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1494

MEMORIAL CÓPIA ADICIONAL

(2)

II

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

POPULAÇÃO INDÍGENA ARICAPU E IMIGRANTES DA REPÚBLICA DE MIROKAI

Vs.

REPÚBLICA FEDERAL DE TUCANOS

ALEGAÇÕES, ARGUMENTOS E PROVAS

MEMORIAL

POPULAÇÃO INDÍGENA ARICAPU E IMIGRANTES DA REPÚBLICA DE MIROKAI

(3)

I

SUMÁRIO

1. ABREVIATURAS ... II 2. ÍNDICE DE JUSTIFICATIVAS ... III I. JURISPRUDÊNCIA ... III

a) Corte Interamericana de Direitos Humanos ... III b) Comissão Interamericana de Direitos Humanos ... VI c) Corte Internacional de Justiça/Corte Permanente de Justiça Internacional ... VII d) Corte Europeia de Direitos Humanos... VII e) Suprema Corte de Justiça Norte Americana ... VII

II. DOUTRINA ... VII III. INSTRUMENTOS JURÍDICOS INTERNACIONAIS ... X

3. PREÂMBULO ... 1

I. SÍNTESE DOS FATOS ... 2

II. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... 4

a) Das supostas vítimas ... 4

b) Da admissibilidade ... 6

III. COMPETÊNCIA ... 6

IV. PROVAS DOCUMENTAIS... 7

V. MÉRITO ... 7

1. Da proteção dos grupos vulneráveis: indígenas e refugiados ambientais ... 7

1.1 Os direitos dos integrantes da população indígena Aricapu como grupo vulnerável e sujeito de direitos ... 8

1.2 Os direitos dos integrantes da população imigrante de Mirokai como grupo vulnerável e sujeito de direitos ... 10

2. Da violação ao direito a vida, integridade pessoal, honra e dignidade e o reflexo ao direito à saúde e segurança alimentar ... 13

3. Da ofensa ao principio da igualdade e da não-discriminação ... 15

4. Da violação às garantias judiciais e da proteção judicial ... 16

6. Da violação ao direito à propriedade: direitos coletivos à terra ... 20

7. Da violação à liberdade de circulação e de residência ... 23

7.1 Do direito à permanência das supostas vítimas em seus territórios ... 24

(4)

II

9. Da ofensa à proteção do meio ambiente e do direito ao meio ambiente saudável .... 26

9.1 Do dever de proteção do meio ambiente em regiões transfronteiriças ... 26

9.2 Do direito ao desenvolvimento sustentável ... 27

9.3 Das alterações climáticas e das novas fontes energéticas ... 30

VI. MEDIDAS PROVISÓRIAS ... 31

VII. PEDIDOS ... 34

1. ABREVIATURAS

ACNUR: Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados Art. (s): Artigo (s)

ANAE: Agência Nacional de Auxílio aos Estrangeiros

CADH/Convenção: Convenção Americana de Direitos Humanos Carta da OEA: Carta da Organização dos Estados Americanos Carta da ONU: Carta das Nações Unidas

CDB: Convenção sobre Diversidade Biológica

CIDH/Comissão: Comissão Interamericana de Direitos Humanos CIJ: Corte Internacional de Justiça

Convenção de Viena: Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados

Convenção sobre Discriminação Racial: Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial

Convenção dos Trabalhadores Migrantes: Convenção das Nações Unidas para Proteção dos Direitos de Todos Trabalhadores Migrantes e seus Familiares

Corte EDH: Corte Europeia de Direitos Humanos

Corte IDH/Corte/Tribunal: Corte Interamericana de Direitos Humanos

Declaração de 2007: Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas Declaração de 1948: Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948

(5)

III DIDH : Direito internacional dos direitos humanos Doc. (s): Documento (s)

Ed.: Edição

IMA: Instituto Nacional do Meio Ambiente OEA: Organização dos Estados Americanos OIT: Organização Internacional do Trabalho ONU: Organização das Nações Unidas p.: Página (s)

PTMA: Política Tucana de Meio Ambiente de 1991 RIA : Relatório de Impactos Ambientais

SCJNA: Suprema Corte de Justiça Norte Americana SIDH: Sistema Interamericano de Direitos Humanos

UNESCO: United Nations Educational Scientific and Cultural Organization §: Parágrafo

2. ÍNDICE DE JUSTIFICATIVAS

I. JURISPRUDÊNCIA

a) Corte Interamericana de Direitos Humanos

Casos contenciosos

Caso de las Masacres de Ituango vs. Colombia. Sentença de 1º de julho de 2006... 5 9 Caso de La Comunidad Moiwana vs. Suriname. Sentença de 15 de junho de 2005... 5 13 Caso Yakye Axa Vs. Paraguai. Sentença de 06 de fevereiro de 2006... 1

(6)

IV 9 12 13 15 18 Caso de la Masacre de Pueblo Bello vs. Colombia. Sentença de 25 de novembro de 2006... 9

15 17 23 Caso de los Niños de la Calle (Villagrán Morales y otros). Sentença de 19 de novembro de 1999 ... 13 Corte IDH. Caso Bámaca Velásquez Vs. Guatemala. Sentença de 22 de fevereiro de 2002... 13 Caso Escué Zapata Vs. Colombia. Sentença de 04 de julho de 2007... 13 Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa v. Paraguay. Sentença de 17 de junho de 2005... 14 21 22 Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Sentença de 29 de março de 2006... 15 17 18 22

(7)

V

Caso Comunidad Indígena Xákmok Kásek Vs. Paraguay. Sentença de 24 de agosto de 2010... 15 17 Caso del Pueblo Saramaka Vs. Surinam. Sentença de 12 de agosto de 2008... 18 19 Caso Pueblo de Saramaka Vs. Surinam. Sentença de 28 de novembro de 2007... 22

28 Caso de la Comunidad Moiwana Vs. Surinam. Sentença de 08 de fevereiro de 2006... 25 Caso Salvador Chiriboga vs. Ecuador. Sentença de 06 de maio de 2008...26 Corte IDH. Caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua. Sentença de 1º de fevereiro de 2000... 26

Medidas provisórias

Caso Pueblo Indígena Kankuamo vs. República de Colombia. Medidas provisórias. Resolução da Corte IDH de 5 de julho de 2004... 5 23 33 Corte IDH. Caso Pueblo Indígena de Sarayaku vs. República del Ecuador. Medidas provisórias. Resolução da Corte IDH de 6 de julho de 2004 ... 5 Caso de las Comunidades del Jiguamiandó y del Curbaradó. Medidas provisórias. Resolução da Corte IDH de 6 de março de 2003... 23 34 Caso de la Comunidad de Paz de San José de Apartadó. Medidas Provisórias. Resolução da Corte IDH de 24 de novembro de 2000... 23

(8)

VI

Caso Cuatro comunidades indígenas Ngöbe e seus membros vs República del Panamá. Medidas provisórias. Resolução da Corte IDH de 28 de maio de 2010... 32 33 Caso Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. República de Nicaragua. Medidas provisórias. Resolução da Corte IDH de 6 de setembro de 2002... 33 Corte IDH. Caso Pueblo Indígena de Sarayaku vs. República del Ecuador. Medidas provisórias. Resolução da Corte IDH de 6 de julho de 2004... 34

Opiniões consultivas

Condición Jurídica y Derechos de los Migrantes Indocumentados. Opinião Consultiva OC-18/03, de 17 de setembro de 2003. Solicitada pelos Estados Unidos Mexicanos... 11

12 16 23

b) Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Relatório Especial sobre a situação dos direitos humanos e as liberdades fundamentais dos indígenas. A/HRC/6/15, publicado em 15 de novembro de 2007... 18 19 20 Caso Mayagna Awas Tingni Indigenous Community. Comunicado à imprensa nº 23, de 28 de setembro de 2001... 22 Caso Pehuenche vs. Chile. Medida cautelar. Julgamento em 1º de agosto de 2003... 33

(9)

