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C ONCEITO E E VOLUÇÃO DA Q UALIDADE

IV. MODELOS DA QUALIDADE

IV.1. E NQUADRAMENTO DOS M ODELOS DA Q UALIDADE

1. C ONCEITO E E VOLUÇÃO DA Q UALIDADE

Não existe uma definição única e universalmente aceite da palavra qualidade. De facto, para além das diversas aplicações correntes da palavra, utilizada assiduamente no nosso quotidiano com diversos sentidos, mesmo entre os principais autores nesta matéria as definições são variadas.

Esta questão é abordada por Ivancevich et al. (1996), que dividem as definições de qualidade em cinco categorias: as baseadas no processo produtivo, no cliente, no produto, no valor e as definições designadas de "transcendentes"6.

De entre as referidas categorias, as duas primeiras são as mais utilizadas e aceites pela maior parte dos autores e entidades neste domínio.

A primeira, baseada no processo produtivo, numa perspectiva "taylorista", considera a qualidade como a conformidade de um produto ou serviço relativamente a requisitos ou especificações previamente estabelecidos, como defende Philip B. Crosby.

De acordo com a segunda categoria, baseada no cliente, a qualidade significa aptidão para o uso, ou seja, as características dos produtos ou serviços vão ao encontro das expectativas e necessidades dos clientes, como refere J. M. Juran7.

A Norma NP EN ISO 9000:20008 define qualidade como o «grau de satisfação de requisitos dado por um conjunto de características intrínsecas», sendo que requisito é

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A qualidade para Robert Pirsig, citado por Ivancevich et al. (1996), constitui um bom exemplo de definições “transcendentes”: «Quality is neither mind nor matter, but a third entity independent of the other two... Even though Quality cannot be defined, you know what it is.»

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Em ambas as categorias, Crosby e Juran são apenas dois dos principais autores a defendê-las, existindo diversos outros a partilharem das suas opiniões.

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definido como uma «necessidade ou expectativa expressa, geralmente implícita ou obrigatória».

Esta diversidade de definições está também relacionada com o facto da qualidade não ser um conceito recente, tendo evoluído historicamente de acordo com a evolução dos sistemas de gestão.

Os principais marcos históricos que contribuíram para a evolução do conceito de qualidade são analisados por Ganhão (1991), considerando as seguintes fases:

 Período anterior à Revolução Industrial, em que, nas primeiras oficinas, era o artesão a executar todas as actividades, desde a concepção à venda, incluindo todas as actividades de controle de qualidade com vista a detectar e corrigir erros. Estas actividades consistiam em verificar os trabalhos em curso e o produto final, assegurando simultaneamente que os aprendizes assimilavam e desenvolviam o seu trabalho correctamente. Nesta fase, o conceito dominante era o da aptidão para o uso, dependendo as receitas das oficinas da venda de produtos aptos para utilização.

 A Revolução Industrial trouxe o primeiro grande desenvolvimento, uma vez que, com o surgimento de unidades produtivas de grandes dimensões, os inspectores encarregues das tarefas de controle de qualidade viram as suas responsabilidades restringidas aos aspectos ligados à produção, em que o conceito dominante era já, cada vez mais, o da conformidade com os requisitos.

 O surgimento dos métodos de gestão e produção de Taylor vieram acentuar esta tendência. A alta produtividade através da produção em série implicou um decréscimo na qualidade dos produtos, traduzindo-se em alterações substanciais em termos de controle de qualidade. Agora de modo mais acentuado, este controle tinha como base a conformidade com requisitos pré-estabelecidos.

 A I Guerra Mundial deu origem a uma maior preocupação com o decréscimo na qualidade dos produtos, devido ao surgimento de numerosos defeitos em material militar. A resposta a esta questão foi uma maior relevância dada pelas empresas à prevenção de defeitos.

