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Omissões, simplificações e recortes da fala dos sujeitos ouvintes no processo de interpretação em Libras das aulas de Matemática

O TRABALHO DO INTÉRPRETE DE LIBRAS EM UM AMBIENTE

UNIDADES DE ANÁLISE

6) Omissões, simplificações e recortes da fala dos sujeitos ouvintes no processo de interpretação em Libras das aulas de Matemática

Na seção 3 deste trabalho, discutimos, dentre outros aspectos e centrados na atuação do Intérprete de Libras no campo educacional, as possibilidades e limites da interpretação entre duas línguas diferentes. Na existência de limites, e remetendo-nos novamente às reflexões de Eco (2005), Intérpretes de Libras são levados à tomada de decisões em um ambiente complexo como a sala de aula, onde transitam discursos diversos, de diferentes sujeitos, sobre temas, na maioria das vezes, desconhecidos por esses profissionais e não contemplados em sua formação.

D´Antonio (2006) elenca alguns fatores que interferem na interação professor x aluno. Dentre eles, destacamos a incompreensão dos alunos de algumas palavras/conceitos, considerando que estas podem ter mais de um significado ou mesmo serem desconhecidas pelos alunos ouvintes. Comunicar, em uma mesma língua, em aulas de Matemática, não é tarefa fácil, e a compreensão depende de significados particulares atribuídos por cada participante de um ato educativo. Um professor de Matemática, ao se expressar oralmente para seus alunos, faz normalmente adaptações visando a compreensão dos estudantes. E se considerarmos o Intérprete de Libras na mesma sala de aula, este terá uma tarefa ainda mais difícil, que é a de transitar de uma língua para outra, tentando manter uma comunicação adequada para a compreensão dos conceitos matemáticos pelos alunos surdos, sem ser, entretanto, um conhecedor exímio desses conceitos. Resta ao Intérprete, com isso, opções como aquelas enunciadas nessa unidade de análise, quais sejam, omitir, simplificar e/ou recortar. Sobre essa dificuldade em transitar entre duas línguas e discutir conceitos científicos, Lacerda (2009) aponta que:

[...] esses conteúdos, além de serem mais distantes para os alunos surdos pela privação linguística a que frequentemente estão submetidos, só são acessados após sua versão para Libras pela intérprete, que busca produzir enunciados que façam sentido para os alunos surdos, simultaneamente, em uma tarefa trabalhosa e exaustiva (p.70).

Várias das instruções feitas por P1 durante nossas observações não eram interpretadas para as alunas surdas, desde observações acerca de determinados conceitos, perguntas feitas pela

professora e até mesmo as respostas de questionamentos feitos por outros alunos e que, possivelmente, poderiam contribuir para o aprendizado das alunas surdas. Notamos que, em algumas discussões em sala de aula sobre os temas propostos por P1, a Intérprete não tinha condições de ouvir diversas pessoas falando ao mesmo tempo, informar qual delas possuia o discurso naquele momento, transmitir suas emoções, diferenciar entre afirmações e interrogações etc. Principalmente recortes da fala dos sujeitos eram feitos em momentos em que a Intérprete se via obrigada a pausar a interpretação para tirar dúvidas das alunas surdas ou mesmo quando estas últimas queriam questionar sobre assuntos alheios à aula.

Quando os autores Schick, Williams e Kupermintz (2005) voltaram seus olhares para a formação dos Intérpretes da American Sign Language (Língua Americana de Sinais) e constataram uma competência inadequada desses profissionais para a atuação nos ambientes escolares, uma das consequências levantadas pelos autores foi a possibilidade de realização de interpretações distorcidas, fragmentadas, omissões e simplificações. Tais omissões, simplificações, no caso da pesquisa que aqui apresentamos, torna-se uma decisão imediata diante da dificuldade de atuação da Intérprete no ambiente escolar, onde várias pessoas costumam trocar ideias simultaneamente.

Quadros (2004) observou, em sua pesquisa, ―distorções graves‖ (p.69), que, segundo ela, seriam geradas pela falta de habilidade em ―realizar a tradução e interpretação simultânea‖ (p.69). Dentre essas distorções, Quadros (2004) apontou acréscimos com relação às informações dadas pelo professor de sala de aula oriundas de suas conclusões pessoais, além de simplificações das informações obtidas, omissões de informações, distorções semânticas e pragmáticas e escolhas lexicais inapropriadas. Para a autora, os problemas aumentam quando o tempo de atuação se estende, interferindo na atuação, conforme relato a seguir:

Outra constatação da pesquisa refere à qualidade da interpretação. À medida em que o tempo passa, se perde qualidade na interpretação. Os erros nas escolhas lexicais, os erros nas decisões quanto ao significado são progressivamente muito maiores após a primeira hora de interpretação simultânea (QUADROS, 2004, P.70).

Cechinel (2005), ao analisar a inclusão de alunos surdos no Ensino Superior e o tratamento dos conhecimentos científicos pelo Intérprete de Libras, observou ―diferenças significativas‖ (p.53) entre o que foi dito pelo professor e o que foi interpretado em Libras, mudando o sentido de conceitos científicos importantes para o aprendizado dos estudantes. Além das

adaptações, muitos dos conceitos, segundo a autora, não foram interpretados para o aluno surdo de sua investigação.

Gurgel (2010) também considerou a existência de distorções entre a fala do professor e a interpretação em Libras. Uma das causas, segundo a autora e dentre diversas outras, seria a velocidade com que os educadores costumam falar, o que geraria uma dificuldade para a interpretação. Quando o Intérprete está lidando com um conceito do qual ele não tem conhecimento, a questão se agrava, na medida em que, na ―[...] busca por técnicas de interpretação ou por escolhas lexicais, às vezes, se perdem ou se confundem, mudando o sentido daquilo que o professor está passando para os seus alunos‖ (GURGEL, 2010, p.140).

Não se trata, com essa unidade de análise, de descarregarmos nosso descontentamento sobre um único sujeito, o Intérprete de Libras, já que são muitos os fatores que influenciam em sua atuação, além da dependência de muitos sujeitos. Trata-se, mais do que isso, de refletirmos, com nossos dados, sobre as consequências impostas ao ensino de Matemática para surdos.

7) O descompasso entre os tempos necessários para a comunicação em Português e