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33 Estudo de Caso

A principal estratégia de investigação utilizada neste trabalho foi o estudo de caso único, a fim de resgatar uma história do início do Engajamento Comunitário no Projeto Eliminar a Dengue: Desafio Brasil. Com uma abordagem qualitativa, pressupõe uma perspetiva mais interpretativa e construtivista, reconhecendo a importância das complexas inter-relações que compõem o estudo. Em relação a esse tipo de abordagem, Richardson (1999: 80) escreve:

“A análise qualitativa tem como objeto situações complexas ou estritamente particulares. Os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a complexidade de um determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender a classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais, contribuir no processo de mudança de determinado grupo e possibilitar, em maior nível de profundidade, o entendimento das particularidades do comportamento dos indivíduos” (Richardson, 1999:80).

Yin (2005: 32) define a metodologia de estudo de caso dizendo que: “é uma investigação empírica que investiga um fenómeno contemporâneo dentro do seu contexto de vida real, especialmente quando os limites entre o fenómeno e o contexto não estão claramente definidos”. Para o autor, essa estratégia é adequada quando se tem perguntas de “como” e “por que” e quando o pesquisador tem pouco controle sobre os eventos, surgindo do desejo de se compreender fenômenos sociais complexos. Assim, a metodologia é adequada para uma investigação que preserve as características holísticas dos eventos da vida real, que é o que se deseja aqui.

Schramm (1971: 6) diz que: “a essência de um estudo de caso é tentar esclarecer uma decisão ou um conjunto de decisões: o motivo pelo qual foram tomadas, como foram implementadas e com quais resultados”. Para isso, serão adotadas algumas estratégias, tais como análise documental (de relatórios diversos, questionários, protocolos, vídeos, atas de reuniões, depoimentos, materiais de divulgação e comunicação) e entrevistas com participantes do projeto, em uma tentativa de compreender o histórico do projeto e as diferentes perspetivas que o formam.

Uma das características do estudo de caso é lidar com uma ampla variedade de evidências, utilizando-se de diferentes materiais para análise e diferentes formas de analisar esses materiais, realizando uma triangulação em que os dados vão convergir para gerar resultados mais confiáveis em um método que parece, a princípio, tão subjetivo.

34 Através de uma perspetiva naturalista e fenomenológica, pode-se interpretar os dados qualitativos e quantitativos recolhidos para compreender o fenômeno como um todo e contar com diferentes pontos de vista.

Yin (2005: 116), quando fala do papel do investigador destaca também o uso da observação participante:

“Para alguns tópicos da pesquisa, pode não haver outro modo de coletar evidências a não ser através da observação participante. Outra oportunidade muito interessante é a capacidade de perceber a realidade do ponto de vista de alguém de “dentro” do estudo de caso, e não de um ponto de vista externo” (Yin, 2005:116).

Por se tratar de um recorte de uma época passada, 2012 a 2016, a observação participante propriamente dita não será possível, no entanto, como fiz parte da equipe de engajamento comunitário no período de 2014 a 2017, acompanhando de perto diversas etapas aqui relatadas, talvez possa me considerar uma “participante observadora”. Importante destacar que este facto traz uma profundidade na análise que não seria possível apenas com entrevistas ou levantamento histórico, portanto a proximidade com o objeto de estudo pode ser benéfica neste caso.

Para Edgar Morin, no paradigma da complexidade, o sujeito e o objeto são interconectados e estão em uma relação simbiótica, permitindo que vá além da objetividade científica. Para ele, “as teorias científicas não são o puro e simples reflexo das realidades objetivas, mas os coprodutos das estruturas do espírito humano e das condições socioculturais do conhecimento” (Morin, 2005: 137).

Ao contrário do pressuposto positivista de uma ciência neutra, em que o investigador é externo ao caso e imparcial, aqui, a perspetiva será de um papel mais construtivista, onde o investigador é sujeito e ator político, apresentando uma visão que se encontra claramente posicionada, ainda que tenha um papel de relatar, descrever e analisar criticamente trazendo também diferentes olhares de outros participantes e envolvidos.

A escolha por um estudo de caso vem para tentar esclarecer o início e crescimento de um grupo inovador na Fundação Oswaldo Cruz, em que um projeto não é simplesmente implementado sem consulta da comunidade, mas que é apresentado, discutido e construído em conjunto com a população, como um exemplo de participação comunitária em pesquisa. A importância desse resgate é para que se entenda o caminho percorrido e qual

35 foi seu impacto, buscando compreender aspetos educativos no processo.

Análise Documental

O primeiro passo para que esses objetivos sejam alcançados é a análise de documentos existentes do projeto. Os documentos foram disponibilizados pela coordenação do projeto brasileiro e também pela coordenação do programa global, com base na Austrália. Foram inúmeros documentos analisados, mas por serem de uso interno eles não constarão como anexos, para proteger a confidencialidade. No entanto, como foram utilizadas algumas passagens ou escritos de alguns textos, farei um recorte em uma grelha de documentos que constará na secção de apêndice.

