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Da ofensa à proteção do meio ambiente e do direito ao meio ambiente saudável

No documento MEMORIAL CÓPIA ADICIONAL (páginas 40-45)

V. MÉRITO

9. Da ofensa à proteção do meio ambiente e do direito ao meio ambiente saudável

Durante muitos séculos acreditou-se que o meio ambiente era gerador de riquezas e os recursos naturais eram infinitos, servindo à satisfação do homem e do crescimento econômico e tecnológico. Com o tempo, percebeu-se que o homem também faz parte desse meio ambiente e de que precisa dele para sobreviver. Compreendeu-se que os recursos naturais são finitos e de que é preciso preservá-los para a sobrevivência humana e para a subsistência da própria indústria, dependente dos recursos naturais como matéria-prima54.

A preservação do meio ambiente, atrelado à sadia qualidade de vida, vem sendo reconhecida internacionalmente, em diferentes aspectos. Na presente demanda é constatada a violação desses direitos, da forma a seguir.

9.1 Do dever de proteção do meio ambiente em regiões transfronteiriças

Além do direito de viver em um ambiente saudável, o art. 11 do Protocolo da San Salvador também determina que os Estados promovam a proteção, preservação e melhoria do

52 Corte IDH. Caso Salvador Chiriboga vs. Ecuador. Sentença de 06 de maio de 2008. §73. 53 Idem. §74.

54 Cf. Corte IDH. Caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua. Sentença de 1º de fevereiro de 2000. Voto fundamentado em conjunto dos Juízes A.A. Cançado Trindade, M. Pacheco Gómez e A. Abreu Burelli, §10.

27 meio ambiente. A vigilância e prevenção por parte do Estado é relevante para a preservação do equilíbrio ecológico, uma vez que o impacto negativo de atividades humanas afeta diversos componentes do ecossistema, como o curso de água, a flora, a fauna e o solo local.

A área que pretende ser alagada para a construção da Hidrelétrica de Cinco Voltas localiza-se na confluência dos rios Betara e Corvina, na fronteira da República de Tucanos e do Principado de Araras. Portanto, refere-se à área localizada em região transfronteiriça e ambos os países devem cooperar e preservar o meio ambiente daquela região55.

9.2 Do direito ao desenvolvimento sustentável

O Estado alega que a construção da hidrelétrica irá contribuir para o desenvolvimento da região, devido ao acelerado crescimento industrial do país e da necessidade de novas fontes energéticas para a sua manutenção. No entanto, o Estado desconsidera os impactos ambientais, sociais e culturais resultantes da construção desse empreendimento.

O direito a um meio ambiente sadio configura-se como extensão ou corolário do direito à vida e à saúde, ou seja, para existir o adequado desenvolvimento de um Estado devem ser considerados critérios não somente econômicos e tecnológicos, mas também ecológicos, sociais e culturais, a fim de ponderar os reais benefícios e malefícios, com base no princípio da proporcionalidade e no equilíbrio dos impactos (negativos x positivos). Para isso, deve haver a harmonização entre interesses econômicos, sociais e ambientais, no intuito de tomar a decisão mais justa e menos severa à coletividade56.

Desde a Conferência realizada em Copenhague (1991), adotou-se a definição de desenvolvimento industrial ecologicamente sustentável, a qual endossa a seguinte filosofia: “Sistemas de industrialização que põem em relevo a contribuição da indústria aos benefícios

55 Neste sentido, ver decisão proferida no caso da construção de fábricas de papel em região transfronteiriça entre Uruguai e Argentina: CIJ. Caso Pulp Mills on the River Uruguay (Argentina v. Uruguay). Julgamento em 20 de abril de 2010.

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econômicos e sociais para as gerações atuais e futuras, sem prejuízo do processo ecológico básico”. Ou seja, para que o desenvolvimento seja sustentável, não basta que seja ecologicamente sustentável, mas deve visar igualmente às dimensões sociais, econômicas, políticas e culturais do desenvolvimento57.

Segundo a Declaração de Joanesburgo de 2002, o direito ao desenvolvimento sustentável abrange o desenvolvimento econômico, o desenvolvimento social e a proteção ambiental, nos âmbitos local, nacional, regional e global. Destacando, sobretudo, o papel vital dos povos indígenas para o desenvolvimento sustentável58. Ressalte-se também o importante papel desempenhado pelas comunidades locais e pelas populações indígenas no desenvolvimento de alimentos e de medicamentos de toda a espécie59.

Na presente demanda, devem ser considerados os reflexos para a preservação do bioma e da biodiversidade local, sopesando o fato de que, na região, além da ocupação das terras por indígenas, há demais assentamentos humanos que possuem modos de vida tradicionais60. Além disso, o conjunto das áreas ocupadas pelas supostas vítimas pode ser

57 SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Direito ambiental internacional. 2. ed., rev. e atualizada. Rio de Janeiro: Thex, 2002, p. 50.

