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OEM enquanto instrumento de concretização da abordagem ecossistémica no ambiente marinho

3. Princípios estruturantes do OEM

3.1.2 OEM enquanto instrumento de concretização da abordagem ecossistémica no ambiente marinho

Como já apontámos, na literatura estrangeira, o OEM tem sido unanimemente apontado

como um instrumento fundamental para a concretização da abordagem ecossistémica no

ambiente marinho

167

.

A abordagem ecossistémica coloca o acento tónico, como vimos, por um lado, na

perspetiva integradora e holística dos ecossistemas como componentes de um todo complexo,

e, por outro, na conciliação da proteção e preservação dessas componentes com o

planeamento de atividades humanas potencialmente danificadoras da biodiversidade

168-169

.

multiplicam os riscos imprevisíveis a ela associados – assenta num dado epistemológico incontornável, a saber, o da incerteza científica (em sentido estrito ou como contraditoriedade dos dados disponíveis) – definitivamente insolúvel, por vezes – ante uma intervenção humana com potenciais riscos para o ambiente: “There is no expert on risk”, nas palavras seminais de ULRICH BECK, Risk Society, Towards a New Modernity, SAGE Publications, London, 1992, pp. 22-29. Nestes casos, a Ciência mostra-se ignorante, não conseguindo saber se determinada ação representa ou não efetivos riscos para o meio ambiente, não conseguindo fazer prova dos mesmos nem do nexo causal entre eles e a concreta ação em causa. Em vez da Ciência, caberia, então, ao Direito emitir um juízo

normativo de cientificidade, na expressão de COLAÇO ANTUNES, Direito Público do Ambiente, Direito Público

do Ambiente, Diagnose e Prognose da Tutela Processual da Paisagem, Coimbra, Almedina, 2008p. 164. O

caráter inovatório da tese precaucionista é o de que, perante casos como estes, de incerteza científica, se deve privilegiar, mesmo assim, a proteção do ambiente – com todos os obstáculos que essa opção possa representar para o desenvolvimento económico e tecnológico –, sob pena de se “fechar os olhos” a putativos danos imprevisíveis e irreversíveis. A precaução atua, assim, ainda antes da prevenção (princípio da prevenção) exigir medidas de proteção por comprovação dos danos. Ainda que não acolhido na Constituição, o princípio da precaução vem sendo considerado, por uma parte da doutrina, como um princípio fundamental do direito do ambiente português e, bem assim, do direito internacional do ambiente, especialmente no âmbito do direito da UE (gozando, neste último, de previsão expressa no n.º 2 do art. 191.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia). O papel da abordagem precaucionista no ambiente marinho é especialmente importante quando é grande o desconhecimento que a Ciência continua a ter em relação ao mar. WALTER SMITH afirma mesmo que conhecemos muito melhor a superfície de Marte, Vénus ou da Lua do que os fundos marinhos. WALTER H.F. SMITH, “Introduction to This Special Issue on Bathymetry from Space”, in Oceanography, Vol. 17, n.º 1,

Rockville, 2004, p. 6 (http://www.tos.org/oceanography/archive/17-1_smith1.pdf). Assinalando a vocação do princípio da precaução na conservação do ambiente marinho, MAAIKE KNOL, “The uncertainties of precaution:

Zero discharges in the Barents Sea”, in Marine Policy, Vol 35, Issue 3, 2011, p. 399. 167 Convergentemente, entre portas, M

ARTA CHANTAL RIBEIRO, “Marine Planning in Portugal”, in Revista da

Faculdade de Direito da Universidade do Porto (RFDUP), IV, Coimbra Editora, 2007, p. 398, nt. 11.

168 Como lembra, muito perspicazmente, F

ANNY DOUVERE, até do ponto de vista dos agentes económicos que exploram o mar, a sustentabilidade dos oceanos é fulcral: se estes não forem explorados de uma forma sustentável, deixarão de possuir recursos exploráveis e, consequentemente, de gerar proveitos. É o que igualmente resulta da comunicação da Comissão intitulada Estratégia Temática relativa à Proteção e

Conservação do Ambiente Marinho (2005): “A atual deterioração do ambiente marinho e a erosão do seu capital

ecológico comprometem a geração de riqueza e de oportunidades de emprego decorrentes dos oceanos e dos mares da Europa”. Na síntese arguta de TIAGO PITTA E CUNHA, ob. cit., p. 44, “Só poderá haver retorno do que investirmos na exploração do mar se cumprirmos todas as regras que são necessárias para manter viva a «galinha dos ovos de ouro»”.