VII

Caso Comunidades Indígenas Mayas y sus miembros (caso 12.053). Medida cautelar para o Estado de Belice em 20 de outubro de 2000... 33 Caso Comunidades Indígenas Yaxye Axa y sus miembros (caso 12.313). Medidas cautelar para o Estado do Paraguai em 26 de setembro de 2001... 33

c) Corte Internacional de Justiça/Corte Permanente de Justiça Internacional

Caso Pulp Mills on the River Uruguay (Argentina v. Uruguay). Julgamento em 20 de abril de 2010... 25 27

d) Corte Europeia de Direitos Humanos

Caso Handölsdalen Sami Village and other v. Sweden. Julgamento em 4 de outubro de 2010... 16 20

e) Suprema Corte de Justiça Norte Americana

Caso S. D. Warren CO. v. Maine Board of Environmental Protection et al. Julgamento em 15 de maio de 2006... 30 Caso Jefferson County et. al. v. Washington Department of Ecology et. al. Julgamento em 31 de maio de 1994... 30

II. DOUTRINA

ACNUR. Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. IMDH. Instituto Migrações e Direitos Humanos. Deputado Orlando Fantazzini. Políticas Públicas para Migrações Internacionais. Migrantes e Refugiados. Brasília, dezembro de 2005... 10

(10)

VIII

CI BRASIL (Conservação Internacional - Brasil). Política Ambiental. n.7, janeiro 2011, Belo Horizonte/MG: CI BRASIL, 2011... 31 COURTIS, Christian. Anotações sobre a aplicação da Convenção 169 da OIT sobre povos indígenas por tribunais da América Latina. Revista Internacional de Direitos Humanos. Disponível em: http://www.surjournal.org/conteudos/getArtigo10.php?artigo=10,artigo_ courtis.htm. Acesso em 31 de janeiro de 2011... 14 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2008...27 DUPRAT, Deborah. O Direito sob o marco da plurietnicidade/multiculturalidade. In: Pareceres Jurídicos: Direito dos Povos e Comunidades Tradicionais. Manaus: UEA, 2007... 22

GONÇALVES, Luiz Rogério. Um Belo Monte de Confusão.

Revista Amazônia Viva. de Altamira/PA: Vinte e Um. Ano10. n.05, p.34-39, jun-jul- 2010... 19 31 JHOSÉ, Hemanuel. Ictiofauna de Balbina: anos de silêncio. In: INPA, 13 ago. 2007. Disponível em: http://www.inpa.gov.br/noticias/noticia_sgno2.php?codigo=469 Acesso de 05 de agosto de 2010... 31 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 14. ed., São Paulo: Malheiros, 2006... 19 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26. ed. rev. atual., São Paulo: Malheiros, 2009... 25 MOVIMENTO XINGU VIVO PARA SEMPRE. Licença Ambiental da Hidroelétrica de Belo Monte é condenada: o terceiro maior projeto hidroelétrico do mundo devastará vasta área de Floresta Amazônica. In: International

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IX

Rivers, 1 fevereiro 2010. Disponível em: http://www.internationalrivers.org/node/5035. Acesso em: 6 de fevereiro de 2011... 19 PNGATI. Construindo a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas. Documento de Apoio para as Consultas Regionais. Brasil: Grupo de Trabalho Interministerial (MJ/FUNAI, MMA, APIB), novembro de 2009/ junho de 2010... 29 SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Direito ambiental internacional. 2. ed., rev. e atualizada. Rio de Janeiro: Thex, 2002... 28 SILVEIRA, Edson Damas da. Meio ambiente, terras indígenas e defesa nacional: direitos fundamentais em tensão nas fronteiras da Amazônia Brasileira. Curitiba: Juruá, 2010... 8 TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Os direitos originários dos índios sobre as terras que ocupam e suas consequências jurídicas. In: SANTILLI, Juliana (coord.). Os direitos indígenas e a Constituição. Porto Alegre: Núcleo de Direitos Indígenas e Sergio Antonio Fabris Editor, 1993... 21 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Direitos Humanos e Meio Ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1993... 14 15 ______. O direito internacional em um mundo em transformação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002 ... 6 ______. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. vol. 1. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003... 14

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X

III. INSTRUMENTOS JURÍDICOS INTERNACIONAIS

Agenda 21.

Carta da Organização dos Estados Americanos

Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica)

Convenção da UNESCO de 1972 sobre a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural Convenção da UNESCO de 2003 para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial Convenção da UNESCO de 2005 sobre a Proteção e Promoção da Diversidade de Expressões Culturais

Convenção das Nações Unidas para Proteção dos Direitos de todos Trabalhadores Migrantes e seus Familiares

Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados

Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial Convenção nº 97 da OIT

Convenção nº 143 da OIT Convenção nº 169 da OIT

Convenção sobre Diversidade Biológica

Declaração da OIT sobre os Direitos Fundamentais no Trabalho de 1998 Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas Declaração do Rio de 1992

Declaração sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais, Étnicas, Religiosas ou Linguísticas: Declaração sobre as Minorias

Declaração Universal dos Direitos Humanos

Declaração Universal sobre Diversidade Cultural de 2001

Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos

Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais X

(13)

XI

Projeto de Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas

Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador)

Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos

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(15)

1 Ao Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos,

El ser humano tiene necesidad espiritual de raíces. Los miembros de comunidades tradicionales valoran particularmente sus tierras, que consideran que a ellos pertenece, así como, al revés, ellos "pertenecen" a sus tierras.

A.A. Cançado Trindade. In: Corte IDH. Caso Yakye Axa vs.

Paraguai. Sentença de 06 de fevereiro de 2006.

A população indígena Aricapu e os imigrantes da República de Mirokai (doravante supostas vítimas), por seu representante legal e interveniente comum, vêm a essa Honorável Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante Corte IDH, Corte ou Tribunal), apresentar a presente peça de alegações, argumentos e provas, com fundamento nos arts. 33 e 44 da CADH e nos arts. 25 e 40 do Regulamento da Corte IDH, referente ao caso População Indígena

Aricapu e Imigrantes da República de Mirokai Vs. República Federal de Tucanos relatado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante

Comissão ou CIDH), a fim de que seja declarada a procedência do pedido, com base nos artigos 4, 5, 8, 21, 22 e 25, em consonância com o artigo 1.1 todos da CADH, acrescidos dos fundamentos fáticos e jurídicos ora apresentados. O presente memorial, juntamente com seus anexos, segue por meio de correio eletrônico, nos termos no artigo 28.1 do Regulamento da Corte IDH. Com a expressão de nossa mais elevada consideração e renovando a afirmação do nosso respeito aos Direitos Humanos, subscrevemo-nos,

Respeitosamente,

(16)

2

I. SÍNTESE DOS FATOS Das razões fáticas

A República de Tucanos (doravante denominada Estado) pertence ao continente sul-americano, fazendo fronteira com o Principado de Araras na confluência dos rios Betara e Corvina. Histórica e culturalmente, o Estado demonstra o seguimento de um regime democrático estável. Além disso, apesar de conturbados conflitos territoriais no passado devido aos limites transfronteiriços com o país vizinho, atualmente a República Federal de Tucanos tem mantido relações pacíficas e cooperativas com o Principado de Araras.

Não obstante o célere crescimento econômico e industrial do Estado, parte da população ainda preserva seus laços e costumes, tradições seculares que foram transmitidas de geração para geração. Nos arredores da confluência dos rios a manutenção das tradições e a heterogeneidade das culturas da população tucana predominam, sendo possível localizar populações indígenas e comunidades tradicionais que garantem a diversidade cultural da região, cujos povos vivem de forma pacífica, porém mantendo as suas tradições específicas, tanto na estrutura organizacional do povo, como no método adotado para a sua subsistência.

Ao menos 15 das 20 vilas da população indígena Aricapu e a maioria das 10 mil pessoas que migraram da República de Mirokai habitam a área da confluência dos rios Betara e Corvina, no território do Estado. Ressalte-se que, ambos os grupos dependem dos recursos naturais da região como fonte primária de trabalho e subsistência e ambos possuem seus direitos coletivos à terra reconhecidos pelo Estado.

