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As intervenções cirúrgicas oftalmológicas são procedimentos relativamente frequentes na população com idade mais avançada. Comorbidades cardiovasculares que demandam a utilização de medicamentos antitrombóticos e o que fazer com eles no período perioperatório representam assunto de intenso debate entre os cirurgiões oftalmológicos e os cardiologistas. No Brasil, o temor de complicações hemorrágicas, incluindo hematomas na região periorbital, é responsável pela interrupção indiscriminada de AAS e varfarina em 82,7% dos pacientes que realizam operações de glaucoma.270

Por outro lado, as evidências relativas à ocorrência de complicações, ainda que escassas, demonstram que este receio não é justificável. A taxa de complicações hemorrágicas descrita em estudos observacionais é baixa e sem maiores consequências, principalmente nas cirurgias de catarata que utilizam técnicas anestésicas convencionais.271-275

Alguns tipos de intervenção cirúrgica oftalmológica, entretanto, apresentam risco hemorrágico maior, como a trabeculectomia, usado no tratamento do glaucoma,276,277 e a vitrectomia, técnica para as doenças da retina.278,279 No entanto, as evidências não demonstram risco aumentado de complicações hemorrágicas significativas nestas cirurgias com o uso da AAS.277,280,281 Nestes casos, a conduta deve ser individualizada mas, em geral, recomenda-se a manutenção deste agente no perioperatório.282

Pacientes em uso de DAP por stent recente (6 semanas após stent convencional e 6 meses após stent farmacológico) ou síndrome coronária aguda há menos de 1 ano são aqueles com maior risco de eventos com a interrupção da terapêutica antiplaquetária. Desta maneira, os procedimentos oftalmológicos, sempre que possível, devem ser adiados até que seja finalizado este período de maior risco.

Para procedimentos que precisam ser realizados nesse período, a estratégia depende do risco hemorrágico da intervenção. Nas intervenções de menor risco hemorrágico (injeções intravitreais, catarata e anestesia peribulbar), o AAS

e os inibidores dos receptores P2Y12 devem ser mantidos. No entanto, no caso de intervenções de maior risco hemorrágico, como vitrectomia e trabulectomia, a recomendação mais aceita é de manter o AAS e de suspender o segundo antiplaquetário, respeitando-se os intervalos já descritos em seção específica desta diretriz (desta diretriz item 7.A.V.C desta diretriz), apesar de as evidências para esta estratégia serem limitadas.

De forma semelhante aos pacientes que fazem uso de monoterapia com AAS, as evidências na literatura são favoráveis à manutenção da monoterapia com clopidogrel no perioperatório de cirurgias de catarata.274,275 As evidências são mais escassas nas cirurgias de glaucoma e de retina, motivo pelo qual recomenda-se suspender o clopidogrel no perioperatório destas intervenções, respeitando-se o período de 5 dias entre a suspensão e o procedimento.

Em relação aos pacientes anticoagulados com varfarina, as evidências na literatura são favoráveis à sua manutenção em operações de menor risco hemorrágico, como as de catarata, certificando-se que a RNI esteja na faixa terapêutica.271,272 Metanálise de estudos observacionais, acompanhando pacientes submetidos à cirurgia de catarata na vigência do uso de varfarina, constatou incidência de sangramento da ordem de 10%; estes sangramentos foram, em sua maioria, autolimitados e subconjuntivais, e nenhum paciente cursou com perda visual relacionada a tal ocorrência.273 Já nas operações de glaucoma e doenças da retina, a varfarina deve ser suspensa e o manejo perioperatório deve seguir a estratégia descrita nesta diretriz na seção de manejo de anticoagulação no perioperatório (consultar item 7.D desta diretriz), de acordo com o risco individual de eventos trombóticos dos pacientes. Até o momento, as evidências dos riscos de hemorragia em pacientes utilizando os NOAC em cirurgias oftalmológicas são limitadas e não permitem recomendações para seu manejo no perioperatório.

As recomendações relativas ao que deve ser feito, principalmente para pacientes portadores de stents

Recomendação recomendaçãoGrau de Nível de evidência

Para procedimentos endoscópicos de baixo risco de sangramento, deve ser mantida a terapêutica antiplaquetária

(monoterapia ou dupla antiagregação plaquetária) ou anticoagulante com varfarina I B Pacientes em uso de monoterapia com ácido acetilsalicílico para prevenção secundária de eventos cardiovasculares

devem manter seu uso no perioperatório de procedimentos endoscópicos, inclusive na maioria dos procedimentos

considerados de alto risco de sangramento I B Para procedimentos endoscópicos de alto risco de sangramento, a terapêutica anticoagulante com varfarina ou com novos

anticoagulantes orais deve ser suspensa I B Pacientes com dupla antiagregação plaquetária após angioplastia coronária idealmente não devem ser submetidos a

procedimentos endoscópicos de alto risco de sangramento, no período de duração ideal da mesma I B Pacientes que precisam ser submetidos a procedimentos endoscópicos de alto risco de sangramento antes do término