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Na distinção que operam entre um conceito soft de sustentabilidade (que coloca no pilar económico a base do bem-estar da sociedade e, consequentemente, vê no crescimento económico uma “compensação” pela deterioração da natureza) e um conceito hard de sustentabilidade (onde esse pilar é, agora, o ambiental, estando subjacente a ideia de que o capital ambiental não pode ser substituído nem debilitado, sem mais, pelo crescimento económico), WANFEI QIU e PETER J.S.JONES retiram uma importante ilação: um OEM baseado na

Ora, ao propor uma ordenação racional do espaço através da alocação de diferentes usos a

diferentes áreas marítimas com base numa identificação e caracterização de índole biofísica e

ecológica dessas zonas, o OEM serve, na perfeição, os fins que animam a abordagem

ecossistémica

170

. O facto de fazer do espaço a sua escala norteadora de ação vai de encontro a

um dos traços medulares da abordagem ecossistémica, que é o de ser uma abordagem de base

espacial (place-based approach), id est, uma abordagem que, reservando primacialidade ao

conceito de ecossistema, arranca do espaço como elemento definidor e irradiante da sua

metodologia e fins

171

.

Face à excessiva abstração que muitos apontam ao conceito de abordagem ecossistémica,

com prejuízos para a sua aplicação prática, o OEM tem sido visto pela comunidade científica

e política como uma ferramenta determinante para a sua concretização real

172

. E assim o é

dado que, no ensinamento de F

ANNY

D

OUVERE

, o OEM i) reconhece a heterogeneidade dos

ecossistemas marinhos, daí resultando que a sua proteção se deva fazer de modo integrado,

rejeitando-se a delimitação de perímetros de proteção artificiais (exclusivamente jurídicos,

isto é, exclusivamente baseados nas fronteiras entre Estados) e promovendo-se, ao invés, a

abordagem ecossistémica (ou seja, num conceito hard de sustentabilidade), em que o pilar do OEM é, portanto, a conservação da natureza, o colapso do dos ecossistemas marinhos leva, inevitavelmente, ao colapso dos setores económicos que dependem da exploração dos primeiros; já se o OEM assentar no pilar económico (conceito soft de sustentabilidade), o colapso dos ecossistemas marinhos não implica, necessariamente, o colapso das atividades económicas, precisamente porque a deterioração da natureza é vista como um mal necessário (um mal menor) em face dos ganhos económicos. Cfr. WANFEI QIU/PETER J.S.JONES, “The emerging policy landscape

for marine spatial planning in Europe”, in Marine Policy, Vol. 39, 2013, p. 183.

170 Pode dizer-se que as AMP – que, recorde-se, foram o embrião do OEM – têm desempenhado, nos seus delimitados perímetros, o papel de concretizador da abordagem ecossistémica de que, hoje, o OEM se propõe, mais amplamente, a assumir. Neste sentido, FANNY DOUVERE, “The importance of”, ob. cit., p. 770, e STELIOS

KATSANEVAKIS et al., ob. cit., p. 815. No entanto, sublinhe-se, as AMP não providenciam ainda uma concretização plena (e ideal) da abordagem ecossistémica, pois que esta se presta a uma intervenção integradora e holística no espaço, a si chamando todos os ecossistemas e todas as atividades humanas, não se reduzindo, pois, apenas a uma função de proteção e conservação da biodiversidade numa determinada área, como ocorre, primacialmente, nas AMP. E dizemos “primacialmente” visto que, contra um certo mito gerado, “uma AMP não é, na essência, sinónimo de exclusão absoluta de atividades, mas tão-somente das conflituantes e em diferentes gradações de intensidade protetora”. MARTA CHANTAL RIBEIRO, “A criação de AMPs”, ob. cit., p. 34.

171Cfr., neste sentido, M

CLEOD,K.L./J.LUBCHENCO/S.R.PALUMBI/A.A. ROSENBERG, Scientific Consensus

Statement on Marine Ecosystem-Based Management, Communication Partnership for Science and the Sea, 2005,

p. 1 (http://compassonline.org/?q=EBM, acedido, pela última vez, em 29 de abril de 2013), e FANNY

DOUVERE/CHARLES EHLER, “New perspetives”, ob. cit., p. 78.

172 Disto mesmo sempre teve consciência a Comissão Europeia, que, logo na sua comunicação Rumo a uma

Estratégia de Proteção de Proteção e de Conservação do Meio Marinho (2002), se referiu à necessidade de

“adoção de uma abordagem baseada nos ecossistemas e alicerçada no princípio de precaução” (http://eur- lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=COM:2002:0539:FIN:PT:PDF, p. 3). Ulteriormente, vide, outrossim, a comunicação Estratégia Temática para a Proteção e Conservação do Ambiente Marinho (2005), p. 5 (http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=COM:2005:0504:FIN:EN:PDF), e Livro Verde Para

uma futura política marítima da União: Uma visão europeia para os oceanos e os mares (2006), p. 37

cooperação transfronteiriça

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; ii) determina as atividades humanas no espaço e no tempo; iii)

identifica os usos conflituantes e os compatíveis, resolvendo os primeiros; e iv) permite a

coordenação de tomadas de decisões em diferentes setores de atividade, assim saindo

reforçada a ideia de uma abordagem global e integradora (a título de exemplo, as autoridade

responsáveis pelo licenciamento das pescas deverá coordenar a sua ação com as autoridades

responsáveis pelo licenciamento de parques eólicos no alto mar)

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