Entretanto, o Estado pretende investir na construção de uma hidrelétrica neste local, atualmente habitado pela população indígena Aricapu e pela comunidade tradicional composta pelos imigrantes da República de Mirokai, conforme já mencionado. Segundo o Estado, a hidrelétrica, que será denominada “Hidrelétrica de Cinco Voltas”, irá suprir as necessidades do país por novas fontes energéticas, com o objetivo de prevenir futuros apagões na região e manter o crescimento econômico e industrial do país.

(17)

3 Diante desses fatos, após a aprovação do RIA pelo IMA, a população indígena Aricapu e os imigrantes da República de Mirokai (doravante denominadas supostas vítimas) ajuizaram ação contra o Estado, objetivando a anulação da aprovação do RIA e interrupção das obras da hidrelétrica, em caráter liminar. As supostas vítimas alegaram que a construção da hidrelétrica destruiria um território preservado pelos índios, considerado sagrado por estes. Além disso, violaria o direito de propriedade dessas populações e geraria impactos ambientais superiores aos estabelecidos pelo PTMA. No entanto, apesar de todas as alegações pertinentes acima, o juízo de primeiro grau indeferiu o pedido em 14 de maio de 2010.

Inconformados com a decisão, as supostas vítimas recorreram à Corte de Apelações da República de Tucanos, a qual deferiu o pedido, ordenando, liminarmente, a suspensão das obras da hidrelétrica, em 30 de junho de 2010. O Estado, na pessoa de seu Advogado Geral da União, apresentou recurso à Suprema Corte de Tucanos, alegando que as supostas vítimas não trouxeram evidências concretas dos impactos negativos resultantes da construção da hidrelétrica e, por isso, as obras deveriam continuar, uma vez que a hidrelétrica é essencial ao crescimento econômico do Estado.

A Suprema Corte deferiu o recurso do Estado, em 2 de agosto de 2010, confirmando a decisão de primeira instância. Assim, revogou-se a liminar da Corte de Apelações, permitindo a retomada das obras da hidrelétrica.

Após esgotarem todos os recursos internos, não houve outra alternativa às supostas vítimas a não ser recorrer ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, no intuito de obter uma decisão justa e eficaz ao caso, e evitar a ocorrência de novos fatos similares a este.

Do procedimento diante do Sistema Interamericano de Direitos Humanos

Diante do resultado desfavorável obtido perante o sistema judiciário interno da República de Tucanos, as supostas vítimas ofereceram petição individual à CIDH, em 6 de outubro de 2010, sendo o petitório admitido em 15 de outubro. Após o prazo de resposta

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4

pelas partes, nos termos do art. 40 do Regulamento da Comissão e do art. 49 da Convenção, houve a tentativa de mediar um acordo amigável, o qual não teve êxito.

Em ato contínuo, a Comissão, verificando a violação pelo Estado dos arts. 4, 5, 8, 21, 22 e 25 em consonância com o at. 1.1, todos da Convenção, apresentou o presente caso à Corte IDH, em razão da gravidade da situação e a posição dos peticionários no caso, relatando-o em conformidade com o art. 45.2 do Regulamento da CIDH.

Por todo o exposto, as supostas vítimas, através de seu representante e interventor comum, vêm a esta Corte apresentar o presente escrito de alegações, argumentos e provas, no intuito de contribuir ao esclarecimento dos fatos e motivar a demanda através da juntada de novas provas e fundamentos jurídicos, nos termos em que passa a expor.

II. CONSIDERAÇÕES INICIAIS a) Das supostas vítimas

Por tratar-se de violação de direitos coletivos e metaindividuais, não há a possibilidade de individualização das supostas vítimas, conforme requer o art. 40.2.c do Regulamento da Corte. A presente demanda versa sobre a violação massiva dos direitos pertencentes a dois grupos distintos em sua origem, porém igualitários frente aos direitos violados e a pretensão jurídica ora oferecida:

População indígena de Aricapu: habitam a região norte da República de

Tucanos e, juntamente com os habitantes do Leste do Principado de Araras, representam um dos mais antigos e tradicionais grupos étnicos;

Imigrantes da República de Mirokai: instalaram-se na República de

Tucanos, por volta de 1975, na confluência dos rios Betara e Corvina. Referem-se à cerca de 10 mil imigrantes, que migraram de seu pequeno país localizado no continente Asiático, devido à extensa destruição de seu território, causada pelo impacto de sucessivas ondas

(19)

5 tsunamis. Foram registrados pelo Estado, de acordo com as normas da ANAE, criada pela LC 101/1924 da República de Tucanos.

Diante da ausência de determinação das supostas vítimas, a Corte tem utilizado critérios aplicáveis às particularidades e circunstâncias de cada caso, considerando como supostas vítimas pessoas que não foram mencionadas como tal na demanda, sempre que houver respeitado o direito de defesa das partes e das supostas vítimas, guardando relação com os atos descritos na demanda e com a prova apresentada diante da Corte 1.

No que concerne à subjetividade legal dos povos no Direito Internacional trata-se de uma evolução que tem contribuído para a expansão da personalidade legal e internacional dos indivíduos (pertencentes a grupos, minorias ou coletividades humanas) como sujeitos (contemporâneos) do direito internacional.2 As supostas vítimas em questão pertencem a grupos organizados, residentes em local geográfico determinado e por isso, podem ser identificadas, aplicando-se os direitos aqui discutidos a todos os membros dessas comunidades3. Trata-se de uma pluralidade de pessoas que, apesar de não terem sido nominadas, são identificáveis e determináveis, e se encontram em uma situação de grave perigo em razão de pertencerem a uma comunidade4. Nesse sentido, a Corte IDH é legítima para reconhecer como supostas vítimas os grupos acima mencionados, nos termos do art. 35.2 do seu Regulamento.

1 Cf. Corte IDH. Caso de las Masacres de Ituango vs. Colombia. Sentença de 1º de julho de 2006. 2

Cf. Corte IDH. Caso de La Comunidad Moiwana Vs. Suriname. Sentença de 15 de junho de 2005. Voto fundamentado do Juiz A.A. Cançado Trindade (§§10 e 12).

3 Cf. Corte IDH. Caso Pueblo Indígena Kankuamo vs. República de Colombia. Medidas provisórias. Resolução da Corte IDH de 5 de julho de 2004.

4 Cf. Corte IDH. Caso Pueblo Indígena de Sarayaku vs. República del Ecuador. Medidas provisórias. Resolução da Corte IDH de 6 de julho de 2004 e Corte IDH. Caso Pueblo Indígena Kankuamo vs. República de Colombia. Medidas provisórias. Resolução da Corte IDH de 5 de julho de 2004.

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6

b) Da admissibilidade

Desde o Regulamento da Corte IDH adotado em 1996, as vítimas, por meio de seus representantes legais ou familiares, passaram a ter permissão para manifestar-se perante a Corte, com a apresentação de seus próprios argumentos e provas. Essa legitimidade foi reconhecida, inicialmente, no caso El Amparo (reparações 1996), quando se entendeu que os representantes das vítimas eram, de fato, a verdadeira parte demandante perante a Corte. Assim, o locus standi in judicio das supostas vítimas (ou seus representantes legais) contribui para melhor instruir o processo, e sem o qual estará este último desprovido em parte do elemento do contraditório, essencial na busca da verdade e da justiça5.

Portanto, respeitados os requisitos de admissibilidade, como o esgotamento prévio dos recursos internos e a inexistência de litispendência internacional, as supostas vítimas são legitimadas a apresentar seus próprios argumentos e provas, por meio de um representante legal e interveniente comum, competindo à Corte IDH conhecer e julgar o presente caso (arts. 33 e 44 da CADH e arts. 25 e 40 do Regulamento da Corte IDH).

III. COMPETÊNCIA

A República de Tucanos, país do continente sul-americano, além de participar do processo de negociação da Carta da OEA, também ratificou os tratados interamericanos de direitos humanos e a maioria dos tratados da ONU. É parte da CADH desde 4 de agosto de 1991, tendo reconhecido a competência contenciosa da Corte IDH, em julho de 1992.

