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A Fé como Opção Fundamental no CELAM

3.1 A FÉ COMO OPÇÃO FUNDAMENTAL NO PÓS-CONCÍLIO: UMA HERMENÊUTICA

3.1.2 A Fé como Opção Fundamental no CELAM

Fazendo um percurso pós-conciliar para observar o alcance da afirmação encontrada na DV 5 que apresenta o ato de fé como opção fundamental, procurou-se perceber este elemento no modo como os Papas trabalharam a perspectiva da fé em seus respectivos pontificados. Em cada pontificado pós-Conciliar, pode-se observar a insistência na adesão a Jesus Cristo por meio da pertença a uma comunidade de fé. A questão que se apresenta agora é se esta mesma perspectiva pode ou não ser encontrada nas conclusões do CELAM (Medellín,606 1968; Puebla, 1979; Santo Domingo, 1992 e Aparecida, 2007).

A intenção é investigar se há continuidade entre o que propôs o Concílio Vaticano II na DV 5 sobre o ato de fé e o modo como o CELAM, em seus textos conclusivos, apresenta essa mesma questão. Ao mesmo tempo, quer-se observar se há entre esses textos uma continuidade no que significa o ato de fé. Para buscar estas respostas, perscrutaram-se cada um dos textos, localizando onde a palavra fé é mencionada, buscando identificar se ao seu redor gravita o mesmo significado proposto pelo Concílio Vaticano II na DV5.

605 “Neste dia, far-nos-á bem pensar na nossa história, olhar para Jesus e, do fundo do coração, repetir-lhe

muitas vezes – mas com o coração, em silêncio – cada um de nós: ‘Lembra-Te de mim, Senhor, agora que estás no teu Reino! Jesus, lembra-Te de mim, porque eu tenho vontade de me tornar bom, mas não tenho força, não posso: sou pecador, sou pecadora. Mas lembra-Te de mim, Jesus! Tu podes lembrar-Te de mim, porque Tu estás no centro, Tu estás precisamente no teu Reino!’. Que bom! Façamo-lo hoje todos, cada um no seu coração, muitas vezes: ‘Lembra-Te de mim, Senhor, Tu que estás no centro, Tu que estás no teu Reino!’”. (FRANCISCO. Santa missa na conclusão do ano da fé na Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo: homilia do Papa Francisco. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/ francesco /pt/homilies/2013/documents/papa-francesco_20131124_conclusione-annus-fidei.html)

606 Devido ao estilo de redação do documento final de Medellín, será adotada a seguinte sequência para

citá-lo: capítulo, parte, parágrafo (nem todos os capítulos possuem parágrafos numerados). Por exemplo: Medellín 1, II, 3.

a) Conferência de Medellín (1968): a necessidade da conversão para a opção fundamental na fé

Realizada na Cidade de Medellín, Colômbia, esta II Conferência do episcopado Latino-americano607 intitulada A Presença da Igreja na atual transformação da América Latina: à luz do Concílio Vaticano II, acontece poucos anos depois do encerramento do Vaticano II (1963-1965).608 Tendo em consideração as proposições conciliares e as mudanças em curso na sociedade e nos povos latino-americanos, ela teve entre seus objetivos fomentar a promoção humana, repensar a evangelização dos povos latino- americanos e considerar os problemas relativos aos membros da Igreja e suas estruturas.609

No desenvolver dessa conferência, tendo presentes os desafios sociais e eclesiais, os bispos reafirmaram sua fé em Jesus Cristo anunciando: “para nossa verdadeira libertação, todos os homens necessitam de profunda conversão para que chegue a nós o ‘Reino de justiça, de amor e de paz’” (Medellín 1/II). Já no início do documento, com a expressão profunda conversão, Medellín afirma que o processo de transformação social e eclesial precisa ser acompanhado de uma opção fundamental correspondente.610

Em seu texto conclusivo, tem-se presente que o progresso humano e social não coincide com o Reino de Deus, realidade escatológica, porém se revela e se antecipa no modo de vida daqueles que fazem do triunfo pascal de Cristo o fundamento de suas decisões (Medellín 1/II). Com essa perspectiva, o texto afirma que a adesão a Jesus Cristo

607 A primeira Conferência, convocada por Pio XII, aconteceu no Rio de Janeiro, de 25 de julho a 04 de

agosto de 1955, tendo como secretário Dom Helder Câmara. No site do Conselho Episcopal Latino- americano (CELAM) é possível acessar o texto conclusivo: http://www.celam.org/conferencias_rio.php Esse texto não será objeto de estudo na presente pesquisa, dado que ocorreu antes do Concílio Vaticano II (1962-1965).

