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Ocupar para navegar: do auxílio às embarcações a proteção das fronteiras

2. RIO ARAGUAIA: OCUPAÇÃO E EXPLORAÇÃO

2.3 Ocupar para navegar: do auxílio às embarcações a proteção das fronteiras

A viabilização da navegação comercial do rio Araguaia e a ocupação definitiva de suas margens, era visto pelo governo da província de Goiás como um salto significativo na recuperação e/ou estabilização da economia, principalmente pela obtenção de um canal direto com Belém, e através dela, com outros centros comerciais.

Durante o século XVIII, o rio Araguaia era um marco fronteiriço usado pela Coroa para demarcar geográfica e demograficamente seu território (NOGUEIRA, 2012). Neste sentido, o declínio da economia aurífera poderia comprometer a ocupação dessa região, visto que a atividade mineradora não estabelece vínculo do homem com a terra exaurida.

Havia, portanto a preocupação por parte da Coroa em estabelecer núcleos fixos nessa região, a fim de reter possíveis invasões estrangeiras. Segundo Francisquinha L. Carvalho (2006), o rio Araguaia foi, por um longo período, considerado um caminho que viesse facilitar o acesso de invasores ao interior do Brasil. Somente a partir de meados do século XIX é que mudaria esse status e o rio se destacaria como possível solução para o isolamento no qual se encontrava Goiás, podendo se estabelecer como canal para o tráfego de mercadorias através da navegação a vapor.

Na concepção de Oliveira, a crise aurífera e o desenvolvimento de outras atividades desestimulou a entrada para o interior do sertão. Este novo cenário levou a uma reviravolta no conceito dos rios que durante séculos eram entendidos com como vias de ligação para a conquista do interior.

Essa visão, constante principalmente nos discursos dos Presidentes da Província, defendia a necessidade de aproveitamento do Rio Tocantins (e Araguaia) como solução aos problemas que entravavam o desenvolvimento da província. È nessa conjuntura que os rios passam a ser vistos como uma nova fronteira a ser conquistada e ocupada sistematicamente, para possibilitar uma ligação com o litoral, uma saída em duplo sentido, como caminho e como meio de salvar a Província do marasmo que se encontrava (2007, p. 59-60).

Nesse sentido, era necessário criar estratégias que estimulassem tanto a navegação quanto à ocupação das margens dos principais rios, aproximando o longínquo sertão do comando político imperial.

Para se tornar possível o trânsito dos viajantes, era preciso cogitar, antes de tudo, a fixação de núcleos de povoamento. Dessa maneira teriam a certeza de que o território brasileiro estaria protegido contra possíveis invasões, bem como garantido o escoamento da produção (CARVALHO, F. L., 2006, p. 43).

Sob a perspectiva da ocupação, a construção de presídios foi entendida pelos governantes como a melhor forma de demonstrar a presença e o controle de territórios ao longo do Araguaia (e Tocantins), garantindo a segurança e o escoamento da produção do interior da província e servindo como ponto de apoio para os navegantes (CARVALHO; CAVALCANTE, 2009).

Segundo Francisquinha L. Carvalho (2006, p. 25), no século XIX o termo “presídio” era entendido como “conquista de território e expansão de fronteira, parte do processo de

povoamento, defesa e especialização agrícola, construído oficialmente e sob o controle do governo”, estabelecido através de um núcleo de povoamento, organizado religiosa e administrativamente. Até a primeira metade do século, esses núcleos tinham como objetivo principal a defesa do território, passando com o passar das décadas a objetivar também o povoamento e o desenvolvimento do comércio pela navegação fluvial.

A construção de fortificações em locais estratégicos e fronteiriços não era novidade no Brasil, desde o período colonial buscava-se proteger passagens importantes em vias marítimas e fluviais. Para Francisquinha L. Carvalho (2008) a instalação de presídios e fortificações revela a importância atribuída pelo governo aos pontos de comunicação.

Nascimento (2003, p. 89) esclarece que o melhoramento material da província de Goiás estava diretamente ligado ao desenvolvimento de suas vias de comunicação, encurtando as distâncias e afastando a “imagem de isolamento” que ela possuía. Dessa forma, a criação de presídios serviria para socorrer os viajantes durante as longas viagens e a guarnição proporcionaria um sentimento de proteção que atrairia pessoas de outras regiões, criando condições para o desenvolvimento do núcleo de povoamento.

Os presídios dariam subsídios para que ao seu redor pudesse desenvolver um povoado regular e sua instalação demandava de solo fértil e matas abundantes de víveres, devendo ser composto de capelas, currais, quartéis, entre outros aparados administrativos, oferecendo plenas condições para a permanência de pessoas no local (NASCIMENTO, 2003). Para atrair colonos, a Coroa anotava incentivos para aqueles que estivessem dispostos a adentrar pelo sertão da província, estes incentivos iam desde a isenção do serviço militar até a concessão de terras, embarcações e patentes militares. Desse modo, os migrantes buscavam “a terra virgem e promissora onde, protegidos por um sistema, pudessem construir com suas próprias mãos o seu lar, a sua segurança” (CARVALHO, F. L., 2006, p. 52).

