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C ONCEITUAÇÃO DA L ITERATURA I NFANTIL

No documento Revista Completa (páginas 96-101)

UMA INVESTIGAÇÃO SÔBRE JORNAIS E REVISTAS INFANTIS E JUVENIS (IV)

II. C ONCEITUAÇÃO DA L ITERATURA I NFANTIL

Desde logo se diga que a literatura infantil e juvenil, criada para o fim de entretenimento e recreação, não deverá ser confundida com a literatura didática, concebida para fins diversos. A literatura infantil tem origem própria, sua evolução, formas e funções definidas, (5) e tais caracteres podem ser verificados, não apenas na produção que apresentam alguns dos mais adiantados países, mas na maioria deles (6).

Como conceituá-la, de modo claro ?...

(5) Cf. LOLRENÇO FILHO, Como aperfeiçoar a literatura infantil, in

"Revista Brasileira", pub. pela Academia Brasileira de Letras, ano III, n. 7. setemb. 1943, pág. 943, págs. 146 a 169.

(6) Literature enfantine et Collaboration Internationale — Children's and Inter — National Goodwill. (Rapport d'une enquete et liste de livres —

Booklist and Report of an Inquiry) 1932, Gènève, Bureau International d'Edu- cation, 2me. ed.

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Por seus fins, a literatura infantil, para que mereça o título terá que visar os mesmos largos objetivos das belas letras, em geral; terá que comunicar emoção estética, e de ser menos interessada, portanto, em objetivos de pura informação, ou na pregação intencional de estreito e dogmático moralismo, especialmente caracterizado pela noção de uma justiça retribuitiva.

Com o assinalar êste aspecto estático, fundamental, não se há de querer negar, no entanto, o aspecto ético, daquele inseparável. "Não é possível que, tomando em mira ao que é belo, não se alcance o que é bom", escrevia Platão, num de seus diálogos. Ao que, Cicero, havia de acrescentar: "É privilégio do belo não poder divorciar-se do bem".

Mas, ainda que não seja admitida a tese por essa ampla feição filosófica forçoso será reconhecer que, se se torna possível comunicar a emoção estética pelo horrível, não será essa a estética de que hão de carecer crianças e jovens, para seu normal e equilibrado desenvolvimento. "O horrível poderá ser belo algumas vezes", lembrava Goethe; "mas o belo será sempre e ainda mais belo".

É precisamente essa peculiaridade da estética infantil e juvenil a da adequação de seus motivos e formas ao gradativo desenvolvimento mental, emocional e cultural, que impõe a consideração de uma ética, que lhe seja própria (7) .

O aspecto psicopedagógico haveria portanto de empolgar aos demais emprestando-lhes nitidez e significação humana. Há uma literatura específica para crianças e jovens, justamente porque estes a podem consumir; mas, ao reconhecer o fato, teremos de admitir também a necessidade de investigar os níveis normais da gradativa evolução que os gostos e preferências da leitura apresentam c a função normal que deva ter no desenvolvimento do indivíduo.

Não é a imposição de estreitos preconceitos que deverá levar a vi-gilar pela leitura de crianças e jovens; mas, o reconhecimento objetivo das condições dessa evolução, a desejar se faça com perfeito equilíbrio. Assim como existe uma higiene alimentar para as crianças, baseada em conhecimentos de origem objetiva, assim também se

(7) BRAUNSCHWIG,M., El arte y el niño, trad. Madrid, 1914. Tb. JESUALDO SOUZA,Del mito primitivo a Ia sinfonia tonta, in " Anales de Ins-trucion Primaria", Dezembro de 1943,

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torna necessário conhecer os princípios de uma higiene mental, necessária em qualquer idade, mas na infância e na adolescência, mais exigentes em suas condições.

A função da literatura infantil e juvenil não é, como já se viu, a de intruir ou moralizar, mas, sim, a de recrear. Não será, porém, a de recrear pela excitação de impulsos de violência, e com a exposição de temas, reais ou fantásticos, que levam a estados emotivos de perigosa intensidade, que facilitam o conflito íntimo e o desajusta-mento social.

Recrear, no seu mesmo sentido etimológico, é criar de novo, liberar no indivíduo as forças que possam levá-lo a atitudes construtivas de sua mente e de seu próprio caráter.

Tal será, enfim, o critério decisivo para julgar das boas e das más influências que a recreação possa exercer sôbre crianças e jovens, sem excluir, necessariamente, as modalidades a que a leitura possa servir de instrumento.

III. Os INTERESSES DA LEITURA NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA

A compreensão do aspecto artístico da literatura infantil e juvenil implica a acentuação de uma estética evolutiva, a ser estudada, ou, ao menos, compreendida como fato natural pelos que pretendam compor com proveito, para crianças e adolescentes. Como também, e necessariamente, esse desenvolvimento estético se relaciona com a evolução psicológica, em todos os seus demais aspectos, entre os quais avulta o da formação ética (tomada aqui a expressão no mais largo sentido de ajustamento e integração da personalidade) segue-se, queiramos ou não, que tôda obra de literatura, preparada para crianças e jovens, deverá ter em consideração as suas possíveis repercussões no desenvolvimento psicológico da clientela» a que se destine.

Para isso, torna-se necessário, antes de tudo, a observação dos interesses reais de crianças e jovens. Para o caso dos interesses na leitura, numerosas investigações têm sido realizadas, no estrangeiro, e já algumas em nosso meio, com resultados sempre muito próximos, senão mesmo perfeitamente coincidentes.