608 Embora cite diferentes documentos do Vaticano II, o texto conclusivo de Medellín não faz nenhuma

menção a DV, o que permite apenas estabelecer relações de proximidade entre a DV 5 e a concepção de fé em Medellín.

609 Cf. CELAM. Conclusões de Medellín, p. 8.

610 “A origem de todo desprezo ao homem, de toda injustiça, deve ser procurada no desequilíbrio interior

da liberdade humana, que necessita sempre, na história, de um permanente esforço de retificação. A originalidade da mensagem cristã não consiste tanto na afirmação da necessidade de uma mudança de estruturas, quanto na insistência que devemos pôr na conversão do homem. Não teremos um continente novo, sem novas e renovadas estruturas, mas sobretudo, não haverá continente novo sem homens novos, que à luz do Evangelho saibam ser verdadeiramente livres e responsáveis. Somente a luz de Cristo esclarece o mistério do homem. Sob essa luz, toda a obra divina, na história da salvação é uma ação de promoção e de libertação humana que tem como único objeto o amor.” (Medellín 1/II).

leva a uma santificação do e no tempo presente, traduzida em gestos, decisões e escolhas concretas em favor da vida humana de modo integral.

Esses elementos permitem afirmar que a maneira de compreender a fé em Medellín se aproxima da proposição do Vaticano II na DV 5, no que diz respeito à opção fundamental. Ainda sob essa ótica, essa aproximação diz que a fé não se traduz em uma adesão a afirmações e decretos, mas em uma relação pessoal com o Deus trino. Nela, o ser humano transformado pela ação do Espírito Santo é chamado à comunhão divina. Uma conversão profunda, que inaugura um modo de se relacionar com Deus, com as pessoas humanas e com as coisas.611

A disposição para essa transformação à luz de Cristo mostra que “toda obra divina, na história da salvação é uma ação de promoção e de libertação humana que tem como único objeto o amor” (Medellín 1/II). Nessa afirmação se condensa o significado da adesão a Jesus Cristo no espírito de Medellín como opção pela vida humana manifestada em Cristo e traduzida em um projeto de vida.612 Um projeto que, na fé, sob o impulso do Espírito Santo, traduz-se em doação e entrega de si (cf. Medellín 6/II) como sinal visível do triunfo pascal de Cristo. Um movimento existencial com fases distintas em nível pessoal e social (cf. Medellín 6/I), que, tendo em consideração os sinais dos tempos como interpelação de Deus, mostra-se urgente aos bispos em Medellín (cf. Medellín 7/II,2).

Um outro elemento que ajuda a compreender a fé no documento de Medellín é a expressão pela fé e pelo batismo, utilizada para indicar os canais da transformação que se opera no ser humano (cf. Medellín 1/II). A mútua implicação desses dois elementos traduz a missão pastoral em Medellín, isto é, a superação de uma pastoral apenas sacramental tendo em vista uma fé operante. Uma missão que traz à luz a importância do ato de fé eclesial vivido, sobretudo, em família e nas pequenas comunidades (CEB).

611 “Pertence, pois, ao ato de fé, sob o impulso do Espírito Santo, o dinamismo interior que tende

constantemente a aperfeiçoar o momento de apropriação salvífica transformando-o em ato de doação e entrega absoluta de si.” (Medellín 6/II,3).

612 Um processo que requer constante discernimento para se observar a legitimidade do ato de fé, que não

é apenas subjetivo, mas também objetivo em seu caráter eclesial. O acompanhamento e o discernimento requerem tempo e perseverança, dadas as fragilidades e as imperfeições humanas. “Ainda que não se possa supor sem mais nem menos a existência da fé e por trás de qualquer expressão religiosa aparentemente cristã tampouco se pode negar, arbitrariamente, o caráter de verdadeira adesão fiel e de participação eclesial real, embora fraca, a toda expressão que apresente elementos espúrios ou motivações temporais e egoístas. Com efeito, mesmo na fé, como ato de uma humanidade peregrina no tempo, o homem depende da imperfeição das motivações mistas.” (Medellín 6/II,2).

Nelas, as relações se estabelecem de forma mais intensa e a transmissão da fé, pela palavra e pelos sacramentos, se torna mais concreta (cf. Medellín 15/III, A1).

