• Nenhum resultado encontrado

1.5 CENÁRIO JUSTIÇA JUVENIL NO BRASIL

1.5.2 A opinião pública e o crime juvenil

A opinião pública sobre a criminalidade juvenil desempenha uma influência significativa na formulação de políticas públicas voltadas para essa faixa vulnerável da população (STEINBERG; PIQUERO, 2010). O crescimento da violência urbana tem levado a sociedade a cobrar do Estado medidas mais severas e punitivas para resolver o problema da criminalidade juvenil. Inúmeras vezes, essa discussão é focada na percepção da falta de

punição adequada para adolescentes em conflito com a lei (RUIGROK et al., 2016), tornando a questão da redução da maioridade penal um dos temas mais polêmicos em discussão atualmente no Brasil (VAVASSORI; TONELI, 2015). Essa proposta propõe que o Ministério Público desconsidere a imputabilidade para maiores de 16 e menores de 18 anos em alguns procedimentos de apuração do ato infracional (Proposta de Emenda à Constituição - PEC 33 / 2012). As discussões sobre essa proposta têm sido polarizadas ideologicamente e são raras as instâncias onde o debate é baseado em evidências científicas confiáveis.

O tema redução da maioridade penal se insere em um contexto de divergências acirradas: de um lado, existem aqueles que apoiam a redução da maioridade penal e argumentam, por exemplo, que é a impunidade que aumenta a criminalidade, nesse sentido, buscam e lutam pela mudança na lei penal brasileira; do outro lado, existem aqueles que se posicionam contrários à redução e afirmam, por exemplo, que a redução da maioridade penal não diminuirá a violência, pois o problema é social e não jurídico (GALVÃO; CAMINO, 2011). Além disso, argumentam que estudos científicos demonstram que os indivíduos na faixa etária de 0 a 18 anos são sujeitos em desenvolvimento com habilidades de tomada de decisão e controle de impulsividade imaturas, e que necessitam de um ambiente propício para sua formação (CASEY et al. 2017; ECA, 1990). A exposição de adolescentes em conflito com a lei nesse período de amadurecimento, inclusive cerebral, ao ambiente carcerário pode desencadear danos irreparáveis no seu desenvolvimento cognitivo, social e emocional e acabar por torná-los delinquentes mais perigosos.

Um dos fatores que favorecem a questão da redução da maioridade penal é que o desenvolvimento do cérebro adolescente ocorre de maneira oculta e as pistas comportamentais associadas com o amadurecimento de áreas corticais associadas com o controle de impulsividade e tomada de decisão são ambíguas e difíceis de categorizar por olhares leigos. Um outro fator é a dessincronização no amadurecimento dos circuitos corticais e dos caracteres sexuais secundários em seres humanos. Os adolescentes “parecem” adultos antes de efetivamente alcançar a maturidade cognitiva associada com essa etapa do desenvolvimento (BERNARDO, 2011). Além do mais, em pesquisa de opinião pública sobre criminologia a maioria do público não tem muito conhecimento do sistema de justiça criminal ou taxas de criminalidade e geralmente é bastante punitivo e tem uma preocupação com a severidade absoluta do castigo (VAN GELDER et al., 2015).

Isso pode ser constatado no levantamento realizado pelo Datafolha de São Paulo. Em 2015 foram realizadas 2.834 entrevistas em 171 municípios brasileiros, 74% defendem a

redução da maioridade penal e são favoráveis a medidas mais punitivas. Na comparação com pesquisas anteriores, observa-se que a taxa de brasileiros adultos favoráveis à redução da maioridade penal para qualquer tipo de crime vem crescendo: era 62% em 2003, 71% em 2006, e agora alcança 74%.