Os documentos utilizados foram de vários tipos e de várias áreas do projeto, não apenas produzidos pelo Engajamento Comunitário. Ainda que não haja menção de todos nesse trabalho, eles foram importantes para que se construísse uma história, percebendo como o projeto se foi construindo no processo. Assim, os principais documentos analisados foram protocolos e textos oficiais do projeto, relatórios (mensais ou específicos de cada atividade), questionários realizados com moradores e materiais de divulgação (desde folhetos até vídeos).

Amado (2013: 277) fala que esses dados não devem ser tratados apenas como informação, mas como “produtos sociais”, que revelam uma complexidade e abrangência, apontando para um contexto e um conjunto de relações próprio que gerou o documento em si. Dessa forma é ainda mais significativo reunir todos esses documentos para iniciar a investigação e aos poucos ir traçando e compreendendo a história que se deu.

Entrevistas

Além da análise de documentos, a produção de entrevistas como técnica de recolha de dados é fundamental. Aqui, opta-se por algumas entrevistas com moradores dos bairros alcançados e membros da própria equipe do projeto Eliminar a Dengue que estiveram presentes neste começo.

Denzin e Lincoln (2000: 645) dizem que “entrevistar é um dos mais comuns e poderosos caminhos para entender os seres humanos”. Na literatura fala-se de três tipos principais de entrevistas, que variam de acordo com a organização mais ou menos fechada

36 de um guião. No caso, utilizamos entrevistas semi-estruturadas, com um guião base, em que as perguntas podiam sofrer alteração no percurso, seguindo mais como uma conversa com os entrevistados, de forma com que ficassem confortáveis e pudessem falar o que quisessem sobre o assunto.

O método de entrevista mostra-se aqui relevante considerando que o que se quer saber diz respeito diretamente ao indivíduo e suas perceções, o que não é algo encontrado em relatórios de atividades ou de reuniões. Neste trabalho, cada entrevista deu-se de uma maneira, sendo utilizada a melhor forma de acordo com a disponibilidade e proximidade do entrevistado. Para a entrevista com os moradores dos bairros, Tubiacanga e Jurujuba, optou-se pela modalidade em grupo, de forma a deixar os participantes mais confortáveis e para que as falas se complementassem, estimulando o diálogo e aguçando memórias. Os entrevistados desses grupos eram todos conhecidos, entre si e da entrevistadora, sendo escolhidos por seu grande envolvimento no projeto. No bairro de Tubiacanga, conversei com apenas um morador e pedi para que ele escolhesse os outros entrevistados, sendo que dois dos convidados por ele não puderam comparecer. No restante das entrevistas, apenas dois dos entrevistados não eram conhecidos da investigadora, o antigo membro de Engajamento Comunitário do Brasil, e o membro de Engajamento Comunitário e Comunicações da Austrália.

As entrevistas presenciais foram áudio gravadas para facilitar a transcrição e contaram com a assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido (Apêndice 2), lido antes de iniciadas, autorizando a gravação e também a utilização do conteúdo da conversa, sendo os participantes orientados sobre a opção de anonimato. No entanto, devido às características deste trabalho, e ao facto de que todos concordaram em serem identificados, achamos melhor não utilizar o anonimato, dando nome e crédito a quem de facto ajudou a construir o projeto. Para a entrevista à distância, também foi produzido um termo de consentimento, em inglês, que foi assinado e entregue junto com as questões respondidas por escrito.

Foram realizadas cinco entrevistas, com um total de 11 pessoas, organizadas da seguinte forma:

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Número Grupo Tipo de Entrevista Entrevistado(s) Data Duração Local

Ent.1 Coordenação Geral

Presencial, individual e semi- estruturada

Luciano Moreira 05/12/2018 21’17’’ Fiocruz

Ent.2 Membro de EC no Brasil

Presencial, individual e semi- estruturada

Ricardo Dantas 20/12/2018 45’20’’ Fiocruz

Ent.3 Membro de EC na Austrália Distância, por e- mail, individual, estruturada

Kate Retzki 06/02/2019 --- E-mail

Ent.4 Moradores de Tubiacanga Presencial, de grupo, semi- estruturada Marcos Rogério da Silva, Maria Cristina de Oliveira, Marilea Lopes, Paulo César de Mello, Sônia Rottas 30/03/2019 1:00:46 Casa do Seu César, Tubiacanga Ent.5 Moradores de Jurujuba Presencial, de grupo, semi- estruturada Carmen Sader, Firmino de Oliveira, Maísa Vasconcelos 18/07/2019 2:16:34 Igreja de São Pedro, Jurujuba

Quadro 1: Entrevistas realizadas.