Ao reconhecer a competência desta Honorável Corte o Estado, consequentemente, reconhece a possibilidade de vir a ser julgado e considerado responsável pela ação ou omissão caracterizadora da violação dos direitos e garantias protegidos pela CADH,

5 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. O direito internacional em um mundo em transformação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 659-682.

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7 conforme preceitua o art. 1º deste tratado. Sendo assim, compete à Corte processar e julgar o presente caso, nos termos dos arts. 33 e 44 da CADH e arts. 25 e 40 de seu Regulamento.

IV. PROVAS DOCUMENTAIS

Para instruir esta demanda foram anexados a esse petitório os seguintes documentos: a) títulos de propriedade: adquiridos pela população indígena quando tiveram seus direitos coletivos à terra reconhecidos através do Ato de Reconhecimento de Terras Indígenas de 1975 e em atendimento ao previsto no art. 26.2 da Declaração de 2007. E títulos de posse das terras: adquiridos pelos imigrantes de Mirokai depois de decorrido o prazo de cinco anos do registro de entrada dos imigrantes no Estado perante a ANAE; b) ata da última reunião geral da população indígena de Aricapu, legitimando a representação da população junto ao Estado e aos demais países, cuja função é atribuída ao secretário da Assembleia Geral, devidamente eleito na reunião bianual, de acordo com o direito reconhecido pelo art. 33.2 da Declaração de 2007; c) ata de eleição do representante mirokaense San Yano, legitimando sua representação da população dos imigrantes de Mirokai na presente lide.

V. MÉRITO

A construção da Hidrelétrica de Cinco Voltas, na localidade pretendida pelo Estado, resulta na violação de diversos direitos e garantias, devidamente reconhecidos pelo direito internacional contemporâneo. Essas violações podem ser observadas tanto em relação à população indígena Arikapu, quanto em relação à população de imigrantes de Mirokai (supostas vítimas), de acordo com a particularização abaixo.

1. Da proteção dos grupos vulneráveis: indígenas e refugiados ambientais

As supostas vítimas do caso em análise - população indígena de Aricapu e imigrantes de Mirokai - são consideradas grupos vulneráveis e, portanto, sujeitos coletivos de direito. Ambos possuem, em sua essência, a organização em grupo e a proteção de seus direitos de forma coletiva, tendo como característica marcante a identidade cultural, modos de vida próprios e tradições que são transmitidas ao longo das gerações.

(22)

8

Podem ser destacadas algumas particularidades desses grupos, no intuito de distingui-los em suas características, porém igualá-distingui-los em sua essência. Com isso, a avaliação pontual do mérito dessa demanda poderá partir de uma interpretação extensiva, considerando os direitos a ambos os grupos vulneráveis, ainda que reconhecidas certas peculiaridades.

1.1 Os direitos dos integrantes da população indígena Aricapu como grupo vulnerável e sujeito de direitos

O povo indígena Aricapu está amparado pelo instituto do indigenato, consagrado nos instrumentos internacionais. Ao considerar que os povos indígenas e suas comunidades têm uma relação ancestral com suas terras e que durante muitas gerações essas populações desenvolveram um conhecimento científico tradicional holístico sobre seus territórios, recursos naturais e o meio ambiente, a ONU, por meio da Agenda 21, reconheceu que as populações indígenas devem desfrutar a plenitude dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, sem impedimentos e discriminações. Esse reconhecimento foi reiterado no art. 1º, da Declaração de 2007, garantindo aos indígenas o direito, a título coletivo ou individual, ao pleno desfrute de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, também reconhecidos pela Carta da ONU, pela Declaração de 1948 e pelo DIDH.

O diálogo intercultural antes teorizado, no caso específico da Declaração de 2007, se mostrou realidade possível e perfeitamente ajustada com os princípios que hoje norteiam o Estado Moderno. 6 Tanto a Corte IDH quanto a CEDH têm considerado que os tratados de direitos humanos são instrumentos vivos, cuja interpretação tem que acompanhar a evolução dos tempos e condições de vida atuais. Tal interpretação evolutiva está em consonância com o art. 29 da CADH, assim como as estabelecidas pela Convenção de Viena. Ao analisar os

6 SILVEIRA, Edson Damas da. Meio ambiente, terras indígenas e defesa nacional: direitos fundamentais em tensão nas fronteiras da Amazônia Brasileira. Curitiba: Juruá, 2010. p.45.

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9 alcances da CADH, o Tribunal considera útil e apropriado utilizar outros tratados internacionais distintos à Convenção, tais como a Convenção nº 169 da OIT. 7

A cultura dos membros das comunidades indígenas corresponde a uma forma de vida particular de ser, ver e atuar no mundo, constituído a partir de sua estreita relação com seus territórios tradicionais e os recursos que ali se encontram, não só por ser seu principal meio de subsistência, mas também porque constituem um elemento integrante de sua cosmovisão, religiosidade e identidade cultural8.

A vulnerabilidade dos povos indígenas é revelada por sua luta constante pela sobrevivência física e cultural, considerando os históricos massacres9 e violências sofridos, as discriminações ao seu modo de vida, cosmologias e línguas próprias, as pressões e interesses externos pela exploração de seu habitat tradicional, a ausência de serviços básicos de saúde e educação que considerem suas diversidades socioculturais e que atendam suas necessidades particulares, entre outros fatores. Como grupos vulneráveis, os Estados são responsáveis por uma ação coordenada e sistemática, com a participação desses povos, com vistas a proteger seus direitos e garantir a sua integridade (art. 2º, da Convenção nº 169, da OIT).

Ressalta-se que a visão de integração desses povos à comunhão nacional e ao tratamento de tutela assistencialista como se fossem pessoas incapazes não deve prosperar. Logo, o entendimento que deve prevalecer é de que os Estados devem reconhecer esses povos como minorias culturalmente diferenciadas, constituindo-se como grupos autônomos.

7 Corte IDH. Caso Yakye Axa Vs. Paraguai. Sentença de 06 de fevereiro de 2006. Razões de Voto: Juiz A.A. Cançado Trindade. §§125-127.

8 Idem. §§135-136.

9 Entre os casos de massacres julgados pela Corte, destaca-se: Corte IDH. Caso de las Masacres de Ituango vs.

Colombia. Sentença de 1º de julho de 2006; Corte IDH. Caso de la Masacre de Pueblo Bello vs. Colombia.

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Portanto, ao aplicar a legislação nacional aos povos interessados devem ser levados em consideração seus costumes ou seu direito consuetudinário (art.8º da Convenção nº 169).

1.2 Os direitos dos integrantes da população imigrante de Mirokai como grupo vulnerável e sujeito de direitos

Os imigrantes de Mirokai, assim como os indígenas Aricapu, devem ser tratados com fundamento no princípio da igualdade e da não discriminação, nos termos do art. 1.1 da CADH. A garantia de tratamento igual é reconhecida, inclusive, pela Constituição de Tucanos, impossibilitando qualquer conflito normativo, até mesmo em âmbito nacional.

Os imigrantes pertencem à categoria de “minorias vulneráveis”, uma vez que tiveram sua migração forçada em decorrência de desastres ambientais ocorridos em seu país de origem, no continente asiático. Desta forma, os imigrantes são sujeitos de direito, sendo-lhes garantido o direito de habitar qualquer lugar livremente, ter uma pátria, residir com sua família, ter preservadas e respeitadas a sua cultura, língua, religião e etnia.

Por se constituírem grupos vulneráveis, em decorrência de perseguições e discriminações que frequentemente sofrem, devem ser inseridos em políticas públicas e ações afirmativas governamentais. Logo, o Estado deve se esforçar para garantir os direitos de cidadania e a dignidade dessas pessoas, sobretudo evitando novo deslocamento ou possível reassentamento, quando já estão social e culturalmente estabelecidos no território tucano.