Podem ser assim resumidos os resultados de tais investigações : a) até os oito anos de idade predominam os interesses por histórias de fadas, animais e crianças; desperta-se a curiosidade sôbre os

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fenômenos naturais e os fatos da vida diária; neste período, que inclui crescente desenvolvimento da "fabulação", cabem entrechos de ficção, mesmo de todo inverossímil; nenhuma diferença essencial se observa entre os interesses dos meninos e das meninas;

b) de oito aos des anos subsistem os mesmos interesses do período anterior, com desenvolvimento do gosto pelo humorismo, narrativas de aventuras individuais e de travessuras; o inverossímil começa a perder o encanto primitivo. Nota-se, neste período, alguma diferença entre os interesses de um e os de outro sexo: as meninas continuam a apreciar contos de fadas, e outros do mesmo gênero, ao passo que os meninos já não encontram neles igual atração. As meninas se interessam por aventuras em que haja crianças e jovens, ao passo que os meninos apreciam aventuras movimentadas. De modo geral, as meninas começam a dar atenção a assuntos que tenham por fundo a vida doméstica, e os meninos os que apresentem problemas de aplicação mecânica;

c) de doze anos aos quinze anos, nos indivíduos de normal desenvol- vimento, desaparece totalmente o interesse pelo inverossímil. Crescem de valor as aventuras, narrativas reais, ou de ficção com base na realidade, ou em motivos e objetivos da vida comum. Atos de bravura e desprendimento, e grandes realizações empolgam nessa idade; o humorismo, os desportos, as viagens, as biografias, e vida de outros povos vivamente interessam também. Já aqui ha clara

- diferença entre os gostos de um os de outro sexo. Narrativas senti- mentais e poéticas, assim como as que versem sôbre motivos da vida doméstica e vida social (modas, diversões, arte) atraem vivamente o espírito feminino. Os rapazes apreciam aventuras movimentadas, grandes feitos de todo o gênero, e, para os mais inteligentes, as de fundo científico, técnico ou de cunho real; ha marcado interesse pelos desportos, como também pelos grandes feitos da história;

d) depois dos quinze anos, os interesses puramente recreativos de clinam. em favor dos relativos ao conhecimento, ou de cultura geral. Começa a firmar-se interêsse pelas leituras de fundo realista, psi cológico, social, científico e filosófico; livros e revistas de caráter instrutivo ou didático, começam a ser procurados com maior fre-

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qüência. O romance e a poesia interessam mais as jovens; as narrativas de cunho social, histórico e de viagens, aos rapazes. (8) A observação dos interesses da leitura, assim indicados, fornece elementos para a adequação geral dos assuntos ou temas, a ser feita, é claro, segundo indispensável orientação que vise aproveitar essa "motivação" natural para a leitura, no sentido de proporcionar a crianças e jovens material proveitoso à sua formação mental e emocional.

Explorar tais interesses, no sentido de fácil sensacionalismo, com perversão do bom gosto, inspiração de atos violentos e de crueldade. será, evidentemente, desvirtuar a função normal da leitura recreativa. O comportamento da leitura, como a de outro qualquer, não se justifica apenas pela razão mesma de sua possível motivação. Justifica-se

(8) Para o estudo dos interesses da leitura, podem ser consultados:

CLEARY,F. D. Why Children Read, Wilson Library Bulletin. Vol. 14, n. 2, outubro,

1939, págs. 119-126.

MALCHOW,E. C., Reading Interests of High School Pupils in School Review, XLV

(março), 1937, págs. 178-85, apud W. S. Gray, Journal of Educational

Research, fevereiro, 1938, pág. 412.

BRINK,W. G., Reading Interest, " The School Review", The University of Chicago,

outubro, 1939, pág. 613 e segs.

WHIPPLE,G. M., editor, Thirty Sexth Y earbook of the National Society for the Study of Education, Public School Publishing Company, Bloomington, Illinois, 1937,

págs. 185-205.

TERMAN,L. M. and LIMA,M., Children'S Reading, Appleton, Century Company,

New York, 1931, págs. 3-92.

STONE.C. R., Better Advanced Reading, Webster Publishing Company, St. Louis,

1937, págs. 181-4 e 189-91.

JORDAN, A. M., Reading Interests: Proccedings, National Education Association,

1935, Washington, págs. 342-5; idem, 1937, págs. 281-3.

LOURENÇO FILHO,O que os moços leem, in "Educação", Vol. I, São Paulo, n. 1

outubro, 1927.

— Como aperfeiçoar a literatura infantil, " Revista Brasileira", Rio, setembro, 1943.

Inquérito de leituras infantis, Boletim da Associação Brasileira de Educação, 11,

maio-junho, 1927, ano III, págs. 8-23, Rio.

ANTIPOFF, H., Ideais e interesses das crianças de Belo Horizonte, Public, da

Inspetoria Geral de Instrução. Boletim n. 6, 1930, Belo Horizonte.

MEIRELES, Cecilia, Inquérito realizado nas escolas do Distrito Federal sôbre

literatura infantil, Dep. de Educ, 1934.

Literatura infantil, Simposium dos membros da Comissão Nacional de Literatura

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no sentido de que, por ela, se possam alcançar mais elevados níveis de desenvolvimento, ou de integração dos valores culturais, em que se apoie uma sadia formação humana.

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