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A C ONCEPÇÃO DE E STADO A MPLIADO

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GRAMSCI E SUA PROPOSTA DE SUPERAÇÃO DO CAPITALISMO

2.1. A C ONCEPÇÃO DE E STADO A MPLIADO

Antonio Gramsci nasceu em 1891, na Sardenha, numa ilha localizada no sul da Itália. Ele foi membro de uma família que vivia em condições paupérrimas e, logo cedo, demonstrou interesse e preocupação para com aqueles que viviam em condições de extrema pobreza. Gramsci foi um estudioso do marxismo, se filiou ao Partido Comunista da Itália, atuou intelectual e politicamente na luta contra o Estado burguês liberal, e posteriormente, se tornou também alvo do regime fascista.

Enquanto estudioso do marxismo, Gramsci retomou a dimensão antológica de Marx, ao considerar que: o ser humano encontra no processo de trabalho, através do enfrentamento e domínio das adversidades pela natureza, a única forma de humanizar-se; o sistema capitalista alimenta-se do antagonismo existente entre o capital e o trabalho; e o Estado utiliza-se de seu poder coercitivo e ideológico para garantir que o antagonismo entre os interesses de classes, continue sempre presente.

Gramsci ampliou estas compreensões ao afirmar que, para garantir a continuidade da exploração do trabalho, a burguesia precisa garantir, além de sua hegemonia econômica, a hegemonia cultural na sociedade capitalista. O autor define hegemonia econômica como a detenção dos meios de produção pela classe dominante, que é a forma como está estruturada a sociedade capitalista e, como hegemonia cultural a necessidade de detenção do monopólio das influências intelectuais e culturais desta sociedade, que é também a forma como esta está amplamente estruturada.

Gramsci observou que a classe dominante não necessita apenas depender do poder coercitivo do Estado ou mesmo de seu poder econômico direto para exercer o seu domínio, esta necessita prioritariamente, persuadir a classe dominada a aceitar o seu sistema de crenças e compartilhar os seus valores sociais, culturais e morais. Neste sentido, Motta (2012, p.114) esclarece que:

Tomando a concepção de Gramsci de Estado ampliado e de Estado educador, pode se concluir que a sociedade civil, enquanto “protagonista” dessa nova estratégia conservadora, mais que promover a despolitização e enfraquecer os embates em seu interior, exerce também uma função educadora junto às massas ao disseminar a idéia de criação de um clima ameno, sem confrontos, solidário e coeso para combater as mazelas sociais; a fundação de uma “vontade de conformismo”.

Desta forma, Gramsci demonstra que a classe dominante, através da apropriação da ampla estrutura, acaba por dominar todo o conjunto das relações ideológicas e culturais, que regem a vida dos indivíduos na sociedade, e é justamente por isso que essas relações devem tornar-se o centro da análise, e não apenas o modo de produção econômica (CARNOY, 1994, p. 93).

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Já no final do século XIX, Gramsci constatou que o Estado já estava admitindo o direito de greve e aceitando as reivindicações dos trabalhadores. Gramsci observa que o Estado passou a lutar pelo convencimento da classe trabalhadora a continuar se submetendo às condições de dominação e subordinação da classe dominante, porém não mais pelo poder coercitivo, mas agora num esforço para estabelecer o “consenso” entre as classes, através de uma aparente “democracia”, que o autor vai denominar de luta pela “hegemonia”.

Consequentemente, ele chega ao seguinte raciocínio: se através de um intenso trabalho educativo a classe dominante conseguiu fazer com que a classe dominada absorvesse a sua concepção cultural e então se submeteu ao seu poder hegemônico, logo um intenso trabalho educativo também poderia fazer com que a classe dominada viesse a conquistar a hegemonia. Neste aspecto, Torres comenta que:

[...] Para Gramsci, a sociedade civil seria pensada como um lócus privilegiado que favorecia as condições para que a luta pela hegemonia pudesse se realizar e tomar contorno real. Assim, o Estado seria a conjugação da “sociedade civil” somada à “sociedade política”. [...] a sociedade civil gramsciana seria assim entendida como um recurso democrático e estaria pautada por elementos de politização, articulação e unificação de interesses, junto a um Estado participativo caracterizado pela luta social e institucional, radicalmente democratizado. Enfim, a sociedade civil como “um espaço de invenção e organização de novos Estados e pessoas” (2003, p.143 -144).

A partir da concepção de superação da sociedade capitalista, sob o domínio burguês, através de um embate entre as classes, Gramsci criou o conceito de “contra hegemonia” ou “crise de hegemonia”. A crise ocorre quando “[...] as classes sociais se separam de seus partidos políticos; a classe não mais reconhece os homens que lideram os partidos como expressão sua” (CARNOY, 1994, p. 105). Gramsci apontou para a possibilidade de, a partir dessa ausência de referencial de liderança, outros elementos emergentes poderiam ampliar poder e autonomia, criando uma crise de autoridade.

Gramsci considera que a hegemonia cultural burguesa é responsável pela manutenção do capitalismo, portanto para a superação do capitalismo seria

preciso que houvesse uma crise na hegemonia cultural burguesa, o que levaria também a uma crise geral no Estado.

[...] o Estado também é um instrumento da ideologia burguesa, de legitimação das necessidades sociais burguesas. [...] Para Gramsci o empobrecimento cada vez maior é apenas um elemento dentro das possibilidades de elevar essa consciência. Mais importante para ele é a desintegração da capacidade do Estado de estender e manter a hegemonia burguesa – isto é, uma crise no sistema de crenças desenvolvidas pela burguesia para servir seus próprios fins (CARNOY, 1994, p. 107).

Para tanto seria necessário que a classe dominada passasse a controlar o Estado, o que representaria o primeiro passo um processo radical de transformação da sociedade burguesa e de tomada do poder pela classe dominada.

Fazendo uma analogia entre esta reflexão de Gramsci e a forma como as políticas sociais de Assistência Social e Assistência Estudantil vêm sendo operacionalizada pelos diferentes governos brasileiros da contemporaneidade, é possível constatar que estas políticas estão sendo utilizadas como verdadeiros mecanismos para impedir a pobreza extrema da população e concomitantemente, amortizar a insatisfação da classe dominada, a qual poderia, através do uso de sua força, levar o país a uma revolução civil, política, social e econômica.

Observa-se que estas políticas, dentre outras, vêm sendo desenvolvidas exclusivamente para atenderem as camadas populares que vivem em situação de miserabilidade, deixando de fora os pobres e a classe média. A classe média inclusive, ao contrário do que se esperava, é chamada para pagar as despesas destas políticas, através das pesadas alíquotas que são cobradas em seus impostos, enquanto que a classe dominante não é chamada para custear estas mesmas despesas. Acrescentando ainda, que a classe dominante consegue, através de sua hegemonia cultural, conduzir a grande maioria dos integrantes da classe dominada, alienados e distantes da possibilidade de perceberem e questionarem coletivamente o sistema político e econômico vigente, bem como da possibilidade de se mobilizarem e buscar a sua superação.

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