A “migração forçada” caracteriza-se pela necessidade que se impõe a indivíduos ou a grupos inteiros de deixar o local ou país de origem por causas alheias à sua vontade. Há diversas ocorrências que justificam o deslocamento forçados, massivo e pontual. Todavia, numa época de mudanças do clima, causadas pela ação humana desordenada no meio ambiente, esse aspecto torna-se cada vez mais relevante10.

10 ACNUR. IMDH. Deputado Orlando Fantazzini. Políticas Públicas para Migrações Internacionais. Migrantes

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11 Como ocorreu no presente caso, tendo em vista as sucessivas ondas tsunamis que devastaram a costa de Mirokai em 1970, as migrações e deslocamentos forçados decorrentes de desastres naturais, favorecem o crescente número dos chamados “refugiados ambientais”. Ainda que inexista garantia pétrea da não devolução (non-refoulement), como no caso dos refugiados que sofrem perseguições e não podem contar com a proteção de seu estado de origem, há uma necessidade cada vez mais urgente pelo direito de assistência humanitária para essa categoria emergente de migrantes forçados.

Essas migrações e deslocamentos resultam no desenraizamento de seres humanos, acarretando traumas, como sofrimento pelo abandono do lar (às vezes separação e desagregação familiar), perda da profissão e de bens, perda do idioma materno e raízes culturais, choque cultural e sentimento permanente de injustiça. Geralmente os imigrantes se encontram em uma situação de vulnerabilidade como sujeitos de direitos humanos, em uma condição individual de ausência ou diferença de poder no que diz respeito aos não-imigrantes (nacionais ou residentes). Os prejuízos culturais, como lesões étnicas, xenofobia e racismo, dificultam a integração dos imigrantes à sociedade e levam à impunidade das violações de direitos humanos. 11 Sendo assim, torna-se imperioso a cooperação internacional e a solidariedade nas situações em que se encontram os refugiados ambientais em decorrência das catástrofes naturais que destroem milhares de fontes de trabalho e habitação. Trata-se de uma proteção humanitária apropriada para os migrantes forçados, garantindo-lhes o acesso aos sistemas de saúde, educação, alimentação, moradia e o direito ao trabalho no país

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receptor12. A concessão de meios para garantir o amparo aos migrantes deve ser considerada como ato humanitário de natureza pacífica e de garantia aos direitos humanos.

O ACNUR, ao enfatizar perante esta Corte a situação de vulnerabilidade dos imigrantes, referiu-se ao nexo existente entre migração e asilo, e reiterou que a natureza e complexidade dos deslocamentos contemporâneos dificultam estabelecer uma linha clara de distinção entre refugiados e imigrantes. Sem embargo, o DIDH tem evoluído para responder as novas necessidades de proteção. E é perfeitamente possível que estejamos testemunhando os primórdios de formação de um direito humano à assistência humanitária. 13

Não se pode olvidar que a população imigrante de Mirokai é uma minoria “duplamente vulnerável”, considerando que se trata de comunidade tradicional ribeirinha, que mesmo com as dificuldades e traumas que um deslocamento forçado gera, conseguiu se adaptar na região da confluência dos Rios Betara e Corvina, onde vive da exploração dos recursos naturais, pesca e produção de pequenos objetos que vendem nos mercados locais.

A população tradicional mirokaense, desde seu estabelecimento na República de Tucanos, mantém relações amistosas e cooperativas com a população Aricapu, o que demonstra a importância desta relação intercultural para a manutenção da área florestal e consequentemente para a conservação da biodiversidade14. Ressalte-se que as comunidades tradicionais possuem também amparo nas Convenções da UNESCO, em especial a Convenção de 1972, a Convenção de 2003 e a Convenção de 200515.

12

As Convenções nº 97 e 143 da OIT e a Declaração da OIT de 1998 reconhecem aos trabalhadores migrantes a igualdade de oportunidade e tratamento, não apenas no acesso ao emprego, mas também nos direitos culturais e nas liberdades individuais e coletivas.

13 Corte IDH. Opinião Consultiva OC-18/03, de 17 de setembro de 2003.

14 Nesse sentido, aplica-se a CDB como forma extensiva de proteção dos direitos desses povos tradicionais. 15 Ver: Corte IDH. Caso Yakye Axa vs. Paraguai. Sentença de 06 de fevereiro de 2006. Voto fundamentado do Juiz A.A.Cançado Trindade.

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13 Por fim, é possível mencionar a existência de uma ameaça iminente de danos materiais e imateriais, morais e espirituais à população tradicional composta pelos imigrantes de Mirokai. Logo, além do direito a um projeto de vida, esses povos também possuem o direito a um projeto de pós-vida, o que revela uma nova categoria de dano, compreendendo o princípio da humanidade em uma dimensão temporal, incluindo os vivos em relação aos seus antepassados e os ainda não nascidos, as futuras gerações.16

2. Da violação ao direito a vida, integridade pessoal, honra e dignidade e o reflexo ao direito à saúde e segurança alimentar

A CADH (art. 4º) garante a toda pessoa o direito e respeito à vida, assim como a Declaração de 1948 (art. 3º). De forma específica, o direito à vida das supostas vítimas é considerado pela Declaração de 2007 (art. 7º) e pela Convenção dos Trabalhadores Migrantes (art. 9º). Ressalte-se que os tratados internacionais, assim como a jurisprudência da Corte IDH17, reconhecem o direito à vida em sua acepção mais ampla. Trata-se de um direito humano fundamental, cujo gozo é pré-requisito para que todos os demais direitos humanos sejam desfrutados. Em suma, o direito à vida compreende, não só o direito de todo ser humano não ser privado da vida arbitrariamente, mas também ao direito ao acesso às condições que lhe garantam uma existência digna18. Nesse sentido, a CADH (arts. 5º e 11) também confere a toda pessoa o direito ao respeito pela sua integridade física, psíquica e moral, bem como à proteção da honra e dignidade19, direitos decorrentes do “princípio da dignidade da pessoa humana”.

16 Cf. Corte IDH. Caso de la Comunidad Moiwana Vs. Suriname. Sentença de 15 de junho de 2005. Voto fundamentado do Juiz A.A. Cançado Trindade.§72.

17 Corte IDH. Caso Yakye Axa vs. Paraguai. Sentença de 06 de fevereiro de 2006.

18 Cf. Corte IDH. Caso de los Niños de la Calle (Villagrán Morales y otros). Sentença de 19 de novembro de 1999 e Corte IDH. Caso Bámaca Velásquez Vs. Guatemala. Sentença de 22 de fevereiro de 2002, §161.

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Devido à amplitude e reflexos da proteção desses direitos, resultam os chamados “direitos de subsistência”, como componentes do núcleo fundamental dos direitos econômicos, sociais e culturais20. A inter-relação entre esses direitos decorre do fato de que a dignidade da pessoa humana, atrelada a condições dignas de vida, depende da obtenção dos direitos de subsistência, tais como: direito à moradia, ao trabalho, à alimentação e à saúde21.

No caso em análise, é incontroverso que a construção da hidrelétrica se desenvolverá em terras indígenas e pertencentes a comunidades tradicionais. Com efeito, também há o reconhecimento explícito sobre a mudança do modo de vida da população indígena e ribeirinha, uma vez que serão deslocados para outra localidade, interferindo em suas tradições e costumes, inclusive alimentares, devido à indisponibilidade dos recursos naturais, até então consumidos como fonte de subsistência por essas pessoas. Essas alterações resultam, portanto, em risco à saúde22 e à segurança alimentar das supostas vítimas23.

Nesse sentido, a ONU tem formado a convicção de que não apenas os indivíduos, mas também todos os povos têm um direito inerente à vida. Isto traz à tona a salvaguarda do direito à vida de todas as pessoas assim como das coletividades humanas, com especial

20 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos, 2003, p. 493.

21 No que tange o direito fundamental à vida em sua ampla dimensão na base da ratio legis do direito internacional dos direitos humanos e do direito ambiental internacional, encontram-se os Estados no dever de buscar diretrizes destinadas a assegurar o acesso aos meios de sobrevivência a todos os indivíduos e a todos os povos. Com esse propósito, os Estados têm a obrigação de evitar riscos ambientais sérios à vida (TRINDADE, 1993, p. 75).