previsto da dupla antiagregação plaquetária após angioplastia devem manter o ácido acetilsalicílico e suspender o

segundo antiplaquetário IIa C

Para procedimentos endoscópicos de baixo risco de sangramento, a terapêutica anticoagulante com novos

devem ser individualizadas, considerando a relação entre os riscos trombótico e os hemorrágico. Para os pacientes cuja recomendação for por manter o anticoagulante e/ou antiagregantes, o cirurgião deve ser informado da necessidade de garantir hemostasia adequada. Uma sugestão, que pode ser considerada e discutida com o anestesiologista − a quem cabe

menos associada a complicações hemorrágicas.275 No caso dos antiagregantes, se a decisão for pela interrupção, eles devem ser reiniciados no pós-operatório o mais rapidamente possível. Recomenda-se também que o procedimento seja realizado em hospital com capacidade para intervenção hemodinâmica (angioplastia) de urgência, caso necessário.

Recomendações para Pacientes em Programação de Operações Oftalmológicas

Recomendação recomendaçãoGrau de Nível de evidência

Para os pacientes que tiverem a recomendação de manter o anticoagulante e/ou antiagregantes, o oftalmologista deve ser

informado da necessidade de garantir hemostasia adequada I B Pacientes que serão submetidos a operações oftalmológicas e estão em uso de ácido acetilsalicílico para prevenção

cardiovascular secundária devem manter seu uso no perioperatório I B Pacientes que serão submetidos a operações oftalmológicas para glaucoma ou vitrectomia e que estão em uso de

clopidogrel em monoterapia devem suspender seu uso no perioperatório I C Pacientes que serão submetidos à vitrectomia ou à trabulectomia e estão em terapia anticoagulante com varfarina devem

suspender seu uso no perioperatório I B Pacientes em uso de clopidogrel em monoterapia para prevenção cardiovascular secundária, que serão submetidos a

operações de catarata, devem manter seu uso no perioperatório IIa B Pacientes em uso de dupla antiagregação plaquetária por stent recente (6 semanas após stent convencional e 6 meses

após stent farmacológico), ou síndrome coronária aguda há menos de 1 ano, e que necessitam realizar intervenções de menor risco hemorrágico (injeções intravitreais, catarata e anestesia peribulbar) devem manter o uso da dupla antiagregação plaquetária no perioperatório

IIa B Pacientes em uso de dupla antiagregação plaquetária por stent recente (6 semanas após stent convencional e 6 meses

após stent farmacológico) ou síndrome coronária aguda há menos de 1 ano e que necessitam realizar intervenções de maior risco hemorrágico (vitrectomia ou trabulectomia), devem manter o uso do ácido acetilsalicílico e suspender os inibidores dos receptores P2Y12 no perioperatório

IIa C

6. Considerações para Pacientes de Alto Risco

A) Quando o Risco Cardiovascular é Muito Elevado, Operar ou Não Operar?

Depois do próprio paciente, o cirurgião é o maior interessado em definir se uma cirurgia deve ou não ser realizada, tendo em vista a relação entre o risco de complicações e o benefício da intervenção. Tradicionalmente, é do cirurgião a mensagem clara para não operar um paciente pelo risco impeditivo de complicações, contrariando às vezes as expectativas do paciente e de sua família.283

Por outro lado, há situações em que a avaliação perioperatória conclui que o risco de complicações é elevado e relacionadas a complicações cardiovasculares, como infarto do miocárdio e AVC. Neste caso, é importante que o cardiologista conheça o prognóstico da doença de base, para analisar se a relação risco/benefício é desfavorável e se a intervenção não deve ser realizada. Tais informações relativas ao prognóstico da doença de base devem ser solicitadas ao cirurgião que solicitou a avaliação. Grau de Recomendação

Nível de Evidência C.

Nas situações em que há informações objetivas de que o risco de complicações cardiovasculares graves, como morte cardíaca, infarto não fatal e acidente vascular cerebral, supera o risco de morte pela doença de base, a operação não cardíaca deve ser contraindicada. Grau de Recomendação IIa. Nível

de Evidência C.

B) Escolha do Hospital

Uma reflexão sobre a instituição de saúde onde o procedimento cirúrgico será realizado é fator importante da avaliação perioperatória, por parte do cardiologista. Estudos demonstram que um hospital com uma equipe multiprofissional coesa e centrada no pronto diagnóstico e na terapêutica das complicações deve ter influência positiva nos resultados perioperatórios.284-287

Adicionalmente, há evidências de que hospitais com maior volume de procedimentos tenham menor mortalidade perioperatória que hospitais com menor volume, mesmo após ajuste para outras variáveis.288

Na avaliação de risco cirúrgico, é imperativo também dispormos das variáveis relacionadas à instituição de saúde onde será feito o procedimento, para um aconselhamento mais amplo de nossos pacientes. Grau de Recomendação I.

7. Medidas para Redução do Risco