Durante a entrevista e sua transcrição, que se pretendeu o mais fiel possível, buscou-se ter uma escuta sensível, atenta não apenas ao que foi dito com palavras, mas com tons de voz e outros sinais. Amado (2013:219) atenta para essa sensibilidade quando diz: “Mas não ter esse cuidado deve considerar-se uma falta de respeito e ética, ao mesmo tempo que pode dar azo a uma interpretação menos correta do discurso registado”. Durante o momento da entrevista em si, também buscou-se diminuir o que Bourdieu (1992) chama de “violência simbólica”, principalmente nas entrevistas com moradores: “todo poder que chega a impor significações e ao impô-las como legítimas, dissimulando as relações de força que estão na base de sua força, acrescenta sua própria força, isto é, propriamente simbólica, a essas relações de força” (Bourdieu & Passeron, 1992: 19-20). Assim, as

38 entrevistas ocorreram nos locais escolhidos pelos próprios entrevistados, em que lhes era cómodo e em que se sentiam confortáveis, além de todo o processo se dar como uma conversa, em que qualquer um poderia falar a qualquer momento e as perguntas serviam apenas de guia.

Considerando a entrevista uma técnica importante para coleta de dados em um estudo de caso, Yin (2005: 110) destaca a prática, mas adverte de seus problemas, recomendando que seja apenas mais uma fonte entre outros tipos.

“As entrevistas, no entanto, devem sempre ser consideradas apenas como relatórios verbais. Como tais, estão sujeitas a velhos problemas, como preconceito, memória fraca e articulação pobre ou imprecisa. Novamente, uma abordagem razoável a essa questão é corroborar os dados obtidos em entrevistas com informações obtidas através de outras fontes” (Yin, 2005:110).

Portanto, a junção da análise documental, com as entrevistas e ainda meus próprios registos e conhecimentos enquanto antigo membro da equipe busca possibilitar um bom conjunto de dados que garanta uma análise completa.

Análise de Conteúdo

Todos os dados coletados foram analisados utilizando-se a Análise de Conteúdo, caracterizada por João Amado (2013) como “uma técnica que aposta claramente na possibilidade de fazer inferências interpretativas a partir dos conteúdos expressos, uma vez desmembrados em ´categorias´, tendo em conta as ´condições de produção´ desses mesmos conteúdos, com vista à explicação e compreensão dos mesmos”.

Assim, os dados passaram por diversas leituras e uma organização sistemática, em que foram categorizados e interpretados de acordo com a base teórica utilizada. João Amado (2013: 304) cita uma definição abrangente de Robert e Bouillaguet (1997):

“A análise de conteúdo stricto sensu define-se como uma técnica que possibilita o exame metódico, sistemático, objetivo e, em determinadas ocasiões, quantitativo, do conteúdo de certos textos, com vista a classificar e a interpretar os seus elementos constitutivos e que não são totalmente acessíveis à leitura imediata” (Robert & Bouillaguet, 1997 in Amado 2013:304).

As categorias foram organizadas através de um tipo aberto de procedimento, induzido a partir da análise e buscam obedecer às seis regras de que Amado (2013: 335- 336) fala: exaustividade, exclusividade, homogeneidade, pertinência, objetividade e produtividade, de forma a possibilitar a validade e a confiabilidade dos dados e das

39 conclusões apresentadas. Após diversas mudanças e experimentações, foram 8 categorias estabelecidas, com o intuito de organizar os dados de forma cronológica (ou o máximo possível, já que alguns momentos se sobrepõem), possibilitando a observação de uma linha de raciocínio que foi tomada na época estudada, em uma tentativa de compreender como se chegou a determinados resultados.

Categoria Título O que traz 1 Planejamento e

Organização Interna

Primeiros passos do EC no projeto, organização e estudo dos territórios e do que é engajar.

2 Entrada na Comunidade Primeiros contatos estabelecidos com as comunidades de Tubiacanga e Jurujuba.

3 Comunicação e Divulgação Materiais produzidos pela Comunicação do projeto e distribuídos para a população, seja para informar, convidar ou agradecer.

4 Atividades junto à Comunidade

Atividades que o projeto produziu nos períodos antes, durante e pós liberações, nos bairros de Tubiacanga e Jurujuba.

5 Comitê Comunitário Grupos formados por moradores nas duas comunidades que auxiliavam as ações do projeto dentro dos bairros.

6 Questionário de Aceitação Análise dos questionários de aceitação aplicados nos dois bairros antes das liberações de mosquitos.

7 Liberações Metodologias de liberação utilizadas e como os moradores lidaram com o período.

8 O que ficou Impressões dos moradores sobre o processo após 3 anos das liberações e discussão de resultados.

Quadro 2: Categorias de Análise

Desta forma, espera-se que seja possível produzir um estudo de caso completo que de facto retrate o que foi o processo de Engajamento Comunitário nos primeiros anos do Projeto Eliminar a Dengue: Desafio Brasil, possibilitando visões de pesquisadores, moradores, voluntários e parceiros do projeto.

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