22 O direito à saúde refere-se, também, a não-discriminação que será abordada em capítulo próprio, prevista no art. 5º, “e”, IV da Convenção sobre Discriminação Racial.

23 Cf. Corte IDH. Caso Yakye Axa vs. Paraguai. Julgamento em 17 junho de 2005. Nesse sentido também: COURTIS, Christian. Anotações sobre a aplicação da Convenção 169 da OIT sobre povos indígenas por

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15 atenção às exigências da sobrevivência dos grupos vulneráveis, como as minorias étnicas, as populações indígenas, os trabalhadores migrantes24. A interpretação do direito à vida, de forma que compreenda medidas positivas de proteção para que os indígenas desfrutem do direito a viver com dignidade, tem fundamento na doutrina e na jurisprudência internacional, e supõe novos avanços no DIDH. 25

3. Da ofensa ao principio da igualdade e da não-discriminação

O direito à igualdade está previsto no art. 24 da CADH, também reconhecido pela Carta da ONU (art. 55), integralmente relacionados ao “princípio da não-discriminação”26.

No caso em tela, apesar das supostas vítimas terem esses direitos, formalmente, reconhecidos pelo Estado, estes não são garantidos de forma eficaz e justa a ambos os grupos. Há nitidamente uma situação discriminatória, uma vez que o Estado, de forma arbitrária, impõe sua vontade às minorias vulneráveis, ofendendo sua dignidade enquanto povos culturalmente diferenciados e usurpando-lhes os direitos coletivos reconhecidos e garantidos, inclusive, internacionalmente. O direito à igualdade e à não-discriminação também é conferido às supostas vítimas pela Declaração de 1948 (arts. 1º, 2º e 7º), pela

24 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Direitos Humanos e Meio Ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1993, p. 75.

25 Corte IDH. Caso de la Masacre de Pueblo Bello Vs. Colombia. Sentença de 31 de janeiro de 2006; Corte IDH. Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs. Paraguay. Sentença de 06 de fevereiro de 2006 (Voto parcialmente concorrente e parcialmente dissidente do juiz Ramón Fogel); Corte IDH. Caso Comunidad

Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Sentença de 29 de março de 2006; E, mais recentemente: Corte IDH.

Caso Comunidad Indígena Xákmok Kásek Vs. Paraguay. Sentença de 24 de agosto de 2010.

26 Sempre que se invoque uma violação da cláusula da não-discriminação consagrada nos tratados de direitos humanos, a exemplo do art. 26 do Pacto de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, os direitos humanos têm sido invocados precisamente para lograr uma proteção mais eficaz dos direitos econômicos, sociais e culturais, em seu enfoque integral (TRINDADE, 2003, p. 481).

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Declaração sobre as Minorias, pela Convenção sobre Discriminação Racial (art. 2º) e pela Carta da OEA (arts. 3º e 45), a qual reconhece a igualdade como um de seus princípios.

Aos povos e pessoas indígenas o direito à igualdade e à não-discriminação estão previstos no art. 2º da Declaração de 2007, já analisado por esta Corte.27 Já aos imigrantes de Mirokai, destaca-se a previsão da Convenção dos Trabalhadores Migrantes (art. 7º). Nesse sentido, a Corte IDH ressalta a importância do princípio fundamental da igualdade e não-discriminação nas situações dos deslocamentos contemporâneos. Esta condição de vulnerabilidade tem uma dimensão ideológica e se apresenta em um contexto histórico que é distinto para cada Estado, mantida por situações de direito (desigualdades entre nacionais e estrangeiros nas leis) e de fato (desigualdades estruturais)28.

Nesse interim, com o propósito de garantir suas identidades culturais e outros direitos culturais, as supostas vítimas não podem ser retiradas de seu território como se fossem proprietários particulares comuns. Se assim o fosse, haveria visível discriminação em função do princípio da igualdade (isonomia), que consiste em “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades”.

4. Da violação às garantias judiciais e da proteção judicial

No presente caso, ocorre a violação das garantias judiciais mínimas e da proteção judicial dos arts. 8º e 25 da CADH, além dos direitos fixados pelo art. 40 da Declaração de 2007, interpretados em consonância com o art.1.1 da Convenção. A Corte, com base na CADH, tem sustentado que os Estados são obrigados a fornecer recursos judiciais efetivos às

27 Em casos similares, atos discriminatórios contra indígenas já foram reconhecidos, diante do tratamento igualitário a proprietários suecos na cobrança de custas judiciais; ocasião em que a população indígena encontrava-se em visível desvantagem em termos de assessoria judiciária e recolhimento de verbas para cobrir gastos processuais com a produção de provas a seu favor (ver voto parcialmente dissidente do Juiz Ziemele em CEDH. Caso Handölsdalen Sami Village and other v. Sweden. Julgamento em 4 de outubro de 2010).

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17 vítimas de violações de direitos humanos, em conformidade com as regras do devido processo legal, garantindo o livre e pleno exercício dos direitos previstos na Convenção a toda pessoa que se encontre sob sua jurisdição 29. Sobretudo, os Estados devem considerar as características próprias que diferenciam certos grupos da população em geral30.

5. Da autodeterminação dos povos e do direito à consulta e ao consentimento livre, prévio e fundamentado

Os povos indígenas têm direito à autodeterminação, podendo determinar livremente sua condição política e buscar o seu desenvolvimento econômico, social e cultural. São reconhecidos, sobretudo, o direito à autonomia ou ao autogoverno nas questões relacionadas a seus assuntos internos e locais (arts. 3º e 4º, da Declaração de 2007).

Nos mesmos moldes da CADH (texto de 1969) que dispunha sobre a liberdade do cidadão de participar ativamente do desenvolvimento de sua sociedade (art. 23), atualmente, destacam-se os seguintes instrumentos: o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 1º), o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (art. 1º), a Declaração de 2007 (art. 3º) e a Convenção nº 169 da OIT (art. 7º). E, ainda, especialmente quanto ao direito dos imigrantes, a Declaração sobre as Minorias (art. 4(5)).

Verifica-se no presente caso a violação ao direito à consulta e ao consentimento prévio, uma vez que o Estado deixou de realizar consultas aos povos indígenas e à população de imigrantes estabelecidas na área a ser afetada pelo empreendimento hidrelétrico. A realização de consultas e cooperação de boa-fé com os povos indígenas garante a eles a participação na tomada de decisões sobre questões que os afetem (incluindo suas terras ou territórios e outros recursos). Assim, nenhuma remoção poderá realizar-se sem o

29 Corte IDH. Caso de la Masacre Del Pueblo Bello Vs. Colombia. Sentença de 31 de janeiro de 2006. §169; Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Xákmok Kásek Vs. Paraguay. Sentença de 24 de agosto de 2010.

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consentimento livre, prévio e informado e sem um acordo prévio sobre uma indenização justa (arts. 10, 18, 19 e 32, da Declaração de 2007 e art. 1º, da Convenção nº 169 da OIT). 31

Constata-se que o Estado, além de violar o direito de participação das supostas vítimas, desrespeitou a organização própria e forma tradicional de representação do povo Aricapu (secretário geral da Assembleia eleito pelos chefes das vilas), violando o art. 3º da CADH, que dispõe sobre o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica32.

O respeito aos direitos dos povos indígenas de possuir, controlar e ter acesso às suas terras tradicionais e aos recursos naturais é uma condição prévia para o exercício dos direitos humanos, de modo que os seus direitos fundamentais são dependentes do desenvolvimento desejado pelo próprio povo. O desenvolvimento tem por objetivo a realização dos direitos humanos e, portanto, deve levar em consideração os princípios básicos da indivisibilidade e da universalidade dos direitos humanos33. Para isso, todavia, é necessário que os povos indígenas sejam reconhecidos como titulares de direitos e detentores de obrigações para que busquem seu próprio desenvolvimento34.

