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PARTE II. NA CASA dos cinco rios

2.3 Casa das águas

2.3.1 Olhos de água

Na cidade do México, há um passeio que se faz no verão, em alguma festa ou data importante. Esse passeio é a uma floresta que nós chamamos Bosque de Chapultepec170 (floresta de gafanhotos ou grilos). Nela existem muitos sítios para

serem visitados, um deles é o caminho para ir a um parque de diversões. Para chegar ao parque, se tinha que passar por uma rua longa que tem uma fonte.

A fonte, igualmente à rua, é comprida. Tem onze espelhos d’água, os

espelhos estão juntos um ao outro no lado da rua, e cada espelho tem uma cabeça monumental que foi inspirada nas cabeças da Cultura Olmeca (fig.153). As cabeças são feitas de concreto e a fonte tem o nome de: “Mito al agua”. Foi criada pelo engenheiro Emilio Lavín Revilla em 1964. As cabeças da fonte estão representando o deus da chuva: Tlaloc. Os espelhos de água estão acompanhados de murais feitos com mosaicos que desenham imagens pré-hispânicas e representam a água (figs, 151, 152).

Fig. 152. Fonte Mito a Água, 1964.

Ing. Emilio Lavín Revilla. Bosque de Chapultepec. Cidade do México

Fonte: https://mexico.quadratin.com.mx/invierten-85-mdp-fuente-mito-del-agua-parque- constituyentes/

170 Chapultepec é uma palavra em náuatle Fig. 151. Fonte Mito a Água, 1964. (Detalhes).

Ing. Emilio Lavín Revilla. Bosque de Chapultepec. Cidade do México Fonte:http://data.sedema.cdmx.gob.mx/bosquedechapultepec/index.php?option=com_co

244 Parte II. Casa das Águas cinco agua 245 Fig. 153. Cabeça Olmeca aprox. Entre 1.300 y 1.000 años a.C. Tabasco. México

Fonte:http://www.elorigendelhombre.com/cabezas%20olmecas.html

Quando eu tinha seis anos, me lembro de passar junto a essa fonte, mas, naquela época, ficar diante de uma cabeça gigante, que te mira com uns olhos em forma de círculo, com uma boca que mostra os dentes e uma língua como a de cobra, era assustador, ainda mais sendo não só uma cabeça, e sim onze. Onze cabeças que te olham, um só deus Tlaloc: a água.

Nesse sentido, e parafraseando Didi-Huberman, o que eu via me olhava, com uns olhos circulares vazios, e essas cabeças me constituíam, “devemos fechar os olhos para ver quando o ato de ver nos remete, nos abre a um vazio que nos olha, nos concerne e, em certo sentido, nos constitui.” (DIDI-HUBERMAN, 1998, p.34). Desse modo, a imagem de dois círculos vazios que me olham me concerne, porque me traz o passado pré-hispânico, o deus me olha, me lembra de onde venho, me constitui.

Aos sete anos, fui em uma excursão da escola ao Museu Nacional de Antropologia, na cidade do México. O museu, para dar as boas-vindas aos

visitantes, trouxe de um povoado perto da cidade do México um monolito esculpido em tempos pré-hispânicos. O monolito representa a Tlaloc171. Novamente, essa

imagem monumental de um deus da chuva me olhava.

171 Alguns estudiosos acreditam que esse monolito não é Tlaloc, se não Chalchiuhtlicue . A escultura está rodeada de muitos mitos e lendas. Para saber mais, o filme: “La piedra ausente”, de Sandra Rozental e Jesse Lerner.

Tlaloc chegou à cidade em um 16 de abril, na primavera, esse dia não havia previsão de chuva, mas , quando a pedra entrou na cidade, começou a chover muito forte, acaso uma sinal?

Aos nove anos, tive a sorte de ser convidada a uma visita guiada pelo Templo Mayor (na cidade do México), descoberto, em 1988, pelo arqueólogo Eduardo Matos Moctezuma. A visita guiada era com Matos Moctezuma. Desse modo, tive acesso a sítios que eram proibidos para o resto das pessoas. Caminhei sobre as pedras do templo, pude tocar algumas peças pré-hispânicas. O templo foi edificado para duas deidades: Tlaloc e Huitzilopochtli. Em um dado momento, ficamos diante ao que seria a parte mais alta, diante das ruínas, diante do tempo. Na parte dedicada a Tlaloc o que ficava em pé eram dois muros com murais que continham linhas pretas e brancas e círculos brancos, as iconografias do deus (fig. 155).

Fig. 154. Tlaloc. Museo Nacional de Antropologia

Fonte: http://barriozona.com/wp-content/uploads/2011/12/tlaloc_monolito_mexico.jpg

Fig. 155. Detalhe de mural do Templo de Tláloc. Templo Mayor, Cidade do México

Fonte: < https://arqueologiamexicana.mx/mexico-antiguo/etapa-constructiva-ii-del- templo-mayor-de-tenochtitlan>

A figura do deus Tlaloc é umas das iconografias mais representadas na cultura mesoamericana. Os mexicas em sua cosmovisão tinham dois deuses importantes: Tlaloc que seria o sustento a agricultura, e o deus Huitzilopochtli da guerra. Assim, Tlaloc tem seus próprios elementos icônicos e simbólicos que podem ser: óculos, presas ou língua de cobra e a cor azul. Vamos ver um exemplo (fig.156), uma vasilha com a face de Tláloc, encontrada na oferenda 21 do Templo Mayor.

Fig. 156. Vasilha com a face de Tláloc

Fonte:<https://www.artehistoria.com/es/obra/vasija-representando-al-dios-de-la- lluvia-tlaloc-cultura-azteca-m%C3%A9xico>

A vasilha tem uns óculos de cor azul, da boca saem duas presas em

vermelho. Nos olhos e na boca, tem um desenho de linhas e círculos que formam uma iconografia que carateriza as deidades da água, além de ter a ver com a cobra. A cobra é um ser que pode viver na água e na terra, tem essa qualidade de ficar em dois mundos. As figuras triangulares poderiam representar morros. Os óculos de TIáloc é, ao mesmo tempo, uma gota redonda da água e a cobra enrolada.

Nesse sentido, a figura do círculo traz para mim um ícone muito forte, cheio de simbolismos: (1) a água, (2) a gota da água, (3) a chuva, (4) o deus, (5) o olho, (6) a mirada, (7) o espiritual, (8) a identidade.

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