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Onora O’Neill: As fórmulas do Imperativo Categórico e o Reino dos fins

2. As Fórmulas e formulações do imperativo Categórico

2.6. Onora O’Neill: As fórmulas do Imperativo Categórico e o Reino dos fins

Em relação à análise das fórmulas do Imperativo Categórico, Onora O’Neill afirma que qualquer uma das fórmulas do imperativo categórico nos reporta a pensar numa comunidade de agentes livres e racionais. No entanto, na fórmula do reino dos

95 fins é realçada essa ideia de uma forma mais explícita. Para O’Neill a ideia de autonomia já está implícita na fórmula da lei universal, mas o que está realmente explícito é apenas a ideia de se agir segundo máximas que se tornem leis universais, onde os agentes sejam livres e racionais; não que tenha de haver uma coordenação entre os vários agentes, no sentido de uma comunicação que tome cada um como membro de uma comunidade. Em suma, é uma perspectiva mais individual do que comunitária. Só a partir da fórmula da humanidade (que a autora designa como fórmula do fim-em-si-mesmo) este “olhar” fica explícito118. Sendo que na fórmula do reino dos fins essa ideia concretiza-se

efetivamente:

Isto é bastante explícito na Fórmula do Reino dos Fins, e não está muito longe do que está subentendido nas outras formulações. A ideia de agir segundo máximas que possam se tornar leis universais, que é o núcleo da Fórmula da Lei Universal, invoca a noção de uma pluralidade de agentes livres e racionais que atuam de tal forma que não excluem os outros de agir da mesma maneira. A ideia de tratar os outros como fins, que é o núcleo da Formula do fim-em-si-mesmo, invoca a noção de uma pluralidade de agentes que controlam as suas ações para alcançar o respeito coordenado da liberdade e racionalidade de cada um (Onora O’Neill, op. cit., p. 44).

O que leva a autora a fazer essa afirmação reside no fato de que o imperativo categórico é uno e, portanto, as várias formulações serem equivalentes. Assim, como afirma Kant, cada formulação contém o mesmo significado que as outras. A interação de uma pluralidade de agentes é, portanto, expressa implicitamente pela ideia de universalidade, assim como a ideia de co-legislação.

É evidente a partir desse entendimento da Fórmula da Lei Universal que a noção de uma pluralidade de agentes que interagem já está implícita na Fórmula da Lei Universal. Não é verdade que Kant introduza essa noção em sua ética apenas com a Fórmula do Reino dos Fins, o que implicaria que as várias formulações do Imperativo Categórico não fossem de forma

96 alguma equivalentes. Universalizar é, logo à partida, considerar que se o que cada um propõe para si mesmo, isso poderia ser proposto por outros (Onora O’Neill, op. cit., p. 94).

Através de uma análise das várias formulações do imperativo categórico, mais especificamente da Fórmula da lei Universal, da Fórmula do Fim-em-si-Mesmo e da Fórmula do Reino dos fins, Onora O’Neill pretende demonstrar, como afirmou Kant, que elas são equivalentes. Tendo em conta que a primeira fórmula constitui a forma, a segunda a matéria e a terceira a determinação completa, faz uma interpretação de cada uma, para tornar mais claro como podem ser equivalentes, quando tanto nas suas formulações como na própria relação com a ética kantiana, aparentemente, são tão diferentes.

Antes de se fazer uma exposição do argumento da autora, faremos duas críticas preliminares. Primeiro, quando Kant se refere à forma, matéria e determinação completa, na verdade, está a referir-se às máximas e não às fórmulas do imperativo categórico propriamente ditas. Segundo, quando Kant se refere à forma, afirma que a máxima surge através da fórmula da lei universal da natureza e quando se refere à determinação completa se refere à fórmula do reino dos fins como reino da natureza. O’Neill não considera essas duas maneiras de formular o imperativo categórico (isto é, a fórmula da lei universal da natureza e a fórmula do reino dos fins como um reino da natureza). Apenas refere que a fórmula do reino dos fins como um reino da natureza é uma outra versão da fórmula do reino dos fins119.

Para fazer a comparação entre as fórmulas do imperativo categórico, O’Neill faz uma exposição do conceito de máxima, em cinco pontos. Primeiro, afirma que uma máxima é um princípio prático subjetivo, ou seja, um princípio de ação de um sujeito num determinado momento. Portanto, nunca poderá ser um algoritmo, como querem fazer crer os utilitaristas. Segundo, uma máxima não pressupõe que não existam outros

119 Kant escreve que "a moralidade consiste na relação de todas as ações para a elaboração de leis pelas quais só um reino dos fins é possível" (G, IV, 434), onde um “reino dos fins” é caraterizado como “uma união sistemática de seres racionais sob leis objetivas comuns” (G, IV, 433). Uma outra versão é a seguinte: "Todas as máximas que decorrem da nossa própria legislação devem harmonizar-se com um possível reino dos fins, como um reino da natureza (G, IV, 436)” (Onora O’Neill, op. cit., p. 127).

97 princípios que guiem a ação, mas é antes o princípio mais importante e “que governa os princípios ancilares das ações”. Terceiro, as máximas não são as mesmas para uma vida inteira, não são rígidas, no entanto, poderão algumas delas permanecer para uma vida inteira. Quarto, a descrição de uma máxima pode não ser possível, porque a nossa consciência é falível e opaca, tanto para nós como para os outros. Quinto, pelo fato de as máximas serem de acordo com determinadas circunstâncias os testes da moralidade não são suficientes para determinar a retidão ou a falsidade das ações. Pode apenas revelar a qualidade moral ou o valor das máximas. Isto porque, mais uma vez, a consciência é opaca. Nós só podemos tentar aproximarmo-nos da moralidade, mas nunca ter a certeza de que conseguimos chegar lá. Este pessimismo não quer dizer que não possamos julgar. As várias formulações do imperativo categórico são precisamente um guia para conseguirmos ter um critério para identificar as máximas que tenham um valor moral120.

Assim, O’Neill vem afirmar que uma leitura preliminar da teoria da ação kantiana pode ser utilizada para confirmar a equivalência da fórmula da lei universal, da fórmula do fim-em-si-mesmo (fórmula da humanidade) e da fórmula da autonomia, na medida em que as fórmulas rejeitam ou aceitam as mesmas ações como ações morais ou não. Ou seja, as mesmas máximas serão escolhidas como máximas de dever pelas fórmulas do imperativo categórico.

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Capítulo III

3. Considerações sobre a relação entre moral e política: Onora O’Neill,