A primeira tentativa de estabelecer um núcleo de povoamento no rio Araguaia ocorreu no início do século XIX com a instalação do presídio de Santa Maria em 1812, no local onde hoje está situada a cidade de Couto de Magalhães-TO, tendo entre seus principais propósitos resolver os conflitos entre índios e não índios na região.

Composto inicialmente por aproximadamente oitenta pessoas, entre militares, clérigos, colonos e outros profissionais, o presídio durou apenas um ano, sendo destruído em fevereiro de 1813 por um ataque conjunto dos povos Karajá, Xavante e Xerente, fato que acabou por enfraquecer o desenvolvimento da região e retardar o comércio através da navegação (CARVALHO, F. L., 2006).

As próximas décadas foram praticamente inertes no processo de povoamento do vale do Araguaia, estando a província de Goiás voltada à comunicação via terrestre, como afirma Doles (1977, p. 437):

Com a economia assentada na agropecuária, suas vias de comunicações até a segunda metade da década de 40 estavam orientadas para o centro-sul, permanecendo a navegação fluvial relegada a plano secundário. Só a partir de 1846 algumas medidas tendentes a preparar o Araguaia para a navegação, seriam adotadas, algumas delas orientadas para a dinamização da catequese.

Embora aparecendo como assunto primordial em diversos discursos dos ex- presidentes da Província de Goiás, a ocupação efetiva e a navegação comercial só engendrariam em fins da década de 1840, quando o Governo Imperial ordena a construção de cinco presídios no norte da Província. Destes, três foram construídos às margens do Araguaia; Santa Leopoldina17, Santa Izabel18 e a reconstrução do de Santa Maria19 em local situado bem acima das antigas ruínas.

O presídio de Santa Leopoldina teve sua construção iniciada em 1850, pelo engenheiro militar João Batista de Castro Moraes Antas, sendo estabelecido em 1856. Sua localização era próximo à foz do rio Vermelho, na localidade onde havia o Porto Manoel Pinto, vindo a ganhar certa estabilidade apenas na década de 1860.

Segundo Doles (1977), apenas dois anos após a construção, o próprio Moraes Antas destacou em seu relatório as deficiências e o abandono do presídio, estando as construções em ruínas e o quartel utilizado para o confinamento de animais. No mesmo relatório, Moraes Antas condena ao fracasso o presídio de Santa Isabel, principalmente pelo abandono populacional e insalubridade do local (DOLES, 1977).

Já o presídio de Santa Maria, foi reconstruído e novamente abandonado em 1852. Porém, havia sido designada a construção de um presídio na região norte da Ilha do Bananal e que acabou sendo deslocado para uma nova localização abaixo do planejado:

Assim sendo, em 1859, o Presídio de Santa Maria foi construído, na margem direita do médio Araguaia, abaixo da confluência dos dois grandes canais

17

Inicialmente batizado de Leopoldina, teve seu nome substituído com a chegada de clérigos no local. Atualmente está estabelecido no local a cidade de Aruanã-GO.

18

Construído na região do rio das Mortes e posteriormente transferido para a parte sul da Ilha do Bananal. Pouco depois, foi desativado.

19

que formam a Ilha do Bananal, a 288 km acima do local do antigo presídio que foi fundado no ano de 1812 e 1850 (CARVALHO, F. L., 2006, p. 74).

Segundo Couto de Magalhães (1863), o estabelecimento do presídio de Santa Maria foi realizado em 1861, contando com 103 habitantes no ano de 1863.

Com a instalação de presídios ao longo dos rios, haveria suporte suficiente para que a navegação comercial e a ocupação das margens fluísse de acordo com os objetivos governamentais, expressos pelo Decreto Imperial nº 750 de 2 de Janeiro de 1851 (pp. 1 e 3):

Art. 1º Os Presídios fundados nas margens do Rio Araguaia são pontos militares destinados a proteger e auxiliar a navegação deste rio; a atrair população para suas margens; e a chamar, com o auxilio da catequese, os Índios à civilização. (...) Art. 25. Haverá em cada Presídio uma Capela destinada para o Culto divino; uma casa para residência do Comandante; um quartel comum com casa forte para guarda de presos; um paiol, ou celeiro comum; uma casa para artifícios empregados na lavoura, como moinho, monjolo, bolandeira, &c.: um telheiro em lugar próprio para guarda das embarcações, um rancho espaçoso para passageiros.

O decreto delimitava as condições necessárias para a construção, organização e função que os presídios exerceriam especificamente na região do rio Araguaia, evitando as falhas cometidas nas instalações anteriores a este período.

Embora ainda precários e isolados,os presídios instalados às margens do Araguaia eram fundamentais para o estabelecimento da navegação a vapor, mas também muito dependente deste serviço. Mesmo com grandes esforços desprendidos a navegação em larga escala não ganhou estabilidade, vindo a ruir em poucas décadas, levando o processo de ocupação a retroagir e muitos habitantes a abandonarem estes sertões.