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O presente capítulo procura debruçar-se sobre o conjunto de indicadores e a relativa operacionalização das variáveis a serem usadas para testar as hipóteses apresentadas no capítulo anterior. Discutem-se as distintas dimensões no que tange às hipóteses: o poder constitucional dos governadores, os arranjos eleitorais e seus efeitos, o sistema de uma e duas câmaras parlamentares e a organização interna dos corpos legislativos. Em primeiro lugar, são analisados os poderes conferidos constitucionalmente às esferas provinciais. Isto servirá de base para a análise dos instrumentos de governo em mãos dos governadores.

A seguir, estudaremos o sistema eleitoral para a escolha de representantes legislativos e executivos nas províncias, mostrando todo o relacionado com a eleição dos governadores, e as diferenças na transformação de votos em cadeiras no legislativo que ajudará na conformação das bancadas governistas. Analisam-se aqui os incentivos ao voto pessoal e à reputação partidária que os distintos sistemas eleitorais utilizados nas províncias argentinas possuem. Há também um excerto importante sobre os bicameralismos em nível provincial.

Depois disso, colocaremos em destaque a organização interna dos legislativos provinciais, para entender a escolha de autoridades e como são compostos os trabalhos legislativos nos órgãos de centralização decisória. Soma-se aqui um estudo sobre os atores envolvidos na determinação da ordem do dia em plenário, com estruturações que podem outorgar mais e menos centralidade ao executivo no processo. Tudo isto ajudará, em definitivo, na compreensão da estruturação das interações entre o executivo e o legislativo nas províncias. A seguir, serão analisados os indicadores.

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2.1 Os poderes constitucionais dos governadores

Atualmente, a Argentina conta com uma estrutura multinível composta pelo governo federal, 23 províncias e uma cidade autônoma, além de quase 1.200 municípios e mais de mil governos locais sem status municipal7, o que determina como observado - a coexistência de funções exclusivas e concorrentes entre as distintas divisões administrativas (ABAL MEDINA e CAO, 2012:45).

A estrutura básica das constituições provinciais da Argentina replica, em linhas gerais, um esquema com direitos e garantias básicas seguindo a organização dos três poderes republicanos (CASTAGNOLA, 2010:27). Muitas das constituições regulamentam o regime eleitoral, o juízo político, a sanção das leis, alguns elementos da administração pública e a organização dos órgãos de controle e tribunais de contas. De todo modo, as cartas magnas das províncias contêm prescrições particulares e formatos diferentes que refletem as peculiaridades regionais (ABAL MEDINA e CAO, 2012:124). Neste sentido, Almaraz (2010) assinala que os governadores das províncias contam com três tipos de poder derivado de seu cargo: i) institucional, ii) partidário, e iii) econômico. Institucionalmente, como já observado, como os governos provinciais têm autonomia para a redação de sua própria constituição provincial, para eleger seus representantes e fazer suas próprias leis, o executivo conta com um leque amplo de itens possíveis em sua agenda.

Para avançar na questão dos poderes do executivo, pode ser relevante se apoiar no trabalho de Metcalf (2000) a respeito dos instrumentos em mãos dos Executivos nacionais em diversos países. Este autor analisa os poderes legislativos e não legislativos que as cabeças dos executivos nacionais possuem, após fazer uma revisão dos indicadores de Mainwaring e Shugart (1997), de Frye (1997) e de Carey e Shugart (1998).

Simplificando o escopo dos postulados destes autores, Metcalf (2000) entende por “poderes legislativos” aqueles instrumentos que servem para influenciar o processo de redação de leis, como são o poder de veto do executivo e a possibilidade que o legislativo pode ter ou não para insistir nos projetos, os poderes de decreto e a introdução exclusiva que o Presidente detém em determinados assuntos, na elaboração do orçamento e na proposta de referendos. Já entre os “poderes não

7 Todos estes não são entes da federação, mas criação das províncias e dependentes delas. O grau de autonomia a eles conferido, portanto, depende de legislação provincial.

40 legislativos” presidenciais, o autor leva em consideração a nomeação e demissão de ministros, a possibilidade de censura de seu gabinete (ou a falta dela) por parte do legislativo e a possibilidade de dissolver o legislativo que, eventualmente, o Presidente possui.

Baseando-se neste autor, realizamos uma adaptação para o caso dos executivos provinciais da Argentina, tomando os poderes legislativos dos executivos e deixando fora os poderes não legislativos. A explicação para isto último é que não há grande variação nestes elementos. Ao analisarmos os poderes não legislativos, as diferenças praticamente desaparecem: o governador é o chefe da administração pública na província, cabendo-lhe, portanto, a nomeação e remoção dos funcionários, salvo especificação contrária das constituições. Na Argentina, todos os governadores nomeiam e podem demitir os membros de seu gabinete sem restrições. No caso do critério “Remoção”, relacionado com a chance de o legislativo poder interferir na composição do gabinete, através do processo de remoção, só duas províncias fogem da regra imperante de que o parlamento só pode remover através de mecanismos especiais: nas nortistas Jujuy e Misiones, não é possível os legisladores removerem membros do executivo.

Tomando então só os poderes legislativos dos executivos propostos por Metcalf (2000), várias mudancas foram feitas para adequar o modelo ao estudo de entes subnacionais, neste caso o das províncias argentinas. Então, aqui se modificou o “Package Veto” original de Metcalf (2000), pelo “Veto total” (VT) existente na Argentina e em outros países. Além disso, foi retirado o quesito relativo à “Revisão Judicial”, já que não interessava aos fins desta pesquisa. Aqui, soma-se uma categoria não considerada por Metcalf (2000) e que acreditamos ser de grande relevância: os “Instrumentos especiais de urgência” (IEU). Por estes, entende-se tanto o poder de decreto de relevância e urgência (por ex., a Medida Provisória no Brasil) quanto o instrumento de tramitação em regime de urgência.

O poder de decreto especial dos executivos estaduais argentinos chama-se Decreto de Necesidad y Urgencia (DNU); ele dá a possibilidade, sob certas circunstâncias, de legislar em diversas áreas (desde que não impliquem matéria penal, tributária, eleitoral ou sobre partidos políticos) e tem vigência imediata. Por sua vez, o Trâmite de Urgência, também presente na legislação brasileira, permite ao governador enviar projetos que devem ser tratados em determinado prazo. O executivo pode ainda solicitar tratamento de urgência depois de ter enviado o projeto ao legislativo; e se não é rejeitado dentro do prazo previsto, é considerado aprovado.

41 Com todas estas modificações ao modelo originário de Metcalf (2000), quando aplicado ao caso argentino, o esquema de poderes constitucionais dos governadores outorga distinta pontuação dentro de cada um dos 7 quesitos. Assim, por exemplo, se os poderes de decrto do governador são reservados a ele e não podem ser revogados, leva 4 pontos, mas se ele tem autorização limitada para o uso deste instrumento, a pontuação ficará em 1 ponto neste ítem. Com estas ressalvas, podem ser analisadas as províncias argentinas. A seguir, a Tabela 2.1 mostra as pontuações recebidas pelas unidades federativas argentinas.

Quadro 2.1. Pontuação dos poderes legislativos dos governadores (PLeg), adaptação