 Durante a II Guerra Mundial, diversas empresas sentiram dificuldades em produzir material militar com qualidade e nos prazos estabelecidos e, após o seu termo, os problemas centraram-se na conversão da produção eminentemente militar para uma produção civil. Todas estas questões tiveram como consequência o incremento das actividades de planeamento e análise dos resultados, aumentando os níveis de exigência dos sectores de inspecção. Foi nesta fase que se assistiu à emergência de uma nova ferramenta, o controle estatístico da qualidade.

 Nas décadas de 60 e 70, com a evolução verificada em termos económicos e industriais, nomeadamente ao nível da concorrência, surge o conceito de garantia da qualidade. O planeamento passou a ter uma maior relevância, bem como a evidência de que está a ser efectivamente cumprido, dando mais confiança a todas as partes interessadas.

 A partir dos anos 80 a qualidade alcança em definitivo um papel relevante ao nível da competitividade. Os clientes têm agora mais possibilidades de escolha e os produtos de qualidade inferior têm pouca capacidade para competir. Assistimos então à passagem de uma estratégia quantitativa para uma estratégia qualitativa, assente em grande parte na optimização dos custos e na diferenciação dos produtos e serviços pela qualidade. Surge o conceito de qualidade total, em que as metodologias de qualidade deixam de ser restritas apenas à componente produtiva para serem expandidas a todos os sectores e funções das empresas, implicando também a participação de todos os colaboradores.

A evolução verificada nas últimas décadas teve como principais impulsionadoras as empresas japonesas. Efectivamente, foi o Japão o primeiro país a aperceber-se da importância da implementação da qualidade nas suas empresas, iniciando antes dos Estados Unidos da América (EUA) ou da Europa Ocidental o processo de alargamento das metodologias da qualidade a todos os sectores das empresas e a implementação de ferramentas e técnicas de controle e garantia da qualidade.

Os próprios princípios da qualidade total, desenvolvidos por autores ocidentais (principalmente norte-americanos), apenas no Japão foram intensamente aplicados até à década de 80.

Com esta consciencialização das empresas japonesas para a qualidade9, os seus produtos ultrapassaram a imagem que lhes estava associada, de cópias de má qualidade dos produtos ocidentais, revelando-se, inclusivamente, de qualidade superior à evidenciada por estes últimos a partir de meados da década de 70.

Os ganhos para as empresas japonesas em termos de competitividade no mercado mundial foram visíveis, incentivando as empresas americanas a caminharem no mesmo sentido.

As empresas da Europa ocidental iniciaram este processo com algum atraso relativamente aos dois países anteriormente referidos. No entanto, diversas medidas foram tomadas para permitir uma evolução mais acelerada do processo de consciencialização, verificando-se actualmente vários países europeus a apostarem já decisivamente na qualidade total.

Podemos resumir a evolução da qualidade descrita referindo que foi sempre notória a presença da preocupação em “fazer bem”.

Contudo, a intensificação da concorrência tornou insuficiente esta preocupação, sendo necessário “fazer bem à primeira”, conseguindo assim um produto ou serviço de qualidade e com um custo inferior.

Nesta fase, a qualidade assumia já um papel relevante, mas apenas ao nível produtivo, sendo definida pela conformidade dos produtos e serviços em relação aos requisitos previamente estabelecidos.

Finalmente, verificou-se a evolução para uma gestão da qualidade não apenas ao nível produtivo, mas sim a todos os níveis das organizações, sempre com o objectivo principal de satisfazer as necessidades e expectativas dos clientes. A qualidade assume-se como uma filosofia de gestão, assente num processo de melhoria contínua dos padrões já alcançados.

A definição proposta por Cruz e Carvalho (1998) constitui um bom exemplo de como deve ser entendida a qualidade: «Qualidade é a conformidade em relação a especificações e parâmetros definidos, conhecidos por todos na empresa e estabelecidos pelos clientes, em permanente revisão para que se encontrem em cada momento dinamicamente ajustados às suas [dos clientes] reais necessidades».