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Olhar particular sobre a mulher moçambicana

CAPÍTULO I- ROMANCE, ÉTICA E SOCIEDADE

2.2. Olhar particular sobre a mulher moçambicana

As mulheres moçambicanas sempre estiveram presentes na sociedade moçambicana e fizeram sentir a sua presença com as ações e palavras, que muitas vezes lhes têm sido negadas pelo universo masculinizado. Os acontecimentos históricos reportam a sua presença e participação em diversas atividades a par dos homens, embora em muitos casos, os seus inúmeros contributos sejam apoderado pela sociedade falocêntrica. As atitudes das mulheres nas narrativas do Heródodo127 podem lembrar aquilo que Olga Iglésias apresenta sobre o dinamismo da mulher em Moçambique:

Mas é, sem dúvida, no quadro da luta armada de libertação nacional que foram feitas importantes reflexões e estudos que consideramos “mais globais” da situação da Mulher Moçambicana, pelo tratamento da problemática dos obstáculos à emancipação, pela estratégia de inclusão da mulher nos centros

124 Cf. Gilberto Freyre, Sobrados e Mucambos, Livros do Brasil, Lisboa, 1º Tomo, s/d., p. 151.

125 Cf. Simon Blackburn, Dicionário de Filosofia, trad. Desidério Murcho, Pedro Galvão, Ana Cristina

Domingues, Pedro Santos, Clara Joana Martins e António Horta Branco, Gradiva, Lisboa, s.v. “Ética”, 1997, p. 163.

126 Cf. Sónia Frias, Mulheres na Esteira Homens na Cadeira, Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, 2006. 127 Cf. Simone de Beauvoire, O Segundo Sexo, p. 17. Encontram-se narradas as potencialidades das

personagens femininas, relativas às amazonas do Daomé e muitos outros testemunhos que demonstram o poder de ação feminino.

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de decisão e pelo envolvimento da mulher na tarefa principal- de combater pela independência de Moçambique, como igual, livre e irmã. 128

Veja-se numa altura em que se considerava a luta armada como a prioridade das demais tarefas, uma atenção de algumas entidades públicas para a diminuição do estereótipo que se tinha sobre a mulher em vários domínios. Essa nova mentalidade permitiu, após a independência de Moçambique, assim como em outras antigas colónias portuguesas em África, uma certa evolução face ao papel feminino. O fato de as mulheres terem estado ao lado dos homens na guerrilha durante a luta pela independência dos seus países determinou-lhes algum prestígio do ponto de vista político e social, envolvendo-se para esta causa altas figuras políticas, como Samora Machel129, Aquilino de Bragança130 e a Professora Doutora Isabel Casimiro.131

Como se não bastassem as guerras coloniais, seguiu-se a guerra civil entre 1975 e 1992, sendo esta uma das grandes causas de extrema pobreza, miséria e a fome, tendo deixado Moçambique no leque dos mais pobres países do mundo, situando a esperança média dos seus habitantes nos 38 anos. Porém, muitos esforços têm sido empreendidos para se melhorarem as condições de vida do povo em geral e, em particular as mulheres, pois sem elas a reconstrução do país nas suas diversas áreas de ação, estaria condicionada.132

Contudo, embora se tenha a consciência do valor social, político e de líder natural da família, unidade da célula da humanidade, 20% das mulheres moçambicanas continua ligado a casamentos poligâmicos e muitas são sujeitas, por pressão das matronas, as mais velhas à submissão ao marido, seja em que circunstância for.133 A condição do género feminino em Moçambique não deveria ser visto tendo por ponto de referência a mulher europeia pois a realidade africana é completamente diversa. Enquanto na Europa o entendimento sobre a igualdade de género envolve questões relativas ao acesso de hierarquias das organizações administrativas, como a partilha dos cargos políticos, religiosos, económicos, oportunidades de emprego, um salário equitativo, entre outras, para a mulher moçambicana, os problemas vão muito além, já que a poligamia é uma cultura que anda em paralelo com a marginalização dos direitos femininos, continua a fazer parte das estruturas de muitas famílias, mas com um olhar

128 Cf. Olga Iglésias, “Na Entrada do Novo Milénio em África, Que Perspetivas para a Mulher

Moçambicana?”, in Inocência Mata e Laura Cavalcante Padilha (org.), A Mulher em África, p. 226.

129 Cf. Ibidem, p. 141. Na abertura da primeira Conferência da Mulher Moçambicana, vê-se a preocupação

do Presidente da FRELIMO, relativamente à sua preocupação com a mulher, uma vez que para ele, a libertação da mulher é uma necessidade da revolução, garantia da sua continuidade, condição do seu triunfo.

130 Cf. Ibidem, p. 142. Na qualidade de diretor do Centro de Estudos Africanos, encorajou, o estudo, na

então Oficina de História, da participação da mulher na Luta Armada.

131 Cf. Ibidem. Continuou e desenvolveu o projeto de Aquilino de Brança, levando a cabo uma série de

entrevistas de algumas mulheres protagonistas, como membros da LIFEMO (Liga Feminino Moçambicana), do DF (Destacamento Feminino), da OMM (Organização da Mulher Moçambicana), enfermeiras, professoras, secretárias, camponesas, mobilizadoras, transportadoras de materiais, produtoras de mantimentos e alimentadoras dos combatentes.

132 Cf. Maria Teresa Nobre, A Personagem Feminina nos Contos de Mia Couto, p. 47.

133 Cf.www.verdade.co.mz/mulher/17570-20-porcento-de-mulheres-mocambicanas-vivem-... (acesso em

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crítico e condenável das mulheres, uma vez que o homem é o único que sai a ganhar neste sistema.

Os ritos das mulheres impostos pelos princípios tradicionais são sempre orientados para as práticas que atentam à dignidade das mulheres em vários aspetos. Se em outros países africanos praticam sobre as mulheres a mutilação genital, tal como ficou aludido anteriormente, em Moçambique, principalmente na região norte, os procedimentos rituais relacionados com a preparação das meninas para vida adulta e dos seus matrimónios vão além do referido. As raparigas são encerradas em palhotas, rapadas os cabelos, pintados os seus corpos e tapado o rosto com um véu. Durante duas semanas não podem falar, nem pilar arroz ou milho, nem cozinhar, o tempo em que a mãe tem de conseguir comprar tudo aquilo que é suposto ela levar para o casamento. Se a mãe da menina não conseguir reunir as condições exigidas, a filha pode permanecer neste estado de submissão durante anos, sofrendo até violência física por parte dos mais velhos.134 Procedimentos reprováveis por pessoas sensatas e

arrepiantes. Nos lugares onde é exercido, pese embora não reúna consenso entre as vítimas e os protagonistas, é considerado um ritual de celebração de transição de uma faixa etária para a outra, ou seja, da idade adolescente para a idade adulta. O ato em si é um verdadeiro atentado à saúde psicológica e física das meninas, uma barbaridade que nem parece humana. Porém, mais pior ainda é a forma deplorável como exercem tal ação. A rapariga é sujeita a gritar por causa do intenso sofrimento, enquanto, os membros da família assistem. Portanto, estes são alguns entre outros ritos marginais como o lobolo, o kutchinga e outros que ocorrem em Moçambique e que serão desenvolvidos no próximo capítulo.