58 A importância das populações indígenas e suas comunidades para a eficácia das atividades relacionadas ao manejo, conservação e desenvolvimento sustentável das florestas, e o reconhecimento de que suas terras devem ser protegidas contra atividades que sejam ambientalmente insalubres ou que as populações indígenas em questão considerem inadequadas social e culturalmente, foi anteriormente reconhecida pela Agenda 21 (capítulo 11, 23 e 26), adotada pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992). 59 SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Direito ambiental internacional. 2. ed., rev. e atualizada. Rio de Janeiro: Thex, 2002, p. 131.

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29 denominado de “corredor ecológico61”, não havendo dúvida sobre a importância dessas áreas como zona de amortecimento, contribuindo para a manutenção da fauna e da flora local.

A preservação da biodiversidade da região beneficia as próprias vilas e comunidades que vivem no entorno, tendo garantidos os recursos naturais necessários para sua manutenção física e cultural, enquanto que a própria manutenção das áreas florestais e da biodiversidade depende da dinâmica das relações sociais e culturais que interagem com o meio ambiente. Toda a riqueza biológica existente nas áreas preservadas (a biodiversidade) se relaciona com a diversidade sociocultural das populações tradicionais, que são detentoras do conhecimento baseado nas formas tradicionais e artesanais de manejo dos recursos naturais. Nessa seara, a CDB determina o respeito, a preservação e a manutenção do conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais, relevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica (art. 8º, “j”). Os Estados devem proteger e encorajar a utilização costumeira de recursos biológicos de acordo com práticas culturais tradicionais compatíveis com as exigências de conservação ou utilização sustentável (art. 10, “c”).

Diante disso, e de todas as demais alegações acima, a construção da Hidrelétrica de Cinco Voltas seria um retrocesso ao reconhecimento da importância da diversidade biológica e do direito ao desenvolvimento sustentável, contribuindo à perda sociocultural das comunidades atingidas e ao decorrente impacto ambiental da região.

61 Corredor ecológico (ou corredor de biodiversidade) é a “faixa de vegetação que liga fragmentos florestais ou áreas protegidas separadas por áreas com variados graus de ocupação humana. Sua principal função é vencer o isolamento das áreas protegidas, proporcionando o livre trânsito da fauna entre as áreas interligadas e a troca genética entre as espécies, tanto de animais quanto de vegetais. Essa conexão também facilita a dispersão de espécies, a recolonização de áreas degradadas e a manutenção de populações de animais que demandam para sua sobrevivência áreas de grandes extensões” (PNGATI, 2010).

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9.3 Das alterações climáticas e das novas fontes energéticas

Não se pode olvidar da importância da manutenção do bioma das áreas florestais e da biodiversidade do local ocupado pelas supostas vítimas. A preservação dessa área influencia o equilíbrio climático local, uma vez que áreas florestais são extremamente relevantes para manutenção dos ciclos de chuva e para o equilíbrio da temperatura nos grandes centros urbanos, ainda que distantes dessas áreas. É incontroverso que muitas atividades desenvolvidas pelo homem trazem reflexos negativos, gerando consequências ao meio ambiente e as condições de sobrevivência do próprio homem. As alterações ambientais ocasionadas pela construção de hidrelétricas já foram levantadas e discutidas por Tribunais Internacionais. Foram ressaltadas as seguintes alterações: a) limitação e alteração no fluxo e circulação da água do rio; b) menor absorção de oxigênio; c) impossibilidade de circulação de barcos e peixes; d) modificação química provocada pelas barragens, ocasionando um impacto imediato sobre organismos aquáticos que dependem, naturalmente, de oxigênio dissolvido na água para respirar; e) possibilidade de eliminação da atividade pesqueira ao longo do rio, devido ao seu acesso restrito62.

O alagamento de uma área de 1.450km2 para a construção da Hidrelétrica de Cinco Voltas prejudicará não só as populações locais, mas também toda a população da República de Tucanos, afetada pelas consequências climáticas de uma diminuição considerável das áreas florestais e da perda da biodiversidade, relevantes para o desenvolvimento do país. A conservação do bioma e a manutenção florestal são de interesse público e, portanto, o Estado deve apresentar alternativas energéticas menos impactantes, como, por exemplo, energia solar, eólica ou biomassa. Ressalte-se que a construção de grandes hidrelétricas nem sempre é

62 Cf. SCJNA. Caso S. D. Warren CO. v. Maine Board of Environmental Protection et al. Julgamento em 15 de maio de 2006 e SCJNA. e Caso Jefferson County et. al. v. Washington Department of Ecology et. al. Julgamento em 31 de maio de 1994.

31 a melhor solução63. Portanto, constata-se a imprudência do Estado em incentivar a instalação de hidrelétricas em áreas como a pretendida. Tais obras não incluem em seu projeto as comunidades locais, diretamente afetadas, as quais serão obrigadas a retirar-se, perdendo o seu rumo cultural de subsistência. Além disso, resulta em imensuráveis perdas ambientais, devido à diversidade de fauna e flora das áreas alagadas.

No documento MEMORIAL CÓPIA ADICIONAL (páginas 40-45)

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