Outro ponto que merece atenção é a influencia da mídia na opinião das pessoas. As pessoas dependem fortemente da mídia para adquirir informações. Segundo Ruigrok et al. (2016) a cobertura da mídia da criminalidade juvenil pode mostrar diferentes formas de viés em relação aos fatos reais: sobre a seleção de notícias, as fontes citadas nas notícias e a perspectiva usada para apresentar a notícia. Maier e Tucker (2012) apontam que a cobertura de notícias de crimes é exagerada em comparação com as taxas reais de criminalidade. Isto é especialmente verdadeiro para jornais populares. Eles sensacionalizam o crime e promovem o medo mais do que os jornais de elite. As mídias de notícias online também tendem a se concentrar mais nas histórias de crimes do que suas versões impressas.

Esses vieses mostram como as notícias são produzidas e os possíveis efeitos que isso pode ter no medo do crime ou no apoio público para medidas punitivas. A notícia é o resultado de escolhas jornalísticas, em vez de um simples reflexo da realidade, e o processo jornalístico pode causar distorções sistemáticas na cobertura. Os telespectadores que lêem notícias episódicas mostram apoio às medidas repressivas, enquanto a cobertura de notícias temáticas, focada nas causas socioeconômicas do crime, provoca uma maior preferência de medidas preventivas entre o público (MAIER; TUCKER, 2012). As pessoas se tornam menos punitivas quando recebem informações suficientes para basear sua opinião (RUIGROK et al., 2016).

A percepção da questão da redução da maioridade penal encontra paralelos em outra questão contemporânea: as mudanças climáticas de origem antropogênica (MCA). Existem várias evidências científicas de que as MCA são um fenômeno real e que ameaça a existência humana neste planeta. Entretanto, a maioria das pessoas desconsidera essas evidências e não toma providências para resolver o problema, tanto em termos políticos como de ações práticas individuais. Existem vários estudos que tentam contribuir para o entendimento da motivação por trás dessa negação. Muitas vezes, o público desconsidera as evidências científicas simplesmente porque falta acesso à informação ou porque as notícias são apresentadas de maneira enviesada ou inapropriada. Em outras situações, as evidências científicas são rejeitadas porque entram em conflito com as crenças políticas, ideológicas ou religiosas das pessoas. Nesse caso, a estratégia cognitiva está associada com uma resposta reflexa de auto-

proteção da identidade e não pode ser entendida se não for considerado o contexto social e político (LEWANDOWSKY; OBERAUER, 2016).

As motivações individuais frente às evidências científicas sobre MCA também são manipuladas por grupos organizados, que promovem a negação da relação antropogênica com as mudanças climáticas. A estratégia de convencimento desses grupos se baseia em reforçar o viés cognitivo de proteção da identidade, mencionado anteriormente. Por exemplo, um estudo (McCRIGHT et al., 2015) mostrou que pessoas conservadoras possuem uma tendência maior de negar a MCA quando os argumentos ameaçam a legitimidade do status quo da sociedade e o seu estilo de vida. O entendimento das motivações explícitas e implícitas por trás da negação das MCA é essencial para organizar estratégias de sensibilização para a questão. Um raciocínio semelhante se aplica à questão da redução da maioridade penal.

As divergências em relação a tomada de decisão e a opinião pública sobre a proposta de redução da maioridade penal também podem estar relacionadas ao quão próximo ou distante o indivíduo está do problema em relação a uma determinada realidade socioeconômica e cultural (TROPE; LIBERMAN, 2010). Ou seja, em situações de julgamento, quando o indivíduo está próximo da realidade do alvo, como o adolescente em conflito com a lei, implica em uma compreensão mais detalhada sobre a situação e uma propensão a um julgamento mais justo. Esse distanciamento pode ser influenciado pelos fatores socioeconômicos e sociodemográficos, e pelo desenvolvimento moral do indivíduo.

Nesse contexto, com o intuito de apresentar os motivos que influenciam na tomada de decisão a respeito da opinião sobre a proposta de redução da maioridade penal no Brasil, técnicas de aprendizado de máquina, como Mineração de Dados ou Data Mining, além da análise estatística, também foram utilizadas na análise dos dados desse estudo. A Mineração de Dados é uma das tecnologias sobre descoberta de conhecimento mais promissoras da atualidade.