Nas conclusões de Medellín, a missão de evangelizar em tempos de transformação não se reduz a empreender novidades, mas se volta para o aprofundamento. No espírito do Vaticano II, é uma nova tradução dos conteúdos da fé, para que estes correspondam às exigências do tempo presente. Para tal, necessita-se de um processo que leve a um ato de fé pessoal, adulto, convicto e operante em um ambiente que passa por constantes transformações. Segundo os bispos, uma reconversão e uma reevangelização (cf. Medellín 6/II,4ab), tendo em vista a maturidade de fé dos batizados (cf. Medellín 4/II,2)613 para um novo estilo de vida, pois pela fé se descobre, dizem os bispos, o sentido novo das coisas e se dá a renovação da humanidade (cf. Medellín 5/2.1b).614

Essa percepção em Medellín aponta também para a necessidade de superação de uma fé que não é vivida em sua radicalidade, mas que se deixa tomar pela mediocridade. Segundo os bispos, perante os movimentos de transformação da sociedade, o ato de fé precisa ser refeito em busca da superação de uma motivação inautêntica (cf. Medellín 6/II,3). Uma motivação que se traduz no dom sublime da caridade, um chamado não somente às obras, mas também à proclamação da fé, em uma conjugação que manifeste o valor transcendente e absoluto da vida que se expressa na opção de fé.

b) Conferência de Puebla (1979): comunhão e participação como sinal da opção fundamental na fé

Onze anos depois de Medellín, o episcopado latino-americano se reúne para uma nova conferência. Desta vez, na Cidade de Puebla de los Andes, México, de 27 de janeiro a 13 de fevereiro de 1979.615 No discurso inicial, o cardeal Aloísio Lorscheider, como presidente do CELAM, afirmou que o processo de evangelização requer uma Igreja que

613 Em uma afirmação que vai ao encontro do que se encontra na DV 5, afirmam os bispos em Medellín:

“Esta evangelização dos batizados tem um objetivo concreto: levá-los a um compromisso pessoal com Cristo e a uma entrega consciente à obediência da fé” (Medellín 8/III,9).

614 “Sem extinguir a mecha fumegante (cf. Ml 12,20), a Igreja aceita com alegria e respeito, purifica e

incorpora à fé os diversos ‘elementos religiosos’ (cf. GS 92) que estão presentes nessa religiosidade como ‘semente oculta do Verbo’ (AG 11) e que constituem ou podem constituir uma preparação evangélica” (LG 16) (cf. Medellín 6/II,1).

615 Ao longo do documento conclusivo de Puebla, a DV é mencionada 2 vezes (DV 2 e 8). Isso indica que,

assim como na leitura de Medellín, a temática da fé permite apenas uma incursão indireta, aproximando o significado da DV 5 com o modo como Puebla compreende a fé.

testemunhe, proclame e celebre. Indicando, assim, a continuidade com Medellín que havia refletido a presença da Igreja em uma sociedade em transformação.

Para isso, foram eleitos como princípios norteadores a comunhão e a participação, tendo em vista uma autêntica libertação.616 Segundo ele, princípios que necessitam de um aprofundamento da fé, tendo em vista a evangelização, que não pode prescindir da cultura.617 Nesse aprofundamento, que leva à prática efetiva da fé e à edificação da comunidade cristã, como lembrou João Paulo II em seu discurso inaugural, é preciso conjugar a caridade e a verdade.618

No texto conclusivo de Puebla se afirmou, logo no início, que a fé cristã leva ao compromisso com o ser humano, tendo em vista sua salvação eterna, seu crescimento espiritual e sua realização humana (cf. Puebla 13). Tal ideia perpassa todo o texto, indicando os princípios da opção fundamental e afirmando o compromisso na fé a partir do encontro pessoal com Jesus Cristo no Evangelho, sob a ação do Espírito Santo.619 Um encontro que leva à realidade do homem e da mulher latino-americanos (cf. Puebla 15,28,49,73) e à opção preferencial pelos pobres (cf. Puebla 79-80,94).

O processo de evangelização enquanto convite ao aprofundamento da fé como adesão a Jesus Cristo em comunhão com a Igreja620 requer, reconhecem os bispos em

Puebla, um testemunho coerente da parte da Igreja no anúncio do Evangelho. Para isso, compreendem a necessidade de uma Igreja “independente dos poderes deste mundo, para assim dispor de um amplo espaço de liberdade que lhe permita realizar seu labor apostólico, sem interferências estranhas” (cf. Puebla 144). Um aprofundamento urgente para superar uma evangelização insuficiente, que mantém muitos na superficialidade da fé (cf. Puebla 171-176,911).

616 Cf. CELAM. Evangelização no presente e no futuro da América Latina: conclusões de Puebla, p. 53-

55.