31 O Tribunal já se manifestou acerca da interpretação integral da Convenção nº 169 da OIT e da CADH, sobre o consentimento dos povos indígenas, procedimentos próprios de consulta, valores, usos e direito consuetudinário. Ver: Corte IDH. Caso Yakye Axa vs. Paraguai. Sentença de 06 de fevereiro de 2006. Voto Fundamentado: Juiz A.A. Cançado Trindade. E, sobre a participação efetiva e repartição de benefícios: Corte IDH. Caso del Pueblo

Saramaka Vs. Surinam. Sentença de 12 de agosto de 2008.

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Corte IDH. Caso de la Comunidad Indigena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Sentencia de 29 de março de 2006. 33 CIDH. Relatório Especial sobre a situação dos direitos humanos e as liberdades fundamentais dos indígenas. A/HRC/6/15, publicado em 15 de novembro de 2007 (§§ 13 e 14).

34 Especialmente no que tange ao desenvolvimento econômico, verifica-se que, em regra, o modelo que tem sido implementado, envolvendo os povos indígenas, não os tem considerado como sujeitos ativos da sua própria trajetória. Quando muito, os têm agregados de forma precária, desconsiderando sua autonomia para promover e manejar seu próprio desenvolvimento, entendido este dentro dos termos de seus próprios valores culturais.

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19 Conforme se relatou nos fatos, em nenhum momento o povo indígena Aricapu, nem mesmo os imigrantes Mirokai, puderam expressar seus anseios. O processo ocorreu de forma antidemocrática, uma vez que as populações atingidas e a sociedade civil em geral não puderam participar do processo, em que pese a República de Tucanos ser uma nação democrática. Essa participação dos interessados se legitima com a realização de audiências públicas, cuja inobservância pode acarretar a nulidade do processo35.

Verifica-se a violação desse direito em todos os procedimentos de liberação da construção da hidrelétrica, em especial a fase da licença prévia e do RIA. Ademais, em se tratando da análise dos impactos negativos, constata-se que, no referido processo, não foi realizado qualquer Estudo de Impactos Sociais e Ambientais, devendo inclusive conter um Estudo de Impacto de Direitos Humanos, como já manifestado perante essa Corte 36.

Finalmente, salienta-se que a melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados, devendo o Estado oportunizar a participação em processos decisórios, a fim de facilitar e estimular a

35 Inserida no procedimento do EIA, com valor igual ao das fases anteriores, é a audiência pública, também, base para a análise e parecer final. A audiência pública não pode ser posta de lado pelo órgão licenciador, como o mesmo deverá pesar os argumentos nela expendidos, como a documentação juntada. Constitui nulidade do ato administrativo autorizador quando deixar de conter os motivos administrativos favoráveis ou desfavoráveis ao conteúdo da ata e de seus anexos. (MACHADO, 2006, p. 255).

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Corte IDH. Caso del Pueblo Saramaka Vs. Surinam. Sentença de 12 de agosto de 2008.§30. No referido julgado, destaca-se também: “El Estado tiene la obligación, no sólo de consultar a los Saramakas, sino también debe obtener el consentimiento libre, informado y previo de éstos, según sus costumbres y tradiciones (CIDH, Relator Especial da ONU). §§133-135. Nesse mesmo sentido, o caso do empreendimento hidrelétrico de Belo Monte (PA/Brasil), que teve uma recente e polêmica licença ambiental liberada. (MOVIMENTO XINGU VIVO PARA SEMPRE. 2010). Os movimentos sociais e as lideranças indígenas da região são contrárias à obra porque os impactos socioambientais não estão suficientemente dimensionados. (GONÇALVES, 2010).

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conscientização e participação popular, colocando as informações à disposição de todos (princípio 10, da Declaração do Rio de 1992).

6. Da violação ao direito à propriedade: direitos coletivos à terra

O direito de propriedade, individual e coletiva, está previsto na Declaração de 1948 (art. 17) e na Convenção sobre Discriminação Racial (art. 5º, “d”, V). No caso das populações indígenas, é assegurado o direito as terras37, territórios e outros recursos, devendo essa especial relação ser respeitada, a fim de preservar as culturas e valores espirituais e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação (arts. 26 e 27, da Declaração de 2007 e arts. 13 e 14, da Convenção nº 169 da OIT)38.

No contexto do presente caso, o Estado tanto reconheceu esse direito, que garantiu a propriedade das terras às supostas vítimas (tanto indígenas quanto imigrantes) através da emissão de títulos de propriedade, não podendo o Estado, em completa dissonância, retirar dessas pessoas o direito anteriormente garantido. Além disso, as supostas vítimas têm o propósito declarado de garantir suas identidades culturais e outros direitos culturais que lhe são inerentes. Portanto, têm o direito de possuírem suas próprias terras, as quais têm sido tradicionalmente utilizadas por seus grupos e que são fonte da produção de suas atividades econômicas tradicionais e de sua própria subsistência39 devendo, considerando tais razões, lhes ser assegurada sua propriedade tradicional.

37 O termo “terras”, segundo a Convenção deve incluir o conceito de territórios, o que abrange a totalidade do habitat das regiões que os povos interessados ocupam ou utilizam de alguma outra forma.

38 Ressalte-se que o direito de propriedade das comunidades indígenas abrange igualmente os recursos do subsolo, e em caso de haver necessidade de exploração pelo Estado, deve haver participação das comunidades nas tomadas de decisão e participação dos benefícios, conforme já se fundamentou no item 5, essa é a orientação do constante no Relatório Especial das Nações Unidas sobre Populações Indígenas (1983).

39 Ver: CEDH. Caso Handölsdalen Sami Village and other v. Sweden. Julgamento em 4 de outubro de 2010 (voto parcialmente dissidente do Juiz Ziemele).

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21 Destaque-se que o direito à propriedade também está previsto na CADH (art. 21), a qual prevê, além do livre uso e gozo da propriedade a todos, a subordinação desses direitos, por razões de utilidade pública e interesses sociais. Todavia, essa mitigação ao direito pleno à propriedade não pode ser aplicada às populações indígenas e às comunidades tradicionais (adaptadas e indistintamente reconhecidas pelo Estado), porque tal direito está intimamente ligado aos direitos à vida, à identidade étnica, cultura e recriação da mesma, a integridade e sobrevivência como comunidade40, o que se sobrepõe ao conceito clássico de propriedade.

Considerando as particularidades socioculturais da multiplicidade de expressões que formam a territorialidade humana, devemos construir uma análise e reflexão crítica, no que tange à eficácia do reconhecimento estatal dos direitos coletivos das Terras Indígenas, observando a participação, consenso e autonomia dos povos nos processos de gestão e planejamento dos seus próprios territórios. O Estado nacional deve se atentar de que o conceito de território, para os indígenas, não se limita ao espaço físico que diretamente está sob sua posse, engloba a própria noção de recurso natural inerente ao seu modo de vida. Os povos indígenas estão amparados pelo instituto do “indigenato”41, no que tange à proteção da propriedade comunal originária de suas terras, uma vez que elas o pertencem muito antes das guerras territoriais travadas entre a República de Tucanos e o Principado de Araras, representando um dos mais tradicionais e antigos grupos que habitam a região onde foram definidas as atuais fronteiras.

A Corte IDH, julgando o caso Mayagna Awas Tingni Indigenous - precedente histórico a nível internacional na luta dos povos indígenas pelos seus direitos coletivos -,

40 Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Yakye Axa vs. Paraguay. Sentença de 17 de junho de 2005, § 121 (h) 41 O indigenato é a fonte primária e congênita da posse territorial; enquanto a ocupação é título adquirido. O indigenato é legítimo por si, não é um fato dependente de legitimação, ao passo que a ocupação, ao fato posterior, depende de requisitos que a legitimem (SILVA apud TOURINHO NETO, 1993, p. 13).

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reconheceu que os povos indígenas, em virtude de sua existência, têm o direito de viver livremente em suas próprias terras e ter seus direitos ligados a ela42. Assim, respeitada a peculiaridade de cada julgado, a Corte considera a estreita ligação dos povos com suas terras tradicionais, ampliando a interpretação do art. 21 da CADH, para atingir também os recursos naturais ligados a sua cultura que se encontrem em seus territórios, assim como os elementos incorporados que se desprendam deles43.

