiste “basicamente na remoção de moradores de áreas de risco previamente analisadas e ações de recuperação de áreas críticas de risco”.

Em resumo, o crescimento urbano feito sem o devido planejamento pode acarretar consequências difíceis de serem solucionadas. A ocupação desordenada das periferias da cidade, quase sempre pela população economicamente desfavorecida, além dos problemas enumerados, impõe deslocamentos diários para áreas centrais, seja em função de trabalho, educação e comércio, seja em busca de atendimento a serviços oferecidos, como saúde. Nesse sentido, a oferta de um sistema de transporte coletivo que tem a devida qualidade faz a cidade, sem dúvida, atender à inclusão e ser mais acolhedora para os cidadãos.