617 Cf. CELAM. Evangelização no presente e no futuro da América Latina: conclusões de Puebla, p. 55. 618 Nas palavras do pontífice, figura a ideia do conhecimento da fé como articulação da caridade e da

verdade, de onde “derivarão opções, valores, atitudes e comportamentos capazes de orientar e definir nossa vida cristã e de criar homens novos e portanto uma humanidade nova pela conversão da consciência individual e social”. (CELAM. Conclusões da Conferência de Puebla: Evangelização no presente e no futuro da América Latina, 1979, p. 16).

619 “Vamos falar de Jesus Cristo. Vamos proclamar, uma vez mais a verdade da fé a respeito de Cristo.

Pedimos a todos os fiéis que acolham esta doutrina libertadora. Seu próprio destino temporal e eterno está ligado ao conhecimento na fé e ao seguimento no amor daquele que, pela efusão de seu Espírito, nos torna capazes de imitá-1o a Ele a quem chamamos e que é de fato o Senhor e o Salvador.” (Puebla 180).

620 “Fazendo eco ao discurso do Santo Padre ao inaugurar nossa Conferência, afirmamos: ‘Qualquer

silêncio, esquecimento, mutilação ou inadequada acentuação da integridade do mistério de Cristo que se aparte da fé da Igreja, não pode ser conteúdo válido da evangelização’”. (Puebla 179).

Todo esse processo reporta ao que se afirmara na DV, a autocomunicação de Deus como princípio para o ato de fé. Por meio da autocomunicação, Deus estabelece um diálogo com o ser humano, convidando-o a uma aliança (cf. Puebla 187). Nessa consideração sobre a dimensão da fé, Puebla sublinha a eclesialidade da fé, afirmando que todo batizado inserido em Cristo pelo Espírito Santo é também inserido em sua Igreja (cf. Puebla 243,259). Sustentada no Vaticano II, reafirma que “aceitar a Cristo exige aceitar a sua Igreja (PO 40c)” (Puebla 223; cf. Puebla 246).621

Essa eclesialidade fundada na aliança com Deus faz do batizado um membro do Povo de Deus, chamado à vida comunitária sustentada pela comunhão e participação na Palavra e nos Sacramentos (cf. Puebla 269,364,852) como testemunho de adesão a Jesus Cristo (cf. Puebla 235). Assim como em Medellín, a conferência afirma a opção da Igreja na América Latina pela vivência e pelo testemunho da fé em pequenas comunidades (CEBs) (cf. Puebla 261,370,640-642) como suporte e espaço de aprofundamento para a vivência da fé, que renova a história dos povos (cf. Puebla 274).

Em suma, a opção fundamental no ato de fé é também uma opção fundamental pela vida eclesial (cf. Puebla 730). E a vida comunitária, por sua vez, é uma vida ativa, que reescreve a história na força do testemunho de fé (cf. Puebla 356-361). Nesse dinamismo da fé capaz de reescrever a história dispondo-se às surpresas do Espírito de Deus, os bispos apresentam a figura de Maria como pedagoga da Igreja (cf. Puebla 290) e discípula fiel (cf. Puebla 294). Com Maria, a Igreja aprende que a opção por Cristo lhe faz descobrir as características do ser humano em sua integralidade em vista de sua realização histórica (cf. Puebla 305). A opção fundamental por Cristo leva, consequentemente, ao encontro do ser humano.

A opção fundamental da fé em Puebla é por Cristo, sem o qual a opção da Igreja pelos seres humanos corre o risco de ser distorcida ou parcial. A opção por ele não é somente opção pela humanidade de um modo geral, mas acaba sendo a legítima opção do

621 Em Puebla, os bispos afirmaram que dessa relação depende a coerência da fé. A pertença à Igreja aparece

como elemento fundamental para que se possa viver a fé de modo ativo e coerente na sociedade. Isso não significa que a Igreja seja um instrumento absoluto (cf. Puebla 1117), pois, enquanto instituição, é uma realidade histórica marcada pelas contradições de seus membros: “nem todos os membros da Igreja têm guardado o devido respeito para com o homem e sua cultura; muitos deram mostras duma fé pouco vigorosa para vencer seus egoísmos, seu individualismo e apego às riquezas, agindo injustamente e lesando a unidade da sociedade e da própria Igreja” (Puebla 966). Por outro lado, faz compreender que a coerência da vivência cristã passa, necessariamente pela dimensão eclesial: “grandes setores do laicato latino-americano não tomaram consciência plena de sua pertença à Igreja e são afetados pela incoerência entre a fé que dizem professar e praticar e o compromisso real que assumem na sociedade. Divórcio entre fé e vida exacerbado pelo secularismo e por um sistema que antepõe o ter mais ao ser mais.” (Puebla 783).