À luz dessas considerações, não se pode deixar de registrar que a interferência na relação dos povos indígenas com suas terras atinge também sua base de subsistência, atuando como fator de empobrecimento. A existência de restrições ao acesso a recursos naturais tende ao apelo a outras formas de sustento, como a procura por trabalho assalariado e migração para outras áreas para seguir com suas atividades de subsistência44.

No que tange ao direito de propriedade dos imigrantes de Mirokai, o art. 15 da Convenção dos Trabalhadores Migrantes proíbe a privação arbitrária dos bens de que seja o único titular ou que possua conjuntamente com outrem. Nesse sentido, “não é demais lembrar que os direitos culturais e étnicos, porque indissociáveis do princípio da dignidade da pessoa humana, têm o status de direito fundamental45”. Os direitos dos grupos étnicos e grupos

42 CIDH. Caso Mayagna Awas Tingni Indigenous Community. Comunicado à Imprensa nº 23, de 28 de setembro de 2001. Posteriormente, a Corte IDH firmou o mesmo entendimento em casos similares: Corte IDH. Caso

Comunidad Indígena Yakye Axa vs. Paraguay. Sentença de 17 de junho de 2005; Corte IDH. Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay . Sentença 29 de março de 2006; Corte IDH. Caso Pueblo de Saramaka Vs. Surinam. Sentença de 28 de novembro de 2007.

43 Corte IDH. Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay . Sentença 29 de março de 2006, § 118

44 Tal situação foi observada pela Corte IDH no caso da Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay . Sentença 29 de março de 2006, § 73.4

45 DUPRAT, Deborah. O Direito sob o marco da plurietnicidade/multiculturalidade. In Duprat, Deborah (org.). Pareceres Jurídicos: Direito dos Povos e Comunidades Tradicionais. Manaus: UEA, 2007.

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23 culturais são protegidos com o status de direitos humanos, e protegendo os direitos coletivos se protegem os direitos dos indivíduos, membros dos grupos e comunidades. Em suma, é sabido que reconhecer as territorialidades culturais é também reconhecer os direitos fundamentais dos povos tradicionais, extraindo-os da invisibilidade da sociedade. Todavia, além desse reconhecimento, deve se garantir, com eficácia, o direito à gestão autônoma e participativa de seus territórios, direito básico relativo à cidadania cultural.

7. Da violação à liberdade de circulação e de residência

O direito à liberdade - cujo exercício estará sujeito apenas às limitações da lei (arts. 3º e 29 da Declaração de 1948) - está intrinsecamente relacionado ao direito à circulação e à residência (art. 12 e 13 da Declaração de 1948)46. Direitos estes que foram reiterados no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (art. 12).

A CADH também prevê a liberdade de circulação e residência a todo indivíduo que se encontre legalmente estabelecido naquele território (art. 22), sendo que a violação a esses direitos já foram analisadas e reconhecidas por esse Tribunal47. O dispositivo da Convenção também nos revela uma compreensão extensiva do instituto do asilo territorial, cujo instituto é muito mais amplo do que o sentido atribuído no Direito dos Refugiados 48.

46 Importante mencionar que o direito de circular livremente e de escolher sua residência, bem como o direito à habitação, também estão previstos na Convenção sobre Discriminação Racial (art. 5º, “d”, I e “e”, III).

47 Corte IDH. Caso de la Masacre de Pueblo Bello vs. Colombia. Sentença de 31 de janeiro de 2006; Caso

Pueblo Indígena Kankuamo vs. República de Colombia. Medidas provisórias. Resolução da Corte IDH de 5 de

julho de 2004; Caso de las Comunidades del Jiguamiandó y del Curbaradó. Medidas provisórias. Resolução da Corte IDH de 6 de março de 2003; Caso de la Comunidad de Paz de San José de Apartadó. Medidas Provisórias. Resolução da Corte IDH de 24 de novembro de 2000.

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7.1 Do direito à permanência das supostas vítimas em seus territórios

O art. 10 da Declaração de 2007, assim como o art. 16 da Convenção nº 169 da OIT, dispõe que os povos indígenas não serão removidos à força de suas terras ou territórios. Nesse ínterim, os Estados devem estabelecer mecanismos eficazes para a prevenção e reparação de todo ato que objetive ou resulte na subtração de suas terras, territórios ou recursos e de toda forma de transferência forçada de população, violando ou reduzindo qualquer dos seus direitos (art. 8.2, da Declaração de 2007).

Considerando que as supostas vítimas ocupam área de fronteira, entre a República de Tucanos e o Principado de Araras, deve ser resguardado o direito de livre trânsito dos indígenas Aricapu, o que seria impedido com a construção do grande empreendimento hidrelétrico. Além do mais, a remoção da população indígena Aricapu do local destinado à construção da hidrelétrica resultará na separação dos seus membros e na intervenção em sua cultura, uma vez que a população indígena não está em sua integralidade na República de Tucanos, parte deles ocupa o território do Principado de Araras, país vizinho. Desta forma, o Estado, removendo apenas parte da população indígena local, recolocando-os em outra região, estaria submetendo o povo à assimilação forçada e à destruição de sua cultura, expressamente proibidos pelo art. 8.1 da Declaração de 2007. Os povos indígenas que estão divididos por fronteiras internacionais têm o direito de manter e desenvolver contatos, relações e cooperação, incluindo atividades de caráter espiritual, cultural, político, econômico e social, com seus próprios membros, assim como com outros povos através das fronteiras (art. 36 da Declaração de 2007 e art. 32 da Convenção nº 169 da OIT).

No que tange à remoção dos imigrantes de Mirokai, a comunidade seria exposta a danos irreparáveis devido a um segundo deslocamento forçado traumático, considerando que, como comunidade tradicional, se encontra bem adaptada à região dos rios Betara e Corvina, tendo inclusive um convívio harmônico e cooperativo com os indígenas Aricapu. Preocupando-se com situações como essa, afirma-se que “não se pode viver em permanente

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25 exílio e deslocamento. Os seres humanos compartilham a necessidade espiritual de achar raízes”. 49 A preservação da vida cultural de comunidades tradicionais tem importante reconhecimento internacional. A participação livre da vida cultural da comunidade (art. 27, da Declaração de 1948) e o direito a igual participação nas atividades culturais (art. 5º, “e”, VI da Convenção sobre a Discriminação Racial) são garantidos às supostas vítimas, em conjunto com o art. 47 da Carta da OEA, que prevê a primordial importância do estímulo ao desenvolvimento cultural, no sentido do melhoramento integral da pessoa humana e como fundamento da democracia, da justiça social e do progresso.

8. Da ponderação das razões de interesse público e social

A doutrina conceitua “interesse público” como o interesse do todo, isto é, do próprio conjunto social, não se confundindo com a somatória dos interesses individuais, peculiares de cada qual50. No presente caso, entretanto, a abrangência do que seja considerado interesse público envolve questões complexas, relativas ao direito ao desenvolvimento sustentável e ao direito das futuras gerações ao meio ambiente sadio. Assim, o argumento do interesse público deve ser ponderado aos efeitos gerados pelo empreendimento e as transformações deletérias à saúde humana e ao meio ambiente, os quais devem ser evitados em sua origem. No caso de violação aos direitos fundamentais, especialmente ao direito de grupos vulneráveis e discriminados, acrescidos de extensa degradação ambiental da área, devem ser aplicados os princípios da precaução e prevenção51.

49 Corte IDH. Caso de la Comunidad Moiwana Vs. Surinam. Sentença de 08 de fevereiro de 2006. Voto fundamentado do Juiz A.A.Cançado Trindade. §28.

50 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26. ed. rev. atual., São Paulo: Malheiros, 2009.

51 Sobre os princípios da precaução e prevenção ver: CIJ. Caso Pulp Mills on the River Uruguay (Argentina v.

Referências

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