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3. Análise de questões de tradução

3.2. Algumas especificidades da tradução espanhol-português

3.2.1. Opções linguísticas na tradução de duas variedades do

Conforme foi referido na secção 3.1.3., existe um momento da história em que Carmen tenta falar de acordo com a variedade dialetal utilizada na região onde a sua irmã Noelia está a viver, o espanhol rio-platense, recorrendo a palavras e expressões informais típicas da Argentina. De modo a recriar esta situação cómica, recorreu-se a uma adaptação, pelo que, como já foi mencionado, na versão traduzida, Noelia se encontra a viver no Brasil e Carmen utiliza palavras e expressões informais típicas do português brasileiro. Em seguida, serão apresentados alguns exemplos destas palavras e expressões, retomando-se os princípios, conceitos e métodos discutidos na secção 3.1.1.1. O processo de escolha dos termos informais brasileiros envolveu a consulta de dicionários e de sites frequentados por falantes de português europeu e de português brasileiro, bem como a posterior validação por parte de um falante nativo desta última variedade.

(67)

(LP) CARMEN.- Mira, mira como me sale el acento. (En un argentino horrible). Pero ¿Estás en pedo?, ¡Dejate de hincharme las pelotas boluda! Ché, ché. (VeD, p.101)

(LC) CARMEN.- Olha, olha como é que me sai o sotaque. (Num brasileiro

horrível). Mas, está de porre? Não enche meu saco, babaca! Ché, ché! (VeD,

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Na Argentina, o uso coloquial da palavra “pedo” apresenta uma grande versatilidade, pelo que o seu significado pode variar consoante o contexto e a expressão fixa em que essa palavra se encontra inserida. Por exemplo, a expressão “estar al pedo” pode ser utilizada para dizer que não se tem nada para fazer. Também se pode utilizar a expressão “a los pedos” para indicar algo que é feito muito depressa. À semelhança do que se verifica no espanhol peninsular, a palavra “pedo” pode ser utilizada para referir uma pessoa bêbeda. No entanto, no caso do espanhol rio-platense, o seu uso é precedido pela preposição “en”, conforme se pode verificar no Collins Spanish Dictionary.11 Na tradução, optou-se pela expressão informal brasileira “estar de porre”, que, de acordo com o Dicionário Priberam da Língua

Portuguesa, também é utilizada para referir uma pessoa que se encontra bêbeda.

Relativamente à expressão informal “no me hinches las pelotas”, que ocorre também em (67), a mesma é tipicamente utilizada na Argentina quando o falante não quer que o seu interlocutor o incomode mais.12 No Brasil, a expressão “não enche meu saco” é própria também de um registo informal, sendo utilizada com a mesma intenção de afastar o interlocutor.

No caso da palavra “boluda”, a tradução revelou-se mais complicada, pois o seu sentido varia consoante a situação comunicativa. Se se tratar de uma conversa entre jovens argentinos que se conhecem, o uso de “boludo” aproxima-se do de expressões coloquiais portuguesas como “meu”, isto é, funciona como uma espécie de vocativo, denotando um tratamento amigável (Carricaburo, 1997: 56). Porém, esta palavra também pode ser utilizada na Argentina como um insulto, para designar uma pessoa ingénua ou tola, conforme refere o dicionário da Real Academia Española. Na tradução, optou-se pela palavra brasileira “babaca”, que também é utilizada para referir uma pessoa ingénua ou pouco inteligente. Embora se perca a possível conotação mais amigável do termo original, a verdade é que todas as expressões deste

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A pesquisa dos diferentes usos da palavra “pedo” no espanhol rio-platense envolveu também a consulta dos seguintes sites:

https://forum.wordreference.com/threads/estar-pedo-argentina.1941188/

https://infogram.com/11-argentine-spanish-phrases-with-pedo-spanish-for-fart-1gyj725x3kerm1l 12 Fonte consultada: https://forum.wordreference.com/threads/hinchar-bolas.673519/

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segmento são utilizadas durante um momento cómico da história, pelo que não se verifica uma deturpação da intenção comunicativa da personagem.

Finalmente, encontramos em (67) a interjeição “ché”, característica do espanhol rio-platense e que pode ser utilizada para chamar a atenção ou para exprimir surpresa, dúvida ou troça, conforme refere o dicionário da Real Academia Española. De acordo com o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, “ché” também é utilizado no Brasil com os mesmos sentidos, pelo que não foi necessário recorrer a uma adaptação desta forma.

A respeito deste momento da história, importa referir que a adaptação também incidiu sobre as formas de tratamento que Carmen utiliza, pelo que será retomada a discussão iniciada na secção 3.1.1.3. No caso do espanhol rio-platense, designa-se por “voseo” o uso do pronome de segunda pessoa do singular vos. Este pronome é equivalente à forma pronominal tú, enquanto forma de tratamento informal, sendo esta última apenas utilizada por pessoas estrangeiras (Carricaburo, 1997: 24). Tal como acontece com o pronome tú de outros dialetos da língua espanhola, verifica-se um uso generalizado do pronome informal vos em comparação com o pronome delicado usted: “El eje de la solidaridad ha ganado tanto terreno sobre el del poder, que es común que los jóvenes voseen a los adultos no sólo cuando existen relaciones familiares sino incluso cuando no hay previo conocimiento” (Carricaburo, 1997: 24).

No exemplo (68), verifica-se o “voseo” que Carmen emprega:

(68)

(LP) CARMEN.- ¿Tú, vos bailás tangos? Pero qué buen gusto tiene mi hermanita. Guapo, guapo, guapo. (VeD, p.103)

(LC) CARMEN.- Tu, você dança samba? Mas que bom gosto tem minha irmãzinha. Giro, giro, giro. (VeD, p.65)

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Neste excerto, Carmen começa por dirigir-se a Jorge (o namorado argentino de Noelia) através do pronome pessoal tú, alterando de seguida para o pronome vos, de modo a corresponder à forma de tratamento informal do espanhol rio-platense. A conjugação verbal é distinta, sendo que a forma que concorda com vos deriva da forma que concorda com vosotros, através da queda de “-i” (vosotros bailáis/vos bailás), sendo acentuada a última sílaba (Carricaburo, 1997: 27). No caso da tradução, tendo em conta a variedade brasileira do português, optou-se pelo pronome pessoal

você, uma vez que esta forma de tratamento corresponde, na maior parte dos

dialetos, ao tu do português europeu (Mateus, 2003: 50). Quanto à forma verbal “dançar”, conjugou-se na terceira pessoa do singular, sendo que, ao contrário do que se verifica no português europeu, o uso da terceira pessoa por segunda pessoa não exprime, necessariamente, um maior grau de formalidade.

Também importa mencionar que se optou pela omissão do artigo definido “a” antes do determinante possessivo “minha”, uma vez que, no português brasileiro, é habitual a ausência de artigo antes de um possessivo em posição pré-nominal. (Mateus, 2003: 49).