ser humano pela autenticidade de sua vida e coerência de sua história de modo radical (cf. Puebla 307,319,321,342). Uma adesão que ocorre no interior de uma cultura específica, assumindo-a com o intuito de traduzir, com sua linguagem, a mensagem do evangelho para que comunique sentido ao homem e a mulher em cada nova geração (cf. Puebla 400, 407, 1114). Um processo que acontece, muitas vezes, por meio da piedade popular, necessitada também de um processo de formação consistente, baseado, sobretudo, na palavra de Deus e no senso de pertença à Igreja (cf. Puebla 935,960).622

Segundo o documento de Puebla, no interior da cultura se pode observar a intensidade da opção fundamental por Jesus Cristo no ato de fé. Essa convicção manifestada pelos bispos é causa de alegria devido aos séculos de evangelização que contribuíram na elaboração da cultura latino-americana (cf. Puebla 470), mas é também motivo de tristeza por seus pontos de fragilidade (cf. Puebla 1300). É no interior da cultura que se estabelece a distância entre pobres e ricos, os regimes políticos que cerceiam a fé, os sistemas econômicos e ideológicos que contradizem, negam e atacam os valores do Evangelho. Muitas vezes, situações encampadas por cristãos.

Elementos acusadores, dizem os bispos, “de que a fé não teve a força necessária para penetrar os critérios e as decisões dos setores responsáveis da liderança ideológica e da organização da convivência social e econômica de nossos povos” (Puebla 437). Consciência que requer uma sólida formação também com respeito ao conteúdo da Doutrina Social da Igreja (cf. Puebla 832). Segundo os bispos, para que o aprofundamento da fé se torne ativo e missionário, para que dinamize a vida humana, é preciso romper com sua superficialidade e desvios (cf. Puebla 371,456).

A ação evangelizadora levará a uma opção fundamental na fé por Jesus Cristo quando for integral. Essa consciência dos bispos em Puebla aponta para um ato de fé que não se reduza a uma ou outra dimensão da vida, mas que reflita no ser humano todo e o desperte para um estilo de vida coerente com o Evangelho.623 O domínio de Cristo, afirmam, “se estende a toda a vida” (Puebla 516). Essa integralidade, dizem, requer um

622 Nas conclusões de Puebla se apresentam os critérios para uma evangelização eficaz: Palavra de Deus na

Bíblia e na Tradição da Igreja (cf. Puebla 372); adesão à fé do Povo de Deus (cf. Puebla 373); Magistério da Igreja (cf. Puebla 374); o trabalho dos teólogos na explicitação da fé (cf. Puebla 375-376); e, por fim, dar espaço aos carismas suscitados pelo Espírito que enriquece e atualiza a Igreja (cf. Puebla 377).

623 “O cristianismo deve evangelizar a totalidade da existência humana, inclusive a dimensão política. Por

isso ela critica aqueles que tendem a reduzir o espaço da fé à vida pessoal ou familiar, excluindo a ordem profissional, econômica, social e política, como se o pecado, o amor, a oração e o perdão não tivessem importância aí.” (Puebla 515).

contato constante com o Senhor na oração.624 Dessa espiritualidade integral é que se

concebe o sentido da santidade na vivência cristã fundada no testemunho de uma opção total por Jesus Cristo (cf. Puebla 799).

Como se pode observar, a vivência da fé em Puebla como opção fundamental é fruto de um processo catequético de evangelização e aprofundamento, no qual a adesão a Cristo é ingresso em seu povo num movimento de comunhão e participação. Um caminho não somente de iniciação, mas de perene renovação da Igreja pela conversão, pela adesão a Cristo e à vida comunitária que se desenvolve em uma perspectiva sacramental e apostólica (cf. Puebla 1007).

c) Conferência de Santo Domingo (1992): a opção fundamental na nova evangelização

A aproximação dos bispos latino-americanos da realidade de seus povos em transformação e de sua necessidade de adesão à fé os levou a uma nova conferência. Realizada na cidade de Santo Domingo, República Dominicana (12-28 de out. de 1992), esta IV Conferência do Episcopado Latino-Americano, intitulada Nova evangelização, Promoção humana e Cultura cristã: “Jesus Cristo ontem, hoje e sempre” (Hb 13,8),625