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Oferendando

“A fé é a virtude que ergue as montanhas, vos disse Jesus; todavia, mais pesados do que as mais pesadas montanhas jazem no coração dos homens a impure­ za e todos os vícios da impureza.”

Maria era mulher de fé. Acreditava em Deus, rezava todos os dias. Considerava-se sem preconceitos e, por isso, aos domin­ gos (todos os domingos) ela freqüentava a missa; e rezava. Na segunda-feira, ela gostava de assistir o culto carismático da igreja ao lado de sua casa, e cantava. Na terça-feira, não perdia por nada a sessão de descarrego da igreja evangélica, onde o pastor expulsava todos os demônios, e delirava. Na quarta-feira, Maria, que era filha de Deus, dava-se ao luxo de ir ao bailão e divertir-se, e dançava. Na quinta-feira, havia a missa das almas que Maria oferecia para seu falecido marido, e chorava.

Mas na sexta-feira, ah!, esse dia era sagrado. Pegava o ôni­ bus e, lá num bairro bem distante, ela freqüentava um terreiro que se denominava de umbanda, e oferendava. O dinheiro de um dia de trabalho na semana Maria guardava para, na sexta- feira, comprar o material destinado à oferenda que o suposto guia lhe exigia a hm de que sua vida progredisse, pois Maria pedia. E pedia tanto... ela precisava ganhar mais, o filho preci-

sava de emprego, ela desejava arrum ar um namorado, sua mãe estava adoentada...

Conforme a orientação que recebera, Maria precisava ofe­ rendar alguns maços de velas e mais alguns objetos preparados pelo “guia” no cemitério junto ao cruzeiro. Maria não gostava desses lugares, mas confiava que as oferendas a ajudariam a melhorar a vida.

Acendeu as velas e, ajoelhada, rezava e pedia... Uma senho­ ra negra de cabelos branquinhos e com um olhar muito amoro­ so se aproximou e, ajoelhando-se ao seu lado, rezava baixinho; mesmo assim, Maria pôde ouvir o que ela dizia:

- Senhor, meu Deus! Obrigada por ter me recebido neste mundo. Obrigado pela vida e por todos os filhos que posso ajudar. Permita que eu continue servindo aos meus irmãos na Terra. Ampara todas as almas que aqui estão perdidas, aco­ lhendo-as com Teu imenso amor. Amém.

Quando Maria retomava, a mesma senhora estava senta­ da à sombra de uma árvore, próximo ao portão do cemitério. Abrindo um bonito sorriso, a senhora falou, educadamente:

- Bom dia. Você não quer se sentar um pouco à sombra para se refrescar?

- Bom dia. Vou aceitar seu convite. A senhora vem sempre aqui para rezar?

- Sempre que se faz necessário. - Como assim?

- Às vezes, precisamos ajudar algum°e pessoas. Observei que a filha trouxe uma oferenda.

-É ...

- E percebi que esteve fazendo muitos pedidos.

- Pois é, o guia lá do centro me orientou a fazer as oferen­ das e os pedidos.

- E esse “guia” não a orientou a oferendar seu trabalho

para o bem dos necessitados? Nem a agradecer o tanto de bên­ çãos que já tem?

Maria, a essa altura, já não estava gostando muito daquela conversa e tratou logo de despedir-se, alegando estar atrasada para seus compromissos.

Naquela noite, Maria adormeceu mais cedo que de costu­ me e em seus sonhos aquela senhora de olhar tranqüilo apare­ ceu. Escutava seu chamamento, e logo se viu com ela num lindo bosque onde as duas caminhavam e conversavam. Ao acordar já não lembrava mais do sonho, mas uma sensação muito boa tomava conta de Maria, que passou o dia cantarolando.

Naquela semana, inacreditavelmente ela não sentiu vontade de realizar a romaria de todas as igrejas. Na quinta-feira, encon­ trou na rua, ao acaso, uma antiga amiga, que a convidou para visitarem juntas um terreiro de umbanda próximo à sua casa.

Quando ajoelhou-se em frente à preta velha e esta tomou- lhe as mãos entre as suas, teve a impressão de que aquele cari­ nho lhe era conhecido. Enquanto a bondosa entidade, através de sua médium, cantarolava e a benzia com um galho de erva verde, Maria, sem saber por quê, deixava as lágrimas rolarem pelo seu rosto. Uma espécie de saudade brotava do fundo de sua alma e, ao mesmo tempo, uma imensa paz a envolvia.

- Saravá, mi zi fia! O que suncê veio buscar nesse terreiro? - Salve, minha mãe! Nem sei o que pedir... estou me sen­ tindo estranha.

- Então não precisa pedir nada, zi tia, pois o Grande Pai sabe de tudo aquilo que nós precisamos e nos dá conforme nosso merecimento. Nossa obrigação é dar graças todos os dias por cada minuto que nos é concedido viver.

- Pois é... mas a vida é tão difícil, preciso de tantas coisas que não acontecem, embora já tenha feito tantas oferendas...

- Nega véia sabe que zi fia foi até ao cemitério oferendar

e pedir. Nada contra as oferendas quando se fazem necessá­ rias, desde que tenham um fundamento, que sejam colocadas no lugar certo, de maneira correta e na energia adequada. Os sagrados orixás e seus falangeiros não haverão de ficar felizes com os filhos que sujam seus sítios sagrados. A maior e melhor oferenda aos orixás, zi fia, é nosso amor e respeito ao nosso semelhante. É trabalhar para melhorar nossos defeitos, elevar nossos sentimentos. De nada adianta oferecermos coisas mate­ riais para solicitar a realização de nossos desejos, de nossas vontades, que nem sempre é o melhor, pois as dificuldades estão aí para nos mostrar que necessitamos m udar algumas coisas em nossas vidas. Isso é permuta, é negociação. Com o “divino” não se negocia, pois como bem disse Nosso Sinhozinho Jesus, “a cada um segundo as suas obras”. Se zi fia acha que precisa oferendar coisas materiais, plante uma flor ao lado de uma cachoeira e ofereça-a com amor a Oxum; vá até uma praia e oferte seu trabalho a Iemanjá, limpando seu sítio sagrado, juntando os lixos que as pessoas deixam por lá; plante uma árvore ou uma simples erva em seu quintal e oferte-a à Oxóssi; visite uma creche e leve doces às crianças, além de seu carinho e estará agradando aos ibejis; preencha seu tempo vago fazendo a caridade, ajudando os mais necessitados, e estará agradando a todos os Orixás e, em conseqüência, sua vida vai melhorar e as bênçãos brotarão abundantemente. Nós recebemos da vida aquilo que a ela doamos. Todos os caminhos levam ao Pai, mas precisamos encontrar o nosso e segui-lo. Siga aquele no qual seu coração vibre de amor e de alegria.

Maria agora tinha muito o que pensar, e pensou. E mudou a partir de então, seguindo os conselhos da preta velha.

Enquanto no mundo terreno Maria seguia seu caminho, melhorando a cada dia, no mundo espiritual sua protetora, que não media esforços para ajudar sua tutelada e que para tanto

até se fez visível aos seus olhos, estava feliz, pois sua própria evolução dependia da evolução de Maria.

Quando os caboclos trazem as folhas de Jurema E os pretos velhos trazem arruda e guiné Eles vem trabalhar na lei de umbanda

Tem licença de Aruanda pra salvar a quem tem fé.

Mensagem de fé - Negro Tião

No documento Vovó Benta - Causos de Umbanda Vol. 2.pdf